O dia a dia traz a impossibilidade de ser sensível ao outro. Impede-nos de ouvir atentamente o que a(o) parceira(o) tem a dizer. Rotina faz cegar o melhor dos olhos. Engessa a capacidade de se preocupar com quem se divide a vida. É como se duas pessoas próximas, de tão próximas, fossem se tornando íntimos distantes.
Somos um casal. E, como tal, temos problemas. Óbvio! Mas não deixemos essas armadilhas matrimonias nos pegarem. Rotina pode ser inimiga número um. Por isso, cuidamos. Somos, pois, duas pessoas adultas esforçando-se, dando o melhor de si, para que ela, a rotina, não sente no sofá da sala de estar e faça morada lá em casa. Graças a Deus, somos íntimos e próximos. Parceiros e criativos.
Poderia ter sido diagnosticado com uma doença rara, semana passada. Seis meses de vida poderia ter sido o tempo que me restaria, segundo o médico. Fiquei pensando nas coisas que faria nos últimos meses de crédito divino. Queria estar cada segundo ao lado dessa mulher. Desejaria viver intensamente, e adivinhem: a mesma rotina. O dia a dia de sempre.
Desejaria, sendo assim, tomar meu café pretinho de manhã cedo. Ler o jornal. Receber um cafuné. Levar o já automático esporro diário por ter deixado a toalha molhada em cima da cama. Sair para trabalhar e ouvir um “como foi seu dia?” ou, quando abrir a porta de casa, “bora tomar uma cervejinha na varanda?”. Pretenderia permanecer deitado na cama, à noite, com os três filhos esparramados ao nosso lado, no maior menor espaço do mundo para cinco pessoas, transformando minutos em eternidade. Assim como foram eternos os minutos em que deitava na cama dos meus pais, com meus irmãos. E essa imagem está bem aqui, na minha frente, que de tão perto posso até tocar.
Claro que nos finais de semana pretenderia caminhar, namorar, alisar o cabelo, preparar um churrasco, tomar banho de piscina, tudo com ela e nossa penca de filhos. Não mudaria nada. Aliás, minto eu. Mudaria duas coisas. A broxante selvageria de invadir o banheiro enquanto faço o número dois e a mania que temos, a cada quatro anos – ela e eu − de votarmos em salvadores da pátria, e descobrir depois que não o são. Tudo conforme manda a nossa sagrada rotina. Como se presidencialismo de coalizão permitisse, nesta pátria, o aparecimento de um ser iluminado a resolver todos os problemas. Mas faz parte da nossa rotina elegê-los. Foi assim com Collor, Lula e Bolsonaro. Todos equiparados ao que faço enquanto minha mulher invade o banheiro sem bater à porta.
Não tenho doença alguma. Estou cem por cento saudável, graças a Deus. Minha doença é acreditar em discursos populistas. Se há uma coisa que também pretendo mudar na rotina deste casal brasileiro de classe média é parar de assistir na TV à prisão de outro presidente da República. Agora, já são dois. A inocência política é mesmo rotina de casal. De novidade mesmo só o Twitter do Presidente e as declarações dos seus filhos. De tédio não morreremos, nem haverá divórcio.