Ninho de Palavras

Ninho de Palavras

Bruno Moury Fernandes

Sentimento de culpa

Cochilar depois do almoço é para poucos. Os espanhóis têm esse costume. Xico Sá defende o direito à siesta. Afirma que sempre descansa após a refeição, enquanto o capital se esborracha lá fora. O descanso – corpo e mente exigem – há de ser respeitado. O ritmo é de cada um, mas poucos são os executivos de sucesso que lançam mão dessa importante ferramenta. Se você não a usa provavelmente apenas aparenta ter sucesso. Porque sucesso mesmo é descansar na hora do rush, amigo. É estar nem aí para o que acontece para além das paredes do seu quarto. Tente beber dessa fonte e verás que a vida fará ainda mais sentido.

A palavra siesta vem do latim “sexta”. Os romanos tinham o costume de descansar na sexta hora, dividindo os períodos de luz em 12 horas. Esse período na Espanha está entre as 13h e 15h. Em plena luz do dia, está lá um corpo estendido na cama. Torna-se mais produtivo o restante das horas, ante o necessário recarregar das baterias. Depois de trabalhar mais um pouco é chegado o happy hour. Esse outro é mais comum aos povos, especialmente os ocidentais. Surgiu nos Estados Unidos. Em tradução literal significa hora feliz.

Agora imagine seus dias com siesta e happy hour. Um pouco de Espanha e de América te fará bem. Provavelmente estarás mais gordo, porém, feliz. Sim, os gordos também podem alcançar o nirvana da felicidade. Sugiro trocar algumas horas de academia e trabalho por essas duas invenções maravilhosas da humanidade.

O guarda de trânsito, lá embaixo, nem imagina que às 14h30 de uma quarta-feira, de pijamas, estou a me contorcer de culpa, enquanto avisto sua tentativa frenética de organizar o trânsito caótico do Recife. As pessoas que passam apressadas e estressadas, conduzindo seus automóveis brancos e pratas, não fazem ideia de que o fantasma da consciência pesada me assombra por estar descansando, após papar o feijão sagrado no pit stop que fiz na casa de mãe. Convenhamos, feijão de mãe pede cama. A culpa não me deixa pregar os olhos. Como se a vagabundagem fosse crime. Sinto-me como se tivesse matado alguém e estou escondido até que a polícia possa levar-me em cana. Posso sentir os dedos dos inquisitórios apontados em minha direção: “culpado, culpado, culpado”.

Não parece ter culpa a moça bonita cantada por Alceu, da praia de Boa Viagem, que de longe avisto saindo do mar verde com seu biquíni minúsculo. Sentada à sombra do guarda-sol, nem desconfia que daria minha vida para com ela estar compartilhando cerveja, olhares e caldinho. Não é possível que pais e filhos construam pacientemente castelos firmes de areia quando hoje é dia de matarmos uns aos outros nos escritórios, geralmente para construirmos castelos que desmoronam com mais facilidade do que aqueles que avisto daqui de cima, edificados com amor e parceria. Não quero sentir inveja, mas ver de longe uma pelada, três contra três, com barrinha de coco, mexe com meus instintos mais primitivos. É sem juiz e se a bola boiar é lateral, tá ligado? Se ficar plantado na barra leva tumba, pai. Tudo isso no meio da semana. No meio da tarde. No meio da mais bela praia urbana do Brasil.

Sou lembrado pelo despertador de que o sol vai esfriando. Devo voar ao escritório com asas de sentença transitada em julgado reconhecendo culpabilidade, mas se a labuta se estender além das 20h, me presentearei com um happy hour junto aos amigos. Trata-se de sistema justo de compensação. Antes de sair, um vinho do porto para relaxar. Mãe é tudo igual. Jamais lhe diria da culpa que carrego por ter almoçado aqui. Hoje era dia de comer em self service. É quarta-feira. Deveria estar no trabalho. “Por que não fica para o jantar, meu filho?”

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