Você está a dez mil pés. Seu time do coração joga, neste exato momento, a final do campeonato. Você teve um estressante dia de trabalho, na capital federal. Além disso, acima das nuvens, nada de wi-fi, muito menos TV. Você imagina a cena da bola estufando a rede do goleiro adversário, mas logo se dá conta de quão inconfiável é o ataque rubro-negro. Seu assento é o da saída de emergência. Isso mesmo! Aquele que não reclina. Você lembra das palavras da aeromoça, minutos atrás, com instruções sobre como abrir a porta em caso de necessidade. Você pensa em abrir a porta, mesmo sem necessidade. Essa ideia idiota logo lhe abandona. Você não consegue dormir, então pega papel e caneta. Dana-se a escrever. Tenta organizar a agenda do que resta da semana. Você anota que domingo é dia de almoçar com a família. Lembra que é Dia das Mães.
E por falar em mãe, você volta a sentir-se culpado por ter, na noite anterior, bisbilhotado aquela mensagem que chegou no celular da mãe dos seus filhos, oriunda daquele grupo de Whatsapp do qual ela não permite que você participe. Mas você pensa em logo agradecer a Deus por ter se atrevido a mexer e por ter se deparado com uma confraria ultrassecreta de mulheres que se intitulam “superpoderosas”. E pensa como é apropriado o nome desse grupo. Praticamente uma seita. E como em toda a seita, o que impera são ideologias e conceitos divergentes dos sistemas dominantes.
Nessa confraria ultrassecreta homem não entra, mas você entrou rapidinho. Só uma olhadinha. Lá, somente mães. Tão somente mães de pessoas com autismo. Ali trocam ideias, dividem suas aflições, compartilham sentimentos, frustrações, conquistas. Vibram com a vitória da outra. Estimulam o progresso dos meninos. Divulgam novidades. Tanta mensagem linda, você pensa. De apoio, de amizade. E você lembra o quão raro é o ombro amigo nos dias de hoje.
E você descobriu que foi ótimo ter entrado ali e ter dado aquela espiadinha. E descobriu que há tanta força nessas mulheres. Há tanto amor entrega e dedicação. Tanta cumplicidade, bem querer, companheirismo. E é tão bonitinho ver que elas se referem aos filhos como “anjos azuis”. E você lembra que não é somente o fato de todas elas serem mães de pessoas com autismo que as une. Não! Você se dá conta de que há uma energia a mover esse barco onde juntas estão: o amor de mãe. O desejo, talvez inconsciente, de mudar tudo em volta, a sociedade mesmo. O esforço mútuo, contínuo, na tentativa de alterar o curso nada natural do rio.
Então você passa a perceber, ainda mais, que a luta diária não é só pelo desenvolvimento dos seus respectivos rebentos. É pela mudança de mentalidade nos outros também. E você pensa em mil maneiras de gritar ao mundo a admiração que possui por essas meninas, mulheres, mães. E você agradece a Deus por existirem Milenas, Danielas, Andréas, Sílvias, Julianas, Cândidas. E você deseja que elas se multipliquem mundo afora.
Então você percebe que está emocionado e que está chorando um pouco alto para quem está trancando numa lata velha voadora. E o gordo simpático sentado ao seu lado já está com o braço estendido a oferecer-te um lenço. E a aeromoça, aquela mesma que instruiu sobre a porta, pergunta se você está passando bem.
E você tem uma vontade incontrolável de perguntar se essa porta, caso abrisse, nos levaria a um mundo melhor. De mais tolerância, respeito, inclusão, acessibilidade, acolhimento. E ao aterrissar você liga para a mãe dos seus filhos para perguntar o placar do jogo. Com voz doce e suave, ela responde que seu arquirrival foi o vencedor. Então você diz que a ama, que a admira profundamente e que já está com saudade. E antes de desligar você houve ela dizer: “endoidou de vez”. E você sabe que, mais uma vez, ela tem razão.
Feliz dia das mães às superpoderosas!
Ninho de Palavras
Bruno Moury Fernandes
Superpoderosas (maio/2016)
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