A epidemia da obesidade atingiu também a infância. Virou rotina nos consultórios pediátricos crianças com doenças causadas pelo aumento de peso e que até então só acometiam adultos, como diabetes tipo 2, hipertensão, gordura no fígado. Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008/2009, realizada pelo IBGE, demonstra a diminuição nos níveis de desnutrição e aumento do número de crianças e adolescentes com excesso de peso nos últimos 35 anos no Brasil. Na região Nordeste, a pesquisa revelou que 28,15% de brasileiros entre 5 e 9 anos e 16,6% entre 10 e 19 anos estão obesos ou com sobrepeso.
O que é um perigo porque são altas as chances dessa garotada “brigar com a balança” também na fase adulta. Vários estudos mostram que uma criança gordinha tem risco maior de permanecer com problemas de obesidade quando adulta. “É como se o seu corpo passasse a ser programado para produzir células de gordura em grande quantidade e, mesmo que entre na fase de crescimento, terá dificuldade para emagrecer”, explica Taciana Schuler, endocrinologista pediátrica.
O problema começa ainda quando se é um feto na barriga da mãe. Uma gestante obesa, que come em demasia tem grandes chances de ter bebês acima do peso, que terão essa programação metabólica desencadeadora da obesidade. Assim como ocorre com gente grande, o estilo de vida é o principal vilão da criançada. Afinal, décadas atrás, os pequenos brincavam na rua, não comiam muito produtos processados, nem ficavam horas diante das telas da tv, de computador ou celular. As mães não trabalhavam fora de casa e tinham tempo para fazer as refeições.
Os tempos mudaram e o gosto das crianças por alimentos também. Na verdade, nosso paladar é formado até os 2 anos de idade. Portanto, se a garotada não está acostumada a comer frutas, legumes e verduras desde pequena dificilmente vai achar esses alimentos gostosos quando crescer.
As escolas têm sua parcela de responsabilidade. “Nas cantinas dos colégios particulares não há muita preocupação com alimentação de qualidade, alguns chegam até ter uma lanchonete de fast food”, espanta-se Taciana. “Nas escolas públicas o problema é que a merenda é como se fosse um almoço. Essa ideia surgiu quando havia muitos estudantes desnutridos, mas hoje a situação mudou”, alerta a médica. “Por isso, os alunos que já almoçaram em casa vão para a escola e almoçam novamente com muito carboidrato, pouca vitamina e proteína”, critica a endocrinologista, que defende a criação de políticas públicas para orientar os colégios.
Instituições de ensino também pecam por não darem o devido valor à educação física. “Muitas vezes é apenas uma aula por semana e muitas dão uma parte teórica e muito pouco prática. Os estudantes ficam sedentários, não se estimula a consciência da necessidade de se exercitar”, adverte Taciana.
Diferenças
Tratar a obesidade na infância tem suas particularidades. Como estão em crescimento, as crianças não podem ser submetidas a dietas rígidas. Elas também possuem um metabolismo mais acelerado que ajudam no processo de emagrecimento. Até o momento não há medicações de uso pediátrico para a obesidade, porque é difícil testar o efeito dos remédios nas crianças. A cirurgia bariátrica é realizada somente a partir de 16 anos.
Por isso dieta e exercícios físicos são o arsenal terapêutico utilizado. E para que dê resultado é imprescindível a colaboração dos pais. “Muitos deles também têm alimentação pouco saudável e acabam transferindo o exemplo para os filhos. É importante que passem a se alimentar bem para que as crianças os imitem”, recomenda a endocrinologista.
Os adolescentes são um caso à parte. Como estão em fase de afirmação e de se distinguirem da imagem dos pais podem colocar obstáculos para fazer dieta. “Nesse caso, a alternativa é apelar para a vaidade para conseguir convencê-los”, aconselha Taciana. Eduarda Araújo, de 12 anos, é uma das pacientes da médica que já sente os efeitos do tratamento na sua vaidade. “Ela é muito moça e de repente ficou com 26 quilos a mais do ideal para seu peso e altura. Não encontrava roupas bonitas para se vestir”, conta a mãe, Socorro.
Com dieta e atividade física, Eduarda já perdeu sete quilos em sete meses. “Antes ela só usava short e camiseta, agora já comprou saia, está toda feliz, se arruma”, comemora Socorro. Para conquistar essa felicidade, mãe e filha tiveram que fazer algumas mudanças. “Eu gostava de doces e ela também. Deixei de comprar biscoito, leite condensado”, conta Socorro. O fast food foi substituído por sanduíche de pão integral com queijo e suco, o lanche da escola ela leva de casa, e passou a ter o hábito de tomar o café da manhã.
“No início foi difícil porque eu não estava acostumada a comer esses alimentos, mas depois de uma semana não estranhei mais”, revela Eduarda, que também passou a malhar. “Eu já fazia natação, agora faço também sapateado duas vezes por semana. É muito legal”, comemora.