Para o pernambucano que não mora em Aldeia, a região ficou marcada como um lugar de passeio e descanso. O território bucólico, dentro de uma área de proteção ambiental, representa uma experiência tipo Fugere urbem, expressão latina que significa o desejo de fugir para o campo. E esse é o sentimento de cidadãos que, cansados do cinza e do trânsito pesado da Região Metropolitana do Recife, optaram por residir nesse paraíso. O quadro de convívio pacífico e harmônico com o meio ambiente, porém, contrasta com problemas que estão mais para o mundo urbano que o rural.
A multiplicação de habitantes, com a chegada de vários condomínios, e o processo de favelização na região aumentaram o fluxo de veículos na sua principal estrada, a PE-27. Ela se tornou uma dor de cabeça para os moradores. Mas as ameaças para Aldeia são muito maiores que esse pequeno trecho, mais conhecido pelos seus visitantes.
Nos últimos anos, entraram na pauta da Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe assuntos como a construção do Arco Metropolitano e até a operação de um complexo de usinas termoelétricas. Não é apenas a tranquilidade de Aldeia que fica ameaçada com a chegada do “desenvolvimento”, mas também o abastecimento de água da região e a preservação de parte importante da Mata Atlântica.
De acordo com o Conselho de Defesa Ambiental de Aldeia (Codeama) há uma crescente instalação de condomínios irregulares no local, que infringem as legislações vigentes para a área de proteção ambiental. “Aldeia hoje é um caos urbano. Tem mais de 40 condomínios. Só do lado esquerdo existem 25 de Camaragibe a Paudalho. Alguns são verdadeiras favelas elitizadas da especulação. Estima-se em 20 mil a 25 mil pessoas morando em condomínios, afora loteamentos antigos e outras ocupações urbanas. Os córregos estão tomados de moradias e as encostas também. O Codeama tem combatido a violação das leis ambientais.”, afirma o presidente da organização, Heleno Ramalho.
Apesar de uma série de representações junto ao Ministério Público contra ocupações irregulares, Ramalho afirma que poucos são os resultados, pois as decisões do poder judicial não se posicionam em favor do meio ambiente. Para fortalecer a defesa ambiental, o Codeama defende a criação de uma promotoria única para cuidar de crimes ambientais em Aldeia. Como a região está inserida no território de oito cidades (Recife, Camaragibe, Paudalho, Igarassu, Paulista, São Lourenço da Mata, Araçoiaba e Abreu e Lima), esse papel está dissolvido entre as promotorias de cada município. “Estamos diante de um desastre”, critica Ramalho, salientando que muitos moradores não têm consciência ambiental. “Quando se compra um lote, a primeira coisa a fazer é derrubar a jaqueira ou a mangueira para construir piscina”, afirma Ramalho.
Com a crescente população, um problema urbano que afeta os moradores diariamente é o trânsito. A estrada não tem estrutura para o fluxo diário, o que tem levado alguns amantes da região de volta para o Recife. Esse é o caso de João Cunha, que há 40 anos presidiu uma associação de moradores em Aldeia, mas se mudou para Boa Viagem por causa dos deslocamentos. “Tenho 70 anos e preciso ir ao médico duas vezes por semana. Eu chegava a passar quatro horas no carro. E se precisar de um atendimento de urgência, não é possível. O trânsito nos horários de maior movimento é absurdo, no entanto abrir uma avenida seria outro problema, é preciso pensar em outras saídas de Aldeia”, afirma.
O casal Célio Muniz e Eloísa Elena Assunção tem uma casa há 10 anos em Aldeia, mas moram efetivamente há 4 anos. Atraídos pelo ar puro, silêncio e qualidade de vida que o local pode oferecer, eles relatam que têm convivido com alguns inconvenientes urbanos. “Quem mantém a vida profissional no Recife sofre bastante. Não há estrada de escoamento. O comércio desordenado nos acostamentos contribui para isso”. Eles acrescentam que nos finais de semana, com a locação de alguns sítios e residências, além de aumentar o fluxo de veículos, muitos desses locatários perturbam a tranquilidade local com muito barulho.
Há um antigo projeto para duplicação da PE-27, uma solução que desafogaria o trânsito, mas que é mal vista pelos moradores e ambientalistas, pelo impacto ambiental, pelo custo (promoveria várias desapropriações) e pelo aumento da velocidade na região.
Mas os residentes de Aldeia não ficam apenas na crítica. Eles também sugerem alternativas. O Fórum Socioambiental de Aldeia (FSA) tem em mãos uma proposta de humanização dessa via urbana, que passaria a ser uma estrada parque. “Propomos uma estrada que privilegie o pedestre, o ciclista e, em alguns trechos, que contemple também quem cavalga. Tudo com um cuidado paisagístico, com o menor custo possível. Estamos lutando por este projeto”, afirma Hebert Tejo, presidente do FSA. A estrada parque contempla 18 quilômetros da PE-27. Desse total, o FSA já elaborou o projeto executivo de quatro quilômetros para sua implantação.
Outra ação socioambiental em andamento pelas mãos do FSA é o fomento para a prática da coleta seletiva em Aldeia. O projeto tem como pilares o fortalecimento das cooperativas de catadores de Camaragibe e a conexão delas com os condomínios de Aldeia. “Esse trabalho está em evolução, mas ainda inicial. No primeiro momento nossa meta é atingir pelo menos 25 condomínios. Em 8 deles já está em operação a coleta seletiva”, explica Hebert Tejo. Após a chegada desse serviço nos condomínios, o objetivo do FSA é expandí-lo para toda a comunidade do bairro.
INFRAESTRUTURA. Outra preocupação é o Arco Metropolitano, uma das obras prometidas pelos governos do Estado e Federal para convencer a Fiat a se instalar em Goiana. Trata-se de uma via expressa que faria a conexão entre as Zonas da Mata Norte e Sul. Um dos grandes entraves para essa obra sair do papel é ambiental. O projeto inicial determinava que a via cortasse uma área de proteção ambiental em Aldeia.
O Codeama e o FSA acompanham o andamento das discussões desse empreendimento e fizeram propostas alternativas para a rodovia. Segundo Ramalho, no traçado inicial, a estrada atravessava vales e matas ciliares do Rio Pitanga, passava pelo parcelamento do Incra, saindo no Km 16 de Aldeia, entrando pelos vales de Paudalho até encontrar a BR-408. “Seria uma devastação”, avalia. Um segundo traçado sugerido cortaria a mata de Miritiba, que é uma área de refúgio silvestre e reserva ecológica.
O Codeama, depois de analisar os traçados, representou contra o Arco Viário no Ministério Público Federal. “Nossa sugestão ao Ministério e à Assembleia Legislativa foi a seguinte: a rodovia partiria da BR-101-Norte, passaria pela Usina São José, depois Araçoiaba e sairia na BR-408, entre Paudalho e Carpina. Nesse trecho, o impacto ambiental já está instalado e a estrada seria apenas duplicada, com poucos danos ao meio ambiente. E o custo é diminuto em relação aos trechos inicialmente pensados”, diz Ramalho.
O FSA, através do seu presidente, o engenheiro Hebert Tejo, protocolou junto a CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco) uma peça contestando a autorização do projeto para construção do Arco Viário Metropolitano. E apresentou uma sugestão para que mesmo que a obra seja desviada para o entorno de Araçoiaba, que ela se afaste ao máximo da área de preservação.
Segundo a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade, até agora, a CPRH licenciou o Lote 2, com 44 km, situado ao Sul do Recife, que não corta a região da APA Aldeia-Beberibe. Com relação ao Lote 1, o DNit (Departamento Nacional de Infraestrtutura e Transporte), responsável pela obra, atendeu recomendação da agência para que o traçado não cortasse a APA e sim, a circundasse.
Outro megaempreendimento construído na região, em Igarassu, foi um complexo com três termoelétricas movidas a óleo diesel. De acordo com o presidente do FSA, os moradores tomaram conhecimento das usinas ao ouvirem o barulho das máquinas já em operação. Pessoas residentes até 12 km de distância das termoelétricas escutavam o funcionamento dos motores. O transporte de combustível para o empreendimento acontecia também pela já disputada PE-27, por meio de 150 e 200 caminhões por dia. Ações da FSA conseguiram proibir o trânsito desses veículos pela estrada principal de Aldeia e também reduziram o horário de funcionamento (sendo vedada das 19h às 7h). Outra ação obrigou as empresas a instalarem de silenciadores para reduzir a poluição sonora. Com a melhoria do nível dos reservatórios das hidroelétricas do País, as usinas de Aldeia estão no momento sem operação.
CORREDOR ECOLÓGICO. De acordo com a Semas e o CPRH, uma das ações do Governo especificamente em Aldeia é o processo de contratação de serviços de mapeamento e elaboração de estratégia de implantação dos corredores ecológicos, projeto do Programa de Sustentabilidade Hídrica do Estado de Pernambuco financiado pelo Banco Mundial. Os corredores ecológicos são áreas que fazem a conexão entre Unidades de Conservação que foram separadas pela interferência humana. A restauração da ligação desses ecossistemas possibilita o fluxo de animais, a dispersão de sementes e o aumento da cobertura vegetal, facilitando a recolonização de áreas degradadas. Essa iniciativa, pioneira no Estado, e possui uma contribuição para a mudança do cenário de remanescentes de habitats naturais da Floresta Atlântica Pernambucana.