A pandemia acabou provocando, além de uma crise sanitária, uma crise de saúde mental. O isolamento social, a possibilidade de se contaminar e a ocorrência dos óbitos pela Covid-19 levaram muitas pessoas a um estado de estresse, ansiedade e medo. Um cenário muito propenso à disseminação das chamadas práticas integrativas complementares a ponto de o Conselho Nacional de Saúde recomendar a inclusão dessas práticas na assistência ao tratamento para combater a Covid-19. O Recife conta com um serviço gratuito na rede municipal que oferece esse tratamento incluindo métodos como acupuntura, ioga, plantas medicinais, medicina antroposófica, entre outros.
O coordenador da Política de Práticas Integrativas do Recife, Nícolas Augusto, conta a Cláudia Santos, o que são essas práticas, quais os seus resultados e os estudos científicos que comprovam sua eficácia. Ele é psicólogo de formação e gestalt-terapeuta, instrutor de Tai Chi Chuan, Lian Gong e meditação.
O que são as práticas integrativas complementares?
São maneiras de cuidado com a saúde de forma complementar que vão além da biomedicina. São terapias que complementam a saúde hegemônica, biomédica, e que podem atuar, por exemplo, em quadros de algias (dores), dificuldades motoras, questões psicoemocionais, entre outros. Elas têm caráter vitalista, o que significa que boa parte dessas nossas práticas atua não só no corpo, mas também no emocional e na energia das pessoas. São exemplos de práticas integrativas a acupuntura, a ioga, a meditação, as plantas medicinais, entre muitas outras. Segundo a definição do Ministério da Saúde, práticas integrativas são sistemas e recursos terapêuticos que envolvem
abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenção de agravos e recuperação da saúde por meio de tecnologias eficazes e seguras, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade. O foco da nossa atuação no Recife são as questões psicoemocionais, as algias e as dificuldades motoras.
Há estudos científicos comprovando a sua eficácia?
Na política nacional de práticas integrativas constam 29 práticas no arcabouço terapêutico. No Recife é um pouco mais. Cada uma delas tem seus métodos e seus estudos. Algumas práticas são mais estudadas que outras, porque contam com mais investimentos, atraem mais interesse científico. A acupuntura, por exemplo, é muito estudada, a meditação (mindfulness), também. Você pode achar um volume grande de estudos científicos em algumas plataformas, como a Biblioteca Internacional de Medicina Integrativa Complementar, da OMS (Organização Mundial da Saúde), que oferece milhares de trabalhos científicos do mundo inteiro. Uma plataforma brasileira é o Observatório de Práticas Integrativas, mantido pela Fiocruz.
Existe uma diversidade de estudos de todos os tipos, de evidências científicas sobre sua eficácia, do impacto social que proporcionam etc. Mas a questão é que existe uma grande dificuldade porque o método que faz a prática integrativa funcionar, muitas vezes, não contempla a lógica da biomedicina. Dizemos que não estamos negando o conhecimento, estamos acrescentando conhecimento. Mas há resistências a isso. A ciência, porém, é feita de resistência e inovação. Toda inovação gera resistência e a gente está nessa fase. Quanto mais o tempo passa,
mais estudos são realizados e mais comprovações da eficácia dessas práticas são obtidas.
Essa resistência é proveniente das pessoas em geral ou dos médicos?
As práticas integrativas têm grande aceitação na população, em especial entre as pessoas que foram tratadas com elas. Temos milhares de exemplos de como as práticas integrativas têm mudado vidas e trazido saúde física e mental para as pessoas. Existem algumas corporações específicas que realmente têm uma resistência. Queira ou não, a saúde é um mercado e, por isso, existe uma questão de concorrência. Mas não gostaria de dizer que a classe médica é contrária às práticas integrativas porque não é uma realidade. Boa parte dos médicos, aqui no Recife, encaminha seus pacientes para o nosso serviço, porque sabe que eles vão encontrar uma solução para muitos problemas que os próprios médicos não conseguem encontrar. Mas há um corporativismo médico, de algumas instituições específicas, que tem resistência e, consequentemente, lutam contra as práticas integrativas. Não importam quantos estudos científicos de peso e relevantes sejam apresentados – porque o argumento é o de que não há comprovação científica – elas dizem que nunca é o suficiente.
O Conselho Nacional de Saúde recomendou a inclusão e divulgação das práticas integrativas e complementares em saúde na assistência ao tratamento para combater a Covid-19. O que prevê essa recomendação?
Temos que ter um cuidado porque as práticas integrativas não se propõem a tratar a Covid-19. Agora, podemos atuar em tudo o que envolve o contexto da Covid-19. Por exemplo: a pandemia está trazendo não só uma crise sanitária mas, também, uma grande crise de saúde mental. Isso tem sido confirmado em pesquisas nacionais, artigos científicos, pela Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), pelo próprio Ministério da Saúde e pelas instituições de saúde relevantes como a Fiocruz. É uma situação que gera rejeição das pessoas a aderirem
ao isolamento social. Situações estressantes também são um fenômeno que inibe a imunidade. As práticas integrativas são um dos melhores métodos que conhecemos para lidar com o estresse e a ansiedade. Aqui no Recife temos exemplos de pessoas que ficaram sem tratamento na pandemia e encontraram nas práticas integrativas uma maneira de cuidar da sua saúde, de entender melhor o isolamento social e, consequentemente, não adoecer e poder controlar alguma comorbidade.
LEIA A ENTREVISTA COMPLETA NA EDIÇÃO 1755 DA REVISTA ALGOMAIS