*Por Maria do Rosário Andrade Leitão e Maria do Carmo F. Soares
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foi fundada em 8 de julho de 1948, na sede da Associação Paulista de Medicina, com aprovação do seu primeiro estatuto. A primeira Reunião Anual da SBPC, sob a presidência dos Professores Jorge Americano e Henrique da Rocha Lima, realizou-se em Campinas, SP, de 11 a 15 de outubro de 1948, no formato de Conferências e Simpósios, sendo um dos instrumentos de fortalecimento da sociedade pelo seu aspecto de contemplar trabalhos acadêmicos de todas as áreas do conhecimento. O objetivo da reunião foi o de tentar, pela primeira vez no Brasil e, talvez na América do Sul, a integração de todas as atividades científicas, em conjunto homogêneo, de maneira a facilitar troca de visitas, discussões e sugestões entre cientistas. A partir de então, a Reunião Anual, foi sendo construída de forma coletiva e se tornou o maior evento da SBPC, realizada de forma ininterrupta, desde 1949 a 2021, embora a 72a edição tenha sido realizada de forma virtual e remota, devido a Covid-19, mas prestando e trazendo muitos esclarecimentos científicos em todas as áreas do conhecimento científico.
A trajetória da SBPC, uma instituição sólida, conhecida e respeitada no âmbito científico, vai ser aqui abordada a partir da inserção das mulheres, enquanto Presidentes e Secretárias, e mais particularmente sua participação na Regional de Pernambuco rumo aos seus 70 anos de existência.
Para entender o processo de inserção e visibilidade das mulheres, na educação e na ciência, é necessário debruçar-se sobre a literatura fundamentada na epistemologia feminista, que vem sendo elaborada e publicada há algumas décadas, na qual as autoras vêm teorizando sobre o lugar das mulheres, nas ciências, nas profissões, nos espaços de poder e decisão, temas que tem sido objeto de pesquisa no Núcleo de Pesquisa-Ação Mulher e Ciência – NPAMC/UFRPE desde 2014, do qual as autoras são membros. Núcleo que se propôs a contribuir no resgate da história das mulheres, relacionar a educação superior às relações de gênero, aportar dados a um campo temático no qual a literatura ainda é insuficiente sobre as mulheres na academia, na ciência e nas sociedades científicas.
Neste contexto, vale pontuar dados sobre o espaço ocupado pelas mulheres no prêmio Nobel: Física – total 216, sendo 212 homens e 4 mulheres; Química – total 186, sendo 180 homens e 6 mulheres; Fisiologia total 222, sendo 210 homens e 12 mulheres; Literatura – total 117, sendo 101 homens e 16 mulheres; Paz – total 135, sendo 121 homens e 14 mulheres.
É importante também explicitar que há ações afirmativas desenvolvidas no Brasil, para visibilizar as mulheres na ciência, entre elas: 1) O Programa Mulher e Ciência, uma política pública criada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico -CNPq para “estimular a produção científica e a reflexão acerca das relações de gênero, mulheres e feminismos no País; promover a participação das mulheres no campo das ciências e carreiras acadêmicas e, 2) O Prêmio Carolina Bori Ciência e Mulher, criado em 2015 com os objetivos de fomentar a inclusão das mulheres na ciência e contribuir no aumento da participação das novas gerações de cientistas.
Essas ações afirmativas, foram historicamente reivindicadas em pautas de inclusão das mulheres em todo o tecido social, um exemplo é o movimento sufragista, explicitado pela historiadora, Mônica Karawejczyk em sua tese de doutorado “A Igreja Católica e o voto feminino no Rio Grande do Sul (1891-1935)”; foi em 25 de outubro de 1927, que o movimento sufragista no Brasil alcançou sua primeira vitória: o reconhecimento do alistamento eleitoral feminino no estado do Rio Grande do Norte e tal vitória contou com a participação ativa da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF). Portanto, o voto feminino no Brasil tardou, mas veio com luta e pressão, que deram resultado, uma vez que as restrições ao voto feminino foram retiradas, quando da publicação do código eleitoral em 24 de fevereiro de 1932 e, foram então instituídos o voto secreto e o voto feminino eleitoral. O movimento sufragista surgiu como uma resposta à exclusão das mulheres na política. Portanto, muitas desigualdades legais, econômicas, educacionais e cientificas precisaram ir sendo vencidas paulatinamente e de forma contínua numa construção coletiva.
Assim, ao longo da segunda metade do século XX foram configuradas outras pautas de lutas, nas quais a sociedade é questionada sobre papeis sociais dos homens e mulheres, é sobre este período que trata o texto escrito por Hildete Melo e Ligia Rodrigues (2006) e publicado inicialmente pela SBPC, o qual dá visibilidade a participação das mulheres na ciência, por meio da publicação “Pioneiras da Ciência no Brasil”. Posteriormente, foi divulgado no site do CNPq, cuja apresentação da obra chama a atenção sobre a legitimação das cientistas brasileiras, o reconhecimento de suas contribuições para o avanço da ciência, realizado por estas pioneiras que visibilizaram em suas contribuições à sociedade as conquistas das mulheres no que concerne ao acesso ao saber e ao poder
Nesse contexto, baseando-se no Projeto Memória da SBPC e nas Estatísticas da Base de Currículos da Plataforma Lattes, o texto “As Relações de Gênero na presidência e diretorias da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência”, de autoria das docentes/pesquisadoras Maria do Carmo F. Soares, Juliana S. Lima e Mª do Rosário de F. Andrade Leitão, publicado em 2016 nos anais do 19º Encontro da Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher e Relações de Gênero – REDOR, buscou apresentar subsídios para uma reflexão, a partir do conceito de relações sociais de gênero, na trajetória histórica dessa sociedade científica e no painel de doutores/as do país. Constatou-se a sub-representação das mulheres nos espaços de ciências, no caso, na SBPC, foi identificado nos dados que explicitaram num total de 34 gestões da SBPC, 6 (seis) foram presididas por um quantitativo de 3 (três) mulheres que ocuparam o cargo de presidente da SBPC. E dentre elas, uma reconduziu o mandato por mais uma gestão e, a última mulher presidente, por 3 (três) gestões consecutivas.
A presidência da SBPC foi assumida, pela primeira vez, por uma mulher (Carolina Bori), no biênio 1987-1989, quase 40 anos após a sua fundação. O caminho ficou aberto e posteriormente, por dois mandatos seguidos (1999-2001 e 2001-2003), Glaci Zancan ocupou o cargo máximo da SBPC. Em seguida, a presidente Helena Nader, exerceu junto a sociedade, três mandatos (2011-2013, 2013-2015, 2015-2017) e com ela, a participação feminina, no Conselho e na Diretoria da SBPC foi ampliada.
Interessante também situar quem foram as mulheres que exerceram o cargo de Secretárias na SBPC Regional-PE e visibilizar a contribuição feminina na ciência, a partir de três Secretárias: 1) Naíde Regueira Teodósio (1973 -1977); 2) Rejane Jurema Mansur Custódio Nogueira (2011-2015) e, 3) Maria do Carmo Figueredo Soares (2019-atual). São três gestões exercidas por três pesquisadoras que estiveram à frente da Secretaria Regional SBPC-PE num universo de 20 gestões, o que reproduz de certa forma o contexto observado em nível nacional desta sociedade.
Naíde Regueira Teodósio, esteve à frente da 5ª gestão da Regional da SBPC-PE, no período de 1973 a 1977, somente 22 anos após a fundação da representação no estado. Médica pela Faculdade de Medicina do Recife desde 1946, ela ingressou na carreira docente em 1962, como professora da Faculdade de Medicina e fez parte da equipe de pesquisadores liderado pelo cientista Nelson Ferreira de Castro Chaves (1906 – 1982) e pelo químico e microbiologista Oswaldo Gonçalves de Lima (1908 – 1989). Também estabeleceu intercâmbio com pesquisadores e pesquisadoras nacionais e internacionais, o que possibilitou a publicação de artigos científicos em revistas especializadas estrangeiras e nacionais.
Ela foi aprovada em concurso de “Livre-Docência” em 1960 e agraciada com a primeira Medalha do Mérito Sanitário Josué de Castro, concedida pela Assembleia Legislativa de Pernambuco e pelo Conselho Regional de Medicina que lhe outorgou a “Medalha de São Lucas”. Também foi homenageada pela Secretaria Estadual da Mulher do Governo de Pernambuco quando criou, em 2 de julho de 2007, o Prêmio Naíde Teodósio de Estudos de Gênero – Concurso de Redações e Artigos Científicos. Faleceu em 2005 aos 89 anos e deixou sua contribuição para a ciência pernambucana.
Rejane Jurema Mansur Custódio Nogueira esteve à frente da 18ª gestão da Regional da SBPC-PE, no período de 2011-2015. Foram treze gestões entre a primeira e a segunda mulher a ocupar o cargo de Secretária desta Regional. Atuou também como secretária Adjunta (2015-2019). É Bacharel em Ciências Biológicas e Mestre em Botânica pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, Doutora em Ecologia e Recursos Naturais, pela Universidade Federal de São Carlos. Dedicou-se a várias atividades administrativas na UFRPE: nas Pró-Reitorias de Extensão e de Pesquisa e Pós-Graduação; coordenou a pasta de Assuntos Internacionais e Programas Especiais e, o Programa Especial de Treinamento – PET/CAPES/UFRPE.
Exerceu importante contribuição nos debates e formação sobre meio ambiente ao coordenar o Curso de Aperfeiçoamento, Processo Formador em Educação Ambiental a Distância tendo elaborado vários capítulos das publicações de formação. Atualmente encontra-se como professora Titular, aposentada e atua em Programas de Pós-Graduação.
Maria do Carmo Figueredo Soares está à frente da 20ª gestão da Regional da SBPC-PE, no biênio de 2019 – 2021. Possui graduação em Engenharia de Pesca pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, Mestre em Produção Aquática pela Universidade Federal da Bahia e Doutora em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atuou nas Universidades Federal do Amazonas (1990-2000) e Universidade Federal Rural de Pernambuco (2001-2018). É consultora Ad hoc da FACEPE, da FABESP, da FUNDECT, da FAPEAM, da EMBRAPA e revisora dos periódicos renomados de sua área de trabalho: Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca, com ênfase em Piscicultura Continental.
Destacou-se especialmente nas realizações de avaliações dos Programas PET junto a CAPES e ao MEC/SEsu e de Cursos Superiores junto ao INEP. Implantou o PET do curso de Engenharia de Pesca da Universidade Federal do Amazonas, onde atuou, enquanto tutora no período de 1992 a 1996 e, posteriormente na UFRPE, na tutoria do curso de Engenharia de Pesca de 2001 a 2011. Participou de várias atividades administrativas ocupando as funções de: chefe do Departamento de Produção Animal e Vegetal (DPAV) da Faculdade de Ciências Agrarias da UFAM no biênio 1992-1993; Coordenadora de Planejamento de Ensino na Pró-Reitoria de Graduação da UFRPE (2001-2004) e Coordenadora do Laboratório de Aquicultura Prof. Johei Koike da UFRPE de 2002-2018. Na SBPC foi Conselheira da Área B no período de 2015-2019. Foi ainda, Membro do Conselho de Representante da ADUFERPE pelo Departamento de Pesca e Aquicultura em dois biênios (2015/2017 e 2018/2020). Atualmente é professora Associada I, aposentada em 2019. Encontra-se atualmente incluída em projetos de extensão vinculados a UFRPE e FACEPE e na organização e participação de eventos na UFPE e da SBPC-PE.
Conforme exposto no texto, muitas foram as contribuições destas seis mulheres à ciência e à sociedade, enquanto três presidentes da SBPC e três secretárias da Regional – PE. A atuação destas mulheres foi possibilitada, em primeira instância, pelo acesso à educação, cursaram graduação e pós-graduação, exerceram à docência e se agregaram a grupos de pesquisa. E partiram na luta para a ocupação dos espaços. Por isso, concluímos com a frase “A educação é o poder das mulheres”, de autoria de Malala Yousafzai em entrevista ao programa The Daily Show. E neste Dia Internacional da Mulher, sabemos que a estrada ainda é muito longa e árdua, mas que a união das mulheres vem fazendo a diferença para a conquista deste débito histórico e na busca por mais humanização.
*Maria do Rosário Andrade Leitão e Maria do Carmo F. Soares são respectivamente Secretária adjunta e Secretária Regional da SBPC-PE