“Máscara é uma peça do nosso indumentário sem prazo de validade para acabar” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“Máscara é uma peça do nosso indumentário sem prazo de validade para acabar”

Revista algomais

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Ana Brito, epidemiologista e pesquisadora da Fiocruz/PE, analisa o atual estágio da pandemia e as possibilidades do surgimento de novas variantes do coronavírus. Também critica o Conselho Federal de Medicina que segundo ela “assumiu um papel de negação da ciência”

Com a crescente redução dos casos de Covid-19 no Brasil, a evolução da atual pandemia para uma situação de endemia tem sido tema de debates e destaques no noticiário. Até o presidente Jair Bolsonaro chegou a anunciar que pediria ao Ministério da Saúde para decretar que o País estaria agora num processo endêmico da infecção pelo novo coronavírus. Entretanto, para Ana Brito, pesquisadora médica do Instituto Aggeu Magalhães-IAM, Fiocruz, está havendo uma grande confusão sobre esses termos. Ana, que é epidemiologista e professora aposentada da Faculdade de Ciências Médicas da UPE, ressalta que apenas a Organização Mundial da Saúde pode decretar o fim da pandemia. Alerta também que um cenário de endemia não deva ser o desejável e sim o fim da transmissão do SARS-CoV-2. Nesta entrevista a Cláudia Santos, ela analisa a situação atual da crise sanitária no Brasil e no mundo, comenta as sequelas da Covid longa e critica o que ela chama de “postura negacionista” do Conselho Federal de Medicina.

A pandemia da Covid-19 no Brasil caminha para uma situação de endemia?

Há uma grande incompreensão na determinação dos termos. Esses dados de pandemia, epidemia, surto são todos baseados em estatísticas. A classificação de uma doença como endêmica ocorre quando ela acontece com muita frequência num local. A dengue, por exemplo, é uma doença endêmica em Pernambuco. Desde os anos 1940 que nós não tínhamos caso de dengue no Brasil, o Aedes aegypt tinha sido praticamente eliminado das zonas urbanas do País. Mas em 1984, com a urbanização acelerada, com condições subumanas de habitações das populações, com a contaminação de rios e riachos e assoreamentos etc., ocorre a reintrodução do vetor, o Aedes aegypti.

Desde então seus casos são monitorados e durante os anos foi construída uma média do número de casos esperados. Quando as doenças endêmicas, como a dengue, extrapolam o limite máximo esperado, ocorre um surto, se os casos estão circunscritos a uma área geográfica (como um município ou bairro), ou uma epidemia quando ela se dissemina em várias regiões.

A pandemia é uma situação de ameaça à saúde da população que extrapola as fronteiras de países e de continentes. Se o problema já existia, é quando esse problema ultrapassa os limites esperados de tolerância. A denominação de pandemia é feita apenas pela Organização Mundial da Saúde, que reúne informações de mais de 190 países membros da Organização das Nações Unidas. Só a OMS pode classificar se a situação é de pandemia ou não. Ninguém mais.

Não é correto que o ministro da Saúde diga que o Brasil está caminhando para uma endemia, ele não tem elementos, nem capacidade, nem foram deliberados poderes mundiais para que ele dissesse isso. Se a pandemia da Covid-19 vai evoluir para uma endemia, essa chave aí ainda não disseram para a gente. O desejável não é caminharmos para uma endemia, que não significa uma situação mais simples, significa a permanência do problema, só que a Covid-19 não estaria em níveis que extrapolam todos os continentes.

O que a gente espera, como epidemiologista, é que haja uma homogeneidade na distribuição de vacina em todo o mundo, para que possamos caminhar para interromper a transmissão do vírus SARS-CoV-2, como aconteceu com a varíola, nos anos 1970. Se vamos para uma endemia, teremos que conviver com essa doença por várias gerações e fazer vacinas de reforço. Uma endemia custa muito caro a um país, porque a vacina é cara e temos mais de 20 vacinas no nosso calendário normal, que é bancado pelo SUS.

Mas enquanto existir a circulação livre do vírus, vai existir a possibilidade de produção de novas variantes com escape tanto para a doença natural como para a vacina. Essa é a última onda? Não sei, ninguém sabe. Até agora a gente não sabe porque existe circulação livre do vírus na África, onde menos de 20% da população está vacinada no continente inteiro e, em outros países, mais de 30% da população não adere à vacina, o que é um crime contra a humanidade. Acho que lidar com essa questão é urgente. Não é possível que os países convivam com o negacionismo sem que essas pessoas sofram qualquer punição, seja punindo sua circulação livre ou pagando cotas altas. Mas nem dinheiro paga o adoecimento pela Covid.

Como você analisa o atual momento da Covid-19 no Brasil?

O que eu posso dizer hoje é que estamos entrando num processo de diminuição da taxa de transmissão do SARS-CoV-2, causador da Covid-19 e que este momento pode não ser de uma emergência sanitária para o Brasil. A denominação de emergência sanitária implica em questões sobre autorizações emergenciais de compras públicas etc. Existe um arcabouço jurídico que está por trás das definições dessas situações.

Em relação à pandemia, posso dizer que ela persiste, porque a Covid-19 está em expansão, inclusive em países gigantescos como é o caso da China que tem um programa de tolerância zero à Covid-19. Eles têm uma forma de abordagem de enfrentamento baseado no diagnóstico, no isolamento, na quarentena e testes massivos para a população. Mas nas duas últimas semanas houve um crescimento em cidades com 17 milhões de habitantes que neste momento estão em lockdown.

Taiwan, que é uma área muito próxima da China, que tem coberturas vacinais altas, também assiste a uma nova onda de Covid pela Ômicron. Portanto temos ainda o processo pandêmico porque a doença está em expansão no mundo. Mas alguns países, como o Brasil, já começam a vivenciar este momento que a gente chama de lua de mel da Covid, que significa um arrefecimento de casos e óbitos, com a população bem vacinada.

Mas, é preciso correr para vacinar as crianças e particularmente as de 3 a 5 anos, que provavelmente vão começar a ser vacinadas, depende das liberações da Anvisa. Também é preciso completar as doses das crianças de 5 a 11 anos, aplicar as doses de reforço, porque 40% da população elegível ainda não as tomou. É necessário também proteger os vulneráveis (idosos e imunossuprimidos), mesmo que já tenham feito a dose de reforço, porque são populações que têm uma queda muito rápida nos anticorpos protetores.

Nós vivemos, neste momento, uma queda já esperada porque a curva da Ômicron alcança o pico de forma muito rápida e também rapidamente cai. Foi assim que aconteceu nos países da Comunidade Europeia.

O que a senhora acha das resoluções de suspensão do uso de máscaras em ambientes abertos e fechados?

Ficar sem máscaras em ambientes abertos, sem ocorrência de aglomeração, ou seja, quando você está na rua andando só ou acompanhado de uma pessoa, quando você está saindo de casa para fazer uma compra, para caminhar, para andar na praia, está perfeitamente compatível com o momento atual da pandemia no Brasil. A questão que tem que ser vista com cuidado e até expressa com certa precipitação é a liberação da máscara em ambientes fechados ou com aglomeração, mesmo sendo abertos. Isso não tem a menor sustentação nem a menor justificativa.

Em qualquer ambiente fechado – elevador, hall do prédio, escola, padaria, supermercado – temos que continuar usando máscara. Máscara é uma peça do nosso indumentário sem prazo de validade para acabar. Todos temos que usar, de preferência máscara de qualidade: a cirúrgica oferece uma proteção bastante razoável, porque a maioria das pessoas no Brasil está vacinada. A máscara N95 ou PFF2 deve ser usada dentro dos ambientes de saúde, de cinema, ou qualquer outro em que você vai ficar confinado por mais tempo com possibilidade de disseminação do vírus.

Precisamos ainda investir na melhoria da proteção dos ambientes, sejam escolas, escritórios ou indústrias. Os ambientes devem ser ventilados para não favorecer a transmissão do SARS-CoV-2. Ambientes fechados têm que ter renovação do ar para que este ar não se sature e que não mantenha a presença de vírus.

Leia a entrevista completa na edição 192.4 da Revista Algomais: assine.algomais.com

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