No restaurante Sabores Ibéricos, do português Jaime Alves, fui apresentado à jornalista Luciana Araújo, da revista de variedades Jurema, ela própria juremeira, que me fez lembrar dos meus tempos de pesquisador no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa), onde encontrei notícia dessa seita popular que cultua elementos das matas, reino dos caboclos (espíritos de ancestrais indígenas brasileiros) do Século 18.
Segundo se depreende do processo nº 6238, do Cartório da Inquisição, o capitão-mor dos índios da povoação de São Miguel dos Barreiros (Pernambuco), Francisco Pessoa, é acusado da prática de feitiçaria pela utilização da jurema nos rituais de pajelança.
Em carta, datada de 15 de janeiro de 1782, o vigário de Sirinhaém, padre Antônio Teixeira Lima, narra à Mesa do Santo Ofício, que o dito capitão-mor é dado à prática de feitiçaria, com utilização da raiz de jurema nos seus rituais de pajelança:
“No lugar chamado Camaleão costumavam se reunir o capitão- -mor dos índios, e outros índios, filhos e parentes, soldados da povoação de São Miguel dos Barreiros” para prática de feitiçaria. Todas as noites “cozinhavam uma imagem de Cristo em água de raiz de jurema” e, depois que bebiam daquela infusão, punham a imagem no chão e começavam a saltar e dançar ao seu redor. Terminada a cerimônia tal imagem era enrolada em “folhas de pacavira” (bananeira) e permanecia no fumeiro da casa do dito capitão-mor.
No mesmo processo são denunciados os filhos do capitão-mor, Pascoal, Manuel e Domingos Pessoa, os alferes Antônio Bezerra e Manuel João, todos índios, moradores nas matas do Sítio Camaleão, distante dez léguas da povoação dos Barreiros. Acrescenta a testemunha Pedro Roca Barreto que “as pessoas bebem muita jurema e que depois de beberem caem como mortos e os que não têm bebido são os que fazem as danças e cantigas”.
O fato foi denunciado ao governador de Pernambuco, José César de Menezes, por carta datada de 28 de novembro de 1782, na qual se pedia a prisão dos implicados; o que nunca veio a ser consumado.
Hoje, longe das perseguições do passado, esse culto encontra- -se presente em grande parte da população; a feitiçaria da jurema combina elementos da magia branca europeia com elementos negros, ameríndios e cristãos; liderado por um mestre que defuma os assistentes com seu cachimbo, é a quem se recorre para resolver problemas diversos.
No Carnaval, particularmente em nossos caboclinhos, a presença do culto indígena é mais frequente. O misticismo, combinado com o medo do desconhecido, está presente no inconsciente coletivo dos que fazem a grande festa e têm na pajelança a religião dos seus antepassados. Uma boa parte dos que integram as agremiações carnavalescas são seguidores do candomblé e da umbanda, havendo outros que cultuam a linha da jurema; o catimbó como é popularmente conhecida, em que os “senhores mestres” e os caboclos são invocados com a utilização de “pequenos apitos, do maracá, da jurema e do cachimbo”.