Arruando pelo Recife

Arruando pelo Recife

Leonardo Dantas Silva

Santos mártires imolados pelos holandeses no Rio Grande do Norte em 1945

*Por Leonardo Dantas Silva

Quando das Guerras com a Holanda (1630-1654), se transportou para o Nordeste do Brasil, os propósitos da Guerra Religiosa, que grassava em Flandres e nos Países Baixos, entre católicos, calvinistas e luteranos desde a segunda metade do Século 16.

Em 16 de julho de 1645, na localidade de Cunhaú, no hoje município de Canguaretama, no Rio Grande do Norte, uma tropa holandesa de 200 homens, comandados pelo alemão Jacob Rabi, juntamente com um grande número de índios tapuias e potiguares, dizimaram 69 habitantes locais que assistiam à missa dominical na igrejinha de Nossa Senhora das Candeias.

Matança semelhante veio se repetir, dias depois, no povoado próximo, Uruaçu. Ali também foram dizimados Mateus Moreira e dezenas de outros homens; repetindo os índios os mesmos atos de antropofagia de Cunhaú devorando, ainda vivos, os corpos de suas vítimas, retirando deles os olhos, a língua, o pênis e outras partes.

Por causa de tais atrocidades, os portugueses passaram a fio de espada cerca de 200 outros índios que lutaram ao lado dos holandeses, quando da Batalha de Casa Forte (Recife), em 17 de agosto de 1645.

Esses fatos motivaram um longo processo de canonização por parte da Igreja Católica, concluído recentemente pelo Papa Francisco, em solenidade acontecida no domingo 15 de outubro do ano de 2017, quando declarou santos os 30 Mártires de Cunhaú e Uruaçu, massacrados no Rio Grande do Norte em 16 de julho de 1645. A cerimônia de canonização foi presidida pelo Papa Francisco e contou com 450 concelebrantes, assistida por aproximadamente 50 mil pessoas, que lotavam a Praça de São Pedro em Roma.

Na ocasião, o Papa Francisco declarou santos os mártires potiguares, após o pedido oficial durante a cerimônia celebrada pelo cardeal Angelo Amato, prefeito da congregação da Causa dos Santos.

“Que estes que agora são santos indiquem a todos nós o verdadeiro caminho do amor e da intercessão junto ao Senhor para um mundo mais justo”, declarou o Papa Francisco, em sua homilia.

Por causa desses episódios, a história nos relata o sentimento de abandono que veio a tomar conta dos habitantes de Pernambuco que, em outubro de 1645, resolveram redigir um longo manifesto narrando o clima de terror que estavam vivendo sob o domínio holandês.

Manifesto dos cidadãos de Pernambuco publicado para sua defesa sobre a tomada de armas contra a Companhia das Índias Ocidentais, dirigido a todos os príncipes cristãos e particularmente aos Senhores Estados dos Países Baixos Unidos.

Numa das versões do documento, escrito em espanhol, como se depreende da cópia original, pertencente ao Instituto Ricardo Brennand do Recife, são descritas algumas das atrocidades perpetradas pelos holandeses e índios antropófagos, seus aliados, que a eles eram entregues, para alimentação, os corpos das vítimas dos seus soldados.

“Sendo bem servidos pelos selvagens tapuias a quem animavam [os holandeses] como a tigres e lobos sangrentos, que diante dos seus olhos comiam os corpos mortos daqueles que haviam matado, feito tão abominável que nem os antigos tiranos cometeram tal crueldade. Nas praças onde paravam para repousar e comer os que os recebiam amigavelmente em suas casas eram mortos e como recompensa da sua cortesia e pagamento pela comida que aqueles cristãos haviam dado a cristãos, davam-se seus corpos como comida para os selvagens.”

No ano seguinte (1646), o embaixador Francisco de Souza Coutinho, de posse de cópia desse manifesto, bem como dos relatórios de funcionários da Companhia, descontentes com o clima de terror insuflado pelo Governo do Recife, fez publicar uma série de panfletos, traduzidos para o holandês, denunciando a triste situação em que viviam os habitantes de Pernambuco.

“Não há infâmia tão grande nem descortesia que não tenham usado contra as mulheres; depois de terem abusado delas desonestamente, e as filhas aos olhos dos pais e as mulheres casadas na presença de seus maridos as davam como regalo aos selvagens, que depois de satisfazerem seus intentos bestiais, as matavam e comiam. É verdade que não era a maior crueldade matá-las, porque depois da infâmia de desonrá-las e violá-las, elas mesmas prefeririam a própria morte por acharem- -se privadas de sua honra. Os ouvidos humanos têm horror de escutar tais coisas, mas os da Companhia tiveram olhos para vê-las e permitir tais crueldades, não apenas a um, mas a muitas de nossas pequenas crianças arrancaram os selvagens dos seios de suas mães. Assados e guisados como prato muito delicado. Comum entre eles um provérbio que dizia que os holandeses vieram ao Brasil para castigar os pecados dos portugueses, no que também concordamos e confessamos diante de Deus que bem merecemos tal castigo por nossos pecados, mas que tenham conosco segundo sua grande misericórdia e como um pai benigno que após haver castigado seus filhos lança o açoite ao fogo. Nossa perdição não foi apenas termos caído nas mãos de senhores cruéis e que tinham ódio mortal contra a nação [portuguesa], mas também extremamente apegados ao dinheiro; e passada toda a fúria sangrenta dedicaram-se com afinco a tomar-nos nossos bens justa ou injustamente.”

Esses panfletos eram impressos em oficinas apócrifas e distribuídos nas ruas, de modo a levantar a opinião pública contra os dirigentes da Companhia das Índias Ocidentais, com sede em Amsterdã. Esta, por sua vez, incomodada com tamanho noticiário, veio à forra [levar a efeito uma vingança; desforrar-se, vingar-se], denunciando, pela imprensa, a deslealdade de Portugal e a duplicidade de D. João IV ao apoiar, de forma escusa, o movimento separatista de Pernambuco.

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