O economista Sérgio Buarque considera que a definição da taxa Selic atual de 13,75% é uma decisão essencialmente técnica. Diante do cenário global e da compreensão das raízes da inflação vivida pelo País, ele considera que há margem para se discutir uma nova meta. No entanto, as pressões públicas vistas nas últimas semanas podem ter um efeito contrário ao desejado pelo Governo Federal, na avaliação do economista.
Confira abaixo a análise de Sérgio Buarque sobre o tema que tem dominado o debate econômico.
- Temos uma taxa de juros atualmente desproporcional à nossa realidade ou não? O que justifica termos uma taxa atual de 13,75%?
A definição da taxa de juros de referência (Selic) é essencialmente técnica. O COPOM-Comitê de Política Monetária, composto do Presidente e da Diretoria Colegiada do Banco Central, estipula qual a taxa que pode empurrar a inflação para dentro da meta, analisando o comportamento de um conjunto de variáveis econômicas, fiscais e até políticas. As divergências em torno da calibragem da taxa de juros são naturais, mas os argumentos utilizados pelo Banco (expostos na Ata da reunião do COPOM) mostram que ainda existem vários fatores de incerteza sobre as pressões inflacionárias, incluindo a indefinição em torno do arcabouço fiscal. Por outro lado, mesmo esta taxa de 13,75% não está conseguindo trazer a inflação para dentro da meta de 3,25% ao ano, na medida mesmo em que o movimento dos preços depende de fatores sobre os quais o Banco Central não tem controle, entre os quais componentes expansionistas das políticas governamentais. A Ata do COMPOM reconhece que o pacote fiscal anunciado em janeiro pelo Ministério da Fazenda poderá atenuar os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação, mas destaca dois fatores de risco: a) persistência das pressões inflacionárias globais; b) elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais que implicam sustentação da demanda agregada. Além disso, o sucesso do pacote fiscal pode não ser suficiente para neutralizar várias medidas expansionistas do governo.
- A taxa de juros é usada como remédio principal para conter a inflação, mas deixa como efeito colateral uma redução da atividade econômica. Existem outros remédios possíveis para conter a inflação sem prejudicar o almejado aquecimento da economia após anos de crise?
A taxa de juros (Selic) não enfrenta as causas da inflação, nem tem poder para tanto. Ela atua sobre os sintomas de desequilíbrio macroeconômico que levam ao aumento geral dos preços dos bens e serviços, de modo a evitar a desorganização do sistema econômico. Como está explicitada na Ata do COPOM, a “política monetária (é) a variável de ajuste macroeconômico utilizada para mitigar os efeitos porventura inflacionários da política fiscal”. Desta forma, a calibragem da SELIC é uma resposta técnica à identificação de fatores no ambiente externo e interno que alimentam a inflação no Brasil. Quanto maiores as pressões inflacionárias mais elevadas tendem a ser as taxas de juros, um remédio amargo, mas necessário, e que deve ser transitório enquanto não forem devidamente equacionadas as causas do fenômeno. Embora seja razoável pensar que o COPOM poderia ter feito um pequeno movimento de redução da SELIC na última reunião, a taxa de juros deveria continuar alta porque o Brasil ainda convive com elementos de risco de aceleração da inflação.
- Qual a sua opinião sobre a possível mudança na meta anual da inflação, como foi tratado pelo Governo Federal?
Como a taxa de juros (Selic) é definida tecnicamente, compete ao COPOM ajustar o seu valor para trazer a inflação para dentro da meta. A meta de inflação, que orienta a decisão sobre a taxa de juros, ao contrário, é escolha política. Por isso, o Conselho Monetário Nacional, responsável pela definição da meta, é formado por dois membros do governo (Ministro da Fazenda e Ministra do Planejamento) e pelo presidente do Banco Central. Mas, embora seja política, a meta de inflação não pode ser a expressão pura e simples da vontade do governo, porque constitui uma sinalização aos agentes econômicos do que se espera e se tolera como movimento futuro dos preços. Não é porque temos um novo governo que podemos aumentar a meta, como um ato voluntarista. Considerando eventuais mudanças nas condições econômicas e financeiras que escapam do controle do governo, como o impacto da guerra da Ucrânia, é razoável rediscutir e mesmo altera a meta de inflação definida há dois anos. Parece, contudo, total inoportuno fazer isto agora, antes da definição do arcabouço fiscal que, como prometido, deve substituir o teto de gastos. Até porque, uma mudança agora estaria indicando aos agentes econômicos que o CMN teria cedido às bravatas do presidente, o que provocaria elevação das expectativas de inflação futura.
- Quais os possíveis efeitos econômicos dessa quebra de braço entre o governo federal e o Banco Central sobre a definição da taxa de juros?
Não acho que se pode falar numa quebra de braço entre o governo federal e o Banco Central. O que estamos assistindo são pressões do presidente Lula da Silva para redução das taxas de juros, que ele classificou como “vergonhosas”, e para a mudança da lei que concede autonomia do Banco Central. Mas, estas pressões, felizmente, não estão sendo assumidas pelos ministros da área econômica, Fernando Haddad e Simone Tebet, que têm adotado uma postura serena e de negociação, entendendo que a redução da taxa de juros depende da harmonização da política monetária com a política fiscal. Uma demonstração disto, foi a decisão do CMN de manter, por enquanto, a meta de inflação e o anúncio de Haddad de antecipação para abril da apresentação da proposta de arcabouço fiscal. Para ir direto à pergunta, parece evidente que a arenga de Lula contra o Banco Central tende a provocar o efeito inverso, aumentando as incertezas em relação à política fiscal e creditícia do governo, que eleva as expectativas de inflação. Felizmente, por enquanto, Haddad está sendo o ponto de equilíbrio do governo Lula quando se trata de política econômica.