*Por Rafael Dantas
O Nordeste segue a passos largos na liderança da produção e atração de novos investimentos em energias renováveis. Com o maior potencial do País para instalação de sistemas eólicos e solares, a região vive a expectativa de uma nova onda de projetos para a geração de hidrogênio verde. Pernambuco está em todas essas cadeias, mas um pouco atrás de outros estados vizinhos, como a Bahia, o Rio Grande do Norte e o Ceará.
Entre essas três modalidades de investimentos no setor, o eólico é o que está mais amadurecido na região e no Estado. “Atualmente, Pernambuco possui 41 parques eólicos operacionais, totalizando uma capacidade instalada de 1086,4 MW, representando um investimento acumulado de mais de R$ 7,6 bilhões na região”, afirma Elbia Gannoum, presidente executiva da ABEEólica.
Além do que já está instalado, Pernambuco tem a perspectiva de construção de 12 novos parques até o ano de 2028, com uma capacidade prevista de 520,9 MW. Isso significa um investimento estimado superior a R$ 3,6 bilhões nos próximos cinco anos. Mesmo com os recursos bilionários, Pernambuco produz hoje apenas 5% da energia eólica do Nordeste.
“O futuro será muito promissor para Pernambuco quando olhamos para o mercado de energia eólica. O que o setor precisa para crescer, não só em Pernambuco, mas também para todo o Nordeste e o País, é a criação de um marco regulatório para a energia eólica offshore, o hidrogênio verde e o mercado de carbono. Com isso, a economia vai incrementar novas tecnologias e novas modalidades de fontes renováveis. É o que estamos chamando de reindustrialização verde que será capaz de fazer todo o Brasil crescer com esse foco em transição energética”, afirmou Elbia.
A geração solar hoje é responsável por 9,97%, em média, da demanda por eletricidade no País. Nesse setor existem duas modalidades principais. A geração centralizada, ancorada em grandes usinas para alimentar o sistema elétrico, e a geração distribuída, em geral projetos menores, instalados próximo ou no próprio local de consumo.
Na geração centralizada, Pernambuco possui uma capacidade instalada, já em operação, de 514 MW. Em construção existem outros 643,4 MW, segundo dados da Absolar. Há ainda um conjunto grande de projetos com construção não iniciada, que serão responsáveis pela geração de 4.269,4 MW. Nesse tipo de geração, o Estado ocupa a 7ª posição nacional, estando atrás de estados como Ceará, Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte. A liderança, com folga, é de Minas Gerais.
Já na geração distribuída, Pernambuco é o 12º colocado no País, sendo responsável por 3% da produção do segmento. O Estado fica atrás da Bahia e do Ceará, mas nessa categoria a liderança ainda é do Sul e Sudeste, sendo capitaneada por São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
MAIS DIVERSIDADE E INVESTIMENTOS
“Nossa matriz tem diversidade. Antigamente dependíamos muito do regime de chuvas no País (para atender as hidrelétricas), mas hoje temos uma dependência menor em função da entrada das energias provenientes da eólica, e agora, a bola da vez, a fotovoltaica. A matriz brasileira já é formada por 85% de energia limpa. Um percentual elevadíssimo”, destacou o diretor-presidente da Eletrobras Chesf, João Henrique Franklin Neto, durante a 1ª Conferência dos Guararapes, organizada pelo Iperid (Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia).
O executivo destacou também o montante de investimentos que está a caminho para a região, que é um dos polos de maior potencial de energias renováveis. “Nos últimos tempos, no Nordeste, tivemos investimentos de R$ 30 bilhões nesse tipo de geração de renováveis. Se a gente olhar para os próximos anos, temos na prateleira da região R$ 150 bilhões de investimentos, por causa dessa vantagem que temos da presença de ventos e sol. Hidrelétrica não está nessa conta”, destacou João Henrique.
O SALTO DA ENERGIA SOLAR
O doutor em engenharia elétrica professor da UFPE, José Filho Castro, destaca que além do crescimento exponencial nos últimos anos, as energias renováveis têm um futuro ainda de avanço contínuo. No próximo ciclo de investimentos, no entanto, ele aposta que a energia solar será o principal foco do Nordeste, em especial no Estado. “A gente teve uma onda muito forte de energia eólica e agora o que a gente está vendo é que a solar está chegando com força. Já nos próximos anos vai ser uma fonte muito importante. A região assumiu um protagonismo nesse crescimento das fontes renováveis. O sol é o vilão que sempre castigou a Caatinga e está se tornando herói”.
Ele avalia que, no Sertão, a geração solar está se tornando um caminho para o desenvolvimento, que hoje já tem produção, inclusive, para exportar para as outras regiões do País. Um dos investimentos em andamento, prestes a ser inaugurado no Sertão do Pajeú está localizado no município de Flores, a partir de uma parceria entre a empresa pernambucana Kroma Energia com a paulista Eletron Energy. “Somos pernambucanos e a primeira comercializadora do Nordeste. Já temos alguns projetos de geração em operação e a gente está agora entregando um projeto na cidade de Flores de 101 MWp (megawatt pico)”, afirmou o presidente da Kroma Energia, Rodrigo Mello. Só esse empreendimento tem capacidade de atender todas as residências do Sertão do Pajeú, segundo o empresário.
O investimento no projeto foi de R$ 380 milhões e atualmente está mobilizando 500 profissionais na cidade do Sertão pernambucano. A previsão de entrega é em dezembro. O executivo lembra que em torno de 80% dos profissionais atuando nas obras são de moradores locais, deixando uma marca forte de qualificação e treinamento.
Além desse, a mesma empresa está desenvolvendo um parque de menor porte na cidade de Bezerros. O investimento é de R$ 12 milhões e tem capacidade de geração de 3 MWp. O empresário afirma que a empresa tem em projetos, prontos para serem desenvolvidos, mais 6 GW de potência. Ele afirma que os preços de equipamentos solares estão caindo também e que a velocidade de construção desses parques é mais rápida que a dos eólicos.
HIDROGÊNIO VERDE
Segundo o relatório intitulado Hidrogênio Verde e as Perspectivas Futuras das Matrizes Energéticas, publicado pela PwC, é previsto um crescimento gradual e estável na demanda por hidrogênio até o ano de 2030. Esse crescimento será impulsionado por diversas aplicações específicas em setores como o industrial, de transporte, energia, bem como em sistemas de aquecimento para residências e comércios. “Os hubs de exportação e importação se desenvolverão em todo o mundo, como ocorreu com os atuais hubs de petróleo e gás, mas com novos participantes em regiões ricas em energias renováveis”, destaca o estudo.
É diante deste horizonte que a produção de hidrogênio verde (H2V) é uma das grandes apostas na região para os próximos anos, com investimentos também bilionários. Ceará, com maior potencial eólico que Pernambuco, salta na frente, mas Suape é um fator relevante na decisão dos empreendimentos futuros. “O hidrogênio verde tem que olhar para Pernambuco justamente por causa do Porto de Suape, que é um diferencial, que recebe navios maiores. O Estado está bem-posicionado na cadeia de energias renováveis”, afirma Rodrigo Mello, da Kroma.
O estudo da PwC destaca que o Brasil não apenas possui uma matriz elétrica majoritariamente baseada em fontes renováveis, mas também desfruta de uma localização geográfica vantajosa para exportação de energia para a Europa. Nesse contexto, a região Nordeste se sobressai como uma área de destaque para essa finalidade. O relatório menciona o Ceará e Pernambuco como os dois principais expoentes. Fora da região, apenas o Rio de Janeiro é citado como um polo para essa modalidade.
Esse segmento usa as energias renováveis para produção de hidrogênio a partir da eletrólise da água (quebra da molécula, decompondo-a em oxigênio e hidrogênio). Esse combustível tanto é usado na indústria local, como pode até ser exportado. A própria Chesf Eletrobrás informou, durante o a 1ª Conferência dos Guararapes, que o hidrogênio verde está no seu plano de expansão para os próximos anos na América do Sul. Como o Nordeste é o maior gerador das energias renováveis, deve ser o alvo principal desses aportes.
“Nós vemos uma grande sinergia entre o hidrogênio verde e a cadeia produtiva de fontes renováveis como eólica, solar, biomassa e biogás. Isso porque o hidrogênio será produzido a partir dessas fontes, o que vai incentivar as duas cadeias, gerar novos empregos, arrecadação e ainda a possibilidade de exportar esse hidrogênio. Haverá todo um ciclo virtuoso de aquecimento e consolidação da indústria energética e seus benefícios diretos e indiretos na região”, destacou a presidente da Abeeólica.
O hidrogênio verde hoje é um combustível muito valorizado segundo o coordenador do IATI (Instituto Avançado de Tecnologia e Inovação), Luciano Barbosa. “O H2V tem chamado tanta atenção porque resolve uma equação bem importante: Como é que eu transformo uma energia renovável que eu não tenho como controlar? Eu só tenho energia solar, quando eu tenho sol. E eu não tenho como controlar o vento. A resposta para essas perguntas é que o hidrogênio verde vem com uma solução em que é possível guardar o excesso de energia solar ou eólica nos momentos em que há uma produção elevada, mas não há o consumo”.
O IATI é reconhecido como o único centro de pesquisa nacional com seis projetos dedicados ao hidrogênio de baixo carbono, sob o Programa de PDI regulado pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). Isso inclui a primeira planta de geração de hidrogênio verde em escala de MW no Brasil, situada no Porto de Pecém (CE), onde o IATI é o responsável tecnológico em colaboração com a EDP – Energias do Brasil. Essa experiência posiciona a instituição, com sede no Recife, como um importante instituto de ciência e tecnologia no País na área do hidrogênio.
DESAFIOS BUROCRÁTICOS E TRIBUTÁRIOS
Tiago Andrade Lima, sócio titular da área de Direito Ambiental e Sustentabilidade de Queiroz Cavalcanti Advocacia e doutorando em Sustentabilidade pela USP (Universidade de São Paulo) afirma que no setor de energia eólica, o Conselho Estadual de Meio Ambiente vem discutindo uma norma que pode piorar bastante o ambiente de negócios para esse tipo de empreendimento, sob o argumento de necessidade de proteção nas nossas regiões de planalto. “Ocorre que essas regiões já recebem tratamento específicos e protetivos de outras legislações, como o Código Florestal e a Lei da Mata Atlântica. Portanto, vejo que uma nova regra, além de não trazer nenhum benefício ao meio ambiente, fará com que Pernambuco perca em competitividade com relação a outros Estados”.
O advogado destaca que o processo de licenciamento ambiental para esses empreendimentos representa um desafio constante. Ele alerta para a necessidade de garantir que a burocracia inerente aos órgãos públicos não se torne um obstáculo ao ritmo de desenvolvimento desses projetos no Estado. “O desafio é, sem dúvidas, o de licenciar com o rigor exigido pela legislação, mas com a celeridade necessária. Diria que este novo governo vem trabalhando muito nesse sentido. Temos visto uma maior agilidade na liberação das licenças diante da aparentemente melhoria nos fluxos internos do órgão ambiental licenciador do Estado de Pernambuco (a CPRH)”.
Compreender e cumprir todas as regras e entendimentos do sistema tributário brasileiro para o setor também representa um desafio. O estudo A Renovação da Indústria de Energia e seus Desafios no Sistema Tributário Brasileiro, da PwC aponta que para o setor manter-se próspero e alcançar todo o seu potencial, é imprescindível que o legislador e os entes de fiscalização estabeleçam relações claras entre fisco e contribuinte, especialmente no que se refere à aplicação das normas e segurança jurídica.
A publicação destaca que a construção e operação de empreendimentos como os parques eólicos exigem uma combinação de fatores físicos, geográficos, fornecedores e expertise em engenharia. Geralmente, envolvem um modelo de negócios tripartite, onde empresas de engenharia, fornecedores de materiais e fabricantes de equipamentos trabalham em conjunto com os detentores dos direitos de geração e operação de energia que, muitas vezes, são também investidores experientes no setor.
“A celeuma fiscal ocorre porque é justamente na etapa de construção dos parques eólicos que se concentram os maiores aportes de investimento, em decorrência do alto custo da aquisição dos aerogeradores e do arrendamento de terras. E é nesse ambiente que têm crescido a fiscalização e as autuações fiscais, por meio da exigência do ISS (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza)”, apontou o relatório.
Entre os bons ventos do potencial eólico e solar da região e os desafios burocráticos e tecnológicos, o setor pode ser um dos protagonistas do desenvolvimento do interior do Estado, especialmente em áreas antes relegadas à seca. O avanço da regulação e do apetite dos investidores deve ditar o ritmo desse crescimento.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)