Diretor do Instituto Engenheiro Joaquim Correia, Arlindo Teles detalha o projeto da Via Verde do Agreste, que também é assinado pelo CREA-PE e tem o objetivo de impulsionar o turismo e a economia na região, além de preservar a natureza e as construções da linha férrea que está abandonada.
Apreciador de trilhas e bicicletas, o engenheiro Arlindo Teles, diretor do Instituto Engenheiro Joaquim Correia, voltou de uma viagem que fez à Andaluzia, na Espanha, com uma ideia inovadora. Após percorrer de bike a Via Verde de La Sierra, erguida no antigo traçado de uma estrada férrea, Teles percebeu que a mesma iniciativa para o cicloturismo poderia ser feita na Estrada de Ferro Central de Pernambuco, que atualmente está em situação de abandono.
O projeto, denominado Via Verde do Agreste, abrangeria os municípios de Pombos, Gravatá, Bezerros e Caruaru. A proposta foi abraçada pelo Instituto Engenheiro Joaquim Correia e pelo CREA-PE (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco). O próximo passo é contar com o apoio das prefeituras das cidades que integram o trajeto, o que incluiria fazer um levantamento dos atrativos naturais, como rios e lagos, das construções ao longo do percurso e dos obstáculos. “Fiz uma trilha em Gravatá, naquele trecho da linha férrea que abrange a Serra das Russas, e fiquei muito impressionado com a quantidade de obra de arte de engenharia que existe: uma extensão de mais ou menos 10 km com vários túneis, pontilhões, e aquilo tudo está abandonado”, lamenta o engenheiro.
Nesta entrevista a Cláudia Santos, ele explica a proposta da Via Verde do Agreste e afirma que pretende angariar o apoio das prefeituras das cidades que abrangem o seu percurso. Também ressalta que o projeto oferece vantagens para a economia e a população dos municípios, além de benefícios para a preservação ambiental e do patrimônio da antiga ferrovia.
O que vem a ser esse projeto Via Verde do Agreste? Como surgiu a proposta?
A Via Verde do Agreste é um projeto rural de mobilização para transformar o trecho de Pombos, Gravatá, Bezerros e Caruaru da antiga Estrada de Ferro Central de Pernambuco, num equipamento de turismo e lazer, uma via de comunicação autônoma com mais de 45 km de extensão reservada ao deslocamento não motorizado. Ou seja, propomos transformar essa linha férrea em uma via segura e acolhedora para pedestres e ciclistas. A ideia é executar esse projeto dentro do quadro de desenvolvimento integrado que valoriza o meio ambiente, a qualidade de vida e a geração de emprego e renda.
A inspiração surgiu, tanto pela minha vivência profissional, quanto pessoal. Profissionalmente, integro o Instituto Engenheiro Joaquim Correia, que é voltado para formação de mão de obra e também desenvolve projetos de cunho social. Falando do meu lado pessoal, eu gosto muito de natureza, de fazer trilha e, há cerca de 10 anos, fiz uma trilha em Gravatá, naquele trecho da li- nha férrea que abrange a Serra das Russas, e fiquei muito impres- sionado com a quantidade de obra de arte de engenharia que existe: um trecho de mais ou menos 10 km com vários túneis, pontilhões, e aquilo tudo está abandonado.
Em 2015, fiz uma viagem para a Espanha e tive a oportunidade de fazer o passeio de bike na região da Andaluzia, entre duas cidades pequenas, mais ou menos 40 km, que e é exatamente uma ferrovia abandonada que foi transformada e passou a se chamar Via Verde de La Sierra. Eu fiquei impressionado porque é um passeio muito agradável. Essa via também serviu de inspiração para fazer o mesmo aqui.
Então, numa reunião do instituto, eu falei: “por que a gente não abraça essa ideia, já que essa ferrovia aqui está há mais de 20 anos abandonada e não tem perspectiva nenhuma de voltar a funcionar?”. O pessoal achou interessante e começamos a pesquisar. Quando começamos a discutir essa ideia, fiz um contato com um amigo meu que é arquiteto, trabalha na prefeitura de Caruaru e participou do projeto Via Parque, que são 6 Km construídos exatamente na linha do trem. Ele me contou que houve dificuldades para torná-lo realidade, mas conseguiram realizar. Ou seja, se Caruaru conseguiu, por que não juntar Caruaru, Bezerros, Pombos e Gravatá?
A ideia é construir a via nos trilhos do trem?
Isso. A linha está abandonada, pois a última composição que usou a ferrovia foi o Trem do Forró, há 24 anos. Então, a ideia é colocar uma camada para as pessoas poderem fazer a trilha a pé, de bicicleta ou até mesmo a cavalo. Na ideia inicial, que ainda não incluía o município de Pombos, o primeiro trecho seria de 7 km da Serra das Russas a Gravatá, o segundo trecho com 23 km, de Gravatá até Bezerros e o terceiro trecho, 24 km, de Bezerros até Caruaru. Podemos fazer um projeto sem precisar arrancar o trilho. O da Espanha cobriu o trilho. Também podemos fazer de uma forma que ele fique nivelado. Não precisa necessariamente arrancá-lo.
E como foi a receptividade? Que órgãos e prefeituras aderiram ao projeto?
Como o Instituto Joaquim Correia tem relação com o CREA-PE, apresentamos a ideia, ela foi aprovada, e o Conselho passou também a assinar o projeto. Há mais ou menos um mês fizemos uma reunião com a Prefeitura de Gravatá, e a receptividade foi muito boa, inclusive formamos um grupo de trabalho, em que há membros da Secretaria de Turismo de Gravatá e da Secretaria de Planejamento de Caruaru, mas ainda não tivemos nenhuma reunião com a Prefeitura de Caruaru e nem de Pombos ou de Bezerros.
Recentemente, conhecemos o pessoal da ONG Amigos do Trem. Eles acharam o projeto bacana e aderiram ao nosso movimento. Embora sejam favoráveis aos trens, eles não querem incluir uma locomotiva na via, mas alternativas de transportes com pedais. Então, nossa ideia é conseguir recursos para fazer uma espécie de levantamento, percorrendo todo o trilho, fotografando os principais atrativos naturais em cada trecho, como rios e lagos, levantando pontos de dificuldades, as barreiras, ocupações humanas, fazendas. Queremos fazer um mapa georreferenciado detalhando, mas estamos com dificuldades para conseguir recursos.
No último encontro com nosso grupo de trabalho, pensamos em fazer uma reunião com as quatro prefeituras e sugerir que cada uma delas fizesse o levantamento dentro da sua fronteira. Então a Prefeitura de Pombos faria o levantamento de Pombos até a fronteira com Gravatá, Gravatá faria do seu município até a fronteira com Bezerros, que faria até Caruaru, que faria a mesma coisa. E esse levantamento seria feito sob nossa coordenação e com nosso acompanhamento.
Montamos uma pequena equipe com dois estagiários, um cartógrafo e um engenheiro civil, porque não vamos fazer um projeto executivo, mas um projeto básico, um levantamento até para ter argumentos. Então, pretendemos unir esforços para juntar esses prefeitos para ver se eles concordam em dar esse apoio para fazermos esse estudo, porque temos que fazer uma estimativa, inclusive, do impacto econômico.
Quais os desafios para realizar esse levantamento?
Se as prefeituras toparem, é possível realizar. Elas têm condições de fazer sob nossa orientação. Podemos indicar uma pessoa para executar a topografia, e orientar como vai fazer esse estudo, levantar questões como: quais os impedimentos da via, quais os atrativos naturais. É importante também ressaltar os benefícios para a saúde, uma vez que as pessoas terão a oportunidade de fazer um passeio sem risco de serem atropeladas, respirando ar puro, sem barulho.
Além de possibilitar passeios seguros na natureza, que outros benefícios a Via Verde do Agreste traria?
Além dessa vantagem da segurança, pois será separada das vias de tráfego motorizado, a declividade quase inexistente do trajeto trará mais conforto para todo tipo de usuário, incluindo pessoas com mobilidade reduzida. A Via Verde do Agreste também impulsionará a geração de emprego e renda nas áreas da zona rural, porque promove relações entre os cidadãos com o ambiente natural e cultural.
Um equipamento com esse ineditismo atrairá pessoas de fora, especialmente ligadas ao negócio da bike, pois existem associações de ciclistas, gente que viaja para fazer esse tipo de passeio. Essa via também vai movimentar o mercado da rede hoteleira, restaurantes, aluguéis, oficinas de bicicletas, táxis. Também será uma oportunidade para as famílias da zona rural montarem pequenos negócios com a venda de lanches e água mineral, por exemplo, como acontece com famílias que têm comércio na zona rural do município de Triunfo, na Furna dos Holandeses.
Então todo morador nas proximidades da linha de trem que tiver condições de oferecer um serviço, por mais simples que seja, será beneficiado. É também uma oportunidade para as agências de turismo organizarem trilhas na região, porque poderão aumentar a clientela. A revitalização da via, por meio do seu uso sustentável, também irá proporcionar a preservação do que res- tou da antiga ferrovia, como suas obras de engenharia, e o seu próprio traçado, que hoje já se encontra ameaçado.
E como está esse setor de agências de turismo rural e de aventura?
Hoje existem algumas empresas, muito amadoras ainda, porém, no Brasil, existem empresas profissionais que levam turistas até para fora do Estado. Eu tive uma empresa aqui em Pernambuco que levava as pessoas para passeios no Vale do Catimbau e na Chapada Diamantina quando ninguém fazia isso. Outra coisa importante é que o mercado de bicicleta no Estado deu um boom gigante, toda cidadezinha de interior tem um grupo de bike que faz passeio.
Hoje, no Brasil, existem vários circuitos de bike, como o Vale Europeu em Santa Catarina, existe um no Rio Grande do Sul, mas nenhum com essa característica, como o projeto da Via Verde do Agreste, de ser na linha do trem com essa grande vantagem da “subida discreta”. O circuito europeu de Santa Catarina muita gente não consegue fazer porque tem muita ladeira e a nossa via, não. Aqui, você vai de Gravatá a Caruaru no plano, mesmo na Serra das Russas, a subida é tão discreta que você não sente, até porque passa por dentro da montanha.
Além da estrutura da antiga ferrovia, quais atrativos a região da Via Verde do Agreste oferece?
O trecho da Serra das Russas, por exemplo, é fantástico! A entrada fica próximo ao posto da Polícia Rodoviária, onde há uma ruazinha que você desce uns 3 km e encontra um pontilhão onde as pessoas fazem rapel. Ele tem 70 m de vão. Há também um túnel que faz uma curva no meio da montanha. É uma paisagem belíssima. No trecho de Gravatá para Bezerros também tem muita coisa bonita, muitas belezas naturais. O trecho de Pombos a Gravatá, que foi incluído recentemente ao projeto por sugestão da Amigos do Trem, também é muito bonito.
Quais os próximos passos e que outras ações vocês pretendem realizar dentro do projeto?
Recentemente estivemos em Caruaru, na inauguração do retrofit da Estação Ferroviária de lá. Entregamos o projeto da Via Verde do Agreste à governadora Raquel Lyra e estamos no aguardo desse retorno do Governo do Estado. Também pensamos em fazer um movimento social para além das prefeituras, incluindo os grupos de bike. Esse exemplo que eu dei da Espanha é muito interessante pois eles fazem eventos o ano todo com escolas, tem caminhada na noite de lua cheia, tudo muito organizado.
Lá eles criaram uma fundação, transformaram as estações de trem em restaurantes, as estações que ficam nas duas pontas da trilha são pousadas onde você pode se hospedar. Isso é um sonho, mas pode se tornar realidade porque temos a simpatia da população. Todo final de semana, eu vou até o Marco Zero, no Recife, e pergunto para os grupos que vão para lá passear: “o que você acha se a gente tivesse uma se ciclovia saindo de Pombos até Caruaru pela linha do trem?”. As pessoas gostam da ideia. Criamos um site (https://viaverdedoagreste.com/) e uma página no Instagram, publicamos um manifesto e recebemos centenas de mensagens de elogio e pessoas se oferecendo para trabalhar.
No manifesto, dizemos o seguinte: “Nós, cidadãos e organizações, comprometidos com a promoção de uma sociedade mais saudável e sustentável, apoiamos a transformação da linha férrea Central de Pernambuco, abandonada há mais de 20 anos, em uma via segura e acolhedora para pedestres e ciclistas. Uma solução inclusiva, econômica e de grande alcance social e ambiental, um equipamento de lazer e prática esportiva, que permite desfrutar as paisagens do interior, privilegiando a saúde e a qualidade vida. Esse manifesto é um chamado à ação coletiva, vamos juntos, sonhar e criar as condições para transformar o abandono, numa outra via, a via das relações mais humanas, criando um legado para gerações futuras, uma via que promove um estilo de vida mais saudável e sustentável”.