Por mais de uma década o Brasil viveu um período mais acelerado de crescimento econômico e de distribuição de renda. Muitos, senão a maioria, da chamada “nova classe C” eram integrantes das centenas de denominações evangélicas brasileiras. De acordo com o Instituto Data Popular, 90% dos jovens que integram esse segmento da população brasileira têm os pais evangélicos. No entanto, o momento de crise econômica brasileira, os analistas apontam que essa classe ascendente é a maior afetada, cujos principais sintomas são o desemprego e a redução do poder aquisitivo, com a inflação. Um novo cenário, de vulnerabilidade social e de desequilíbrio emocional, que traz desafios para as igrejas e cristãos. Além dos fatores econômicos, a crise política recoloca a moral no centro das discussões do País.
Se há alguns anos se usava a expressão “a classe C vai ao paraíso”, hoje ela está saindo dele. Não do paraíso pregado nos púlpitos, mas no do consumo. A recessão econômica e os ajustes fiscais criaram ao menos um contexto de medo. Um estudo da consultoria Consumoteca com essa classe, que tem em sua maioria evangélicos de origem pentecostal e neopentecostal, 76% declaram ter amigos ou parentes desempregados. O Data Popular identificou ainda os maiores temores da classe C são a alta da inflação (79%), a estagnação salarial (49%) e as dificuldades para conseguir emprego (55%). Atualmente, 47% dos brasileiros se dizem pessimistas em relação ao futuro, segundo estudo do Ibope, realizado no final do primeiro semestre de 2015. Na região Nordeste, esse índice salta para 51%. Frente a esse quadro de pessimismo e desesperança, qual o discurso e a postura a ser adotado pela igreja evangélica brasileira?
Para a psicóloga Quézia Cordeiro, que integra o Instituto Solidare, a igreja possui um grande potencial terapêutico para aqueles que são vítimas dessa crise e que estão sofrendo com esse momento. Ela aponta que os momentos de comunhão e partilha vividos pelas comunidades de pessoas que comungam da mesma fé podem fomentar resignificação e “cura” das mais variadas dores humanas. “Os relacionamentos interpessoais são importantes no processo de constituição dos indivíduos como também fornecem amparo em momentos de crise, seja esta existencial, profissional, familiar, econômica ou política. As crises implicam em questionamentos, desafios, mudanças e com isso também evocam medo, ansiedade e insegurança”, aponta.
Além do discurso, a psicóloga defende que as igrejas vivam uma fé prática, entendendo e respondendo as necessidades do momento social em que suas cidades e seu País atravessam. “Neste contexto, é relevante que as comunidades se dediquem ao acolhimento. O cuidado mútuo promove aos seus membros condições mais favoráveis ao enfrentamento de crises. A certeza de que se pertence ao grupo e estar alicerçado numa mesma fé pode contribuir de modo significativo para o surgimento de estratégias para superação de crises”
O amparo social e emocional é uma necessidade que deve andar lado a lado com as reflexões e críticas acerca das raízes dessa crise. O reverendo Sérgio Andrade, da Catedral da Santíssima Trindade, da Diocese Anglicana do Recife, avalia que alguns elementos que alimentam o quadro de corrupção no País também estão presentes na vida prática das comunidades religiosas e que precisam ser combatidos. “A intensa crise política e econômica presente em nosso País requer de diferentes comunidades evangélicas posturas coerentes com o Evangelho de Jesus. Neste sentido, deveríamos trilhar em primeiro lugar o bom e cuidadoso caminho da autocrítica, considerando que parte importante da patologia política do País está relacionada com um modelo de gestão e articulação caracterizado pelo fisiologismo e conservadorismo, que são características também do universo evangélico brasileiro. Assim, cabe às igrejas elaborar reflexões e práticas que procurem, inicialmente, denunciar sua própria contradição: integrar e alimentar um modelo político doentio, repleto de corrupção e enfraquecedor dos pressupostos democráticos”, afirma.
Para o especialista em ciência política e membro da Igreja Evangélica Livre, Thiago Oliveira, em tempos de crise a mensagem da igreja não deve ser outra: Jesus é a luz do mundo e nele depositamos a nossa esperança. E a postura deve ser de combate à corrupção que levou o País a esse momento. “A crise é um contexto propício para provar a nossa fé e nos fazer perseverar. Parafraseando C.S. Lewis, ela pode ser usada como o megafone de Deus para despertar a igreja brasileira. Que a nossa mensagem permaneça imutável e sigamos apontando para o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Ao mesmo tempo, devemos agir com prudência, orando por nossos governantes, tal como a Bíblia nos exorta, mas, atuando também na reflexão política e econômica de nosso país, votando melhor e fazendo política para além das redes sociais. Ser cidadão na terra não exclui nossa cidadania no céu, só não podemos inverter a ordem, aqui somos peregrinos, lá herdeiros eternamente”, declarou.
Acolher os desamparados e denunciar a corrupção são missões que estão na raiz da igreja cristã, mas que em tempos de desânimo e de desconfiança ganham uma relevância maior. Isso porque em meio à dor social, é nos bancos dos templos – e no seio das comunidades de fé – que se assentam aqueles que estão buscando uma fagulha de inspiração para recomeçar a caminhada.