"A Reforma Tributária pode melhorar o ambiente de negócios e evitar a guerra fiscal" - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

"A Reforma Tributária pode melhorar o ambiente de negócios e evitar a guerra fiscal"

Revista algomais

Ricardo Alexandre, Procurador-geral do Ministério Público de Contas de Pernambuco, explica as transformações que vão acontecer na cobrança dos tributos no Brasil. Ele também aborda as ações do MCP-PE para tornar o direito tributário mais compreensível para a população.

O direito tributário é um assunto árido e difícil, ainda mais no Brasil, onde há um complexo sistema de cobrança de impostos. Interessado em tornar o tema mais compreensível para a população, o procurador-geral do MPC-PE (Ministério Público de Contas de Pernambuco), Ricardo Alexandre de Almeida, tem feito programas na TV MCP-PE (o canal do Youtube do ministério), e palestras sobre o assunto. O objetivo, segundo ele, “é a população entender como funciona o direito tributário e até intervir no funcionamento e na elaboração das leis que vão interferir na sua vida, como no caso da Reforma Tributária”.

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Sua didática já é conhecida por muitos candidatos a concursos públicos que assistiram às suas aulas em cursos que ministrou. Nesta entrevista a Cláudia Santos, ele mostra o seu talento pedagógico ao explicar, de forma simples, as mudanças instituídas pela Reforma Tributária, tema do mais recente livro escrito em conjunto com sua mulher Tatiane Costa Arruda. Ricardo Alexandre de Almeida também falou sobre as ações do MCP-PE, em especial neste ano eleitoral.

O livro que o senhor lançou é voltado para o público geral ou específico para advogados tributaristas? Fale um pouco sobre ele.

Devido às mudanças da Reforma Tributária, lancei, junto com minha esposa, um livro mais técnico, sobre a reforma propriamente dita. É um livro um pouco mais complexo voltado para quem já é da área do direito tributário e quer entender o que está mudando.

Mas também tenho feito algumas lives (https://www.youtube.com/@ TVMPC-PE) e palestras para que a população possa entender como funciona o direito tributário e até intervir no funcionamento e na elaboração de normas e leis que vão interferir na sua vida, como no caso da Reforma Tributária. É necessário que as pessoas saibam, por exemplo, que vários Estados brasileiros aumentaram o imposto sobre consumo. Nos países socialmente mais desenvolvidos, cobra-se menos imposto sobre consumo e muito imposto sobre renda e patrimônio, que são as duas coisas que mostram que a pessoa tem mais recurso.

Claro que quem consome mais tem mais condição financeira, mas os mais pobres gastam todo o dinheiro que recebem e, geralmente, não têm condições de fazer uma poupança. Então, quem gasta todo o dinheiro que tem, será muito mais atingido por uma tributação de consumo elevada. Em Pernambuco, por exemplo, cobra-se 20,5% de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços). Assim, um pernambucano, ao comprar uma mercadoria, paga 20,5% num só tributo, além dos outros impostos que existem no País.

Por isso, é necessária a informação acessível. Seria muito importante que a população tivesse participado mais da elaboração dessa Reforma Tributária, não deixasse nas mãos dos grupos de pressão que surgem no Congresso. É importante que a população saiba que esses grupos existem e se informe para saber pedir e ter voz e vez. Um exemplo desses grupos de pressão são os prestadores de serviço de profissões regulamentadas, que possuem conselhos como contabilidade, economia, direito, que pressionaram o Congresso Nacional e conseguiram que as alíquotas que venham a pagar sejam 30% menores.

Para os prestadores de serviço mais pobres, que não exercem essas profissões, a diminuição não aconteceu porque, geralmente, são categorias com menos acesso à informação. Mas ainda há possibilidades de mudar a regulamentação da Reforma Tributária, porque a emenda à Constituição não cria os impostos, ela autoriza que sejam criados e, nessa criação, há grupos de trabalho que ainda estão discutindo.

O que o senhor achou da unificação dos tributos de consumo instituída pela Reforma Tributária?

Achei boa porque simplifica o sistema. Agora vamos ter uma legislação única e não uma para cada Estado, o que pode facilitar, principalmente, as vendas entre os Estados. Por outro lado, essa unificação poderia ser melhor se seguisse o modelo de alguns países europeus, criando um só um IVA (Imposto de Valor Agregado), que é um valor adicionado cobrado pela União Federal com a fiscalização de Estados e municípios. Mas os municípios e Estados brasileiros não queriam ficar sem um imposto “para chamar de seu”, então foi criado o IVA dual, com a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) que é federal e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que é municipal e estadual.

Então agora será uma legislação única e, apesar de terem sido criados dois tributos, as regras aplicadas vão ser iguais, o contribuinte só vai precisar apurar a base de cálculo que vai valer tanto para a esfera estadual, quanto para a federal. Acho que isso pode melhorar o ambiente de negócios no País, evitando guerra fiscal entre os estados.

A Reforma Tributária também modificou outros tributos que não são associados ao consumo, como o IPVA. Quais foram essas modificações e o que o senhor achou delas?

São muito boas. Aeronaves e embarcações vão passar a pagar IPVA. É um absurdo quem tem uma moto simples pagar o imposto e quem tem condições de comprar uma moto aquática, um iate, um helicóptero ou um avião, não pagar. Isso é uma questão de justiça, aumenta a arrecadação cobrando normalmente de quem tem maior potencial de pagamento.

Outro ponto positivo é o imposto de transmissão sobre herança e doação, que passa a ser obrigatoriamente progressivo. Isso é importante porque não se pode tratar quem recebe uma herança de milhões de reais da mesma forma de quem recebe uma de milhares de reais. É preciso cobrar de acordo com a capacidade que cada sujeito tem, espremer mais as laranjas que dão mais suco, é essa a ideia.

Algumas mudanças são positivas, outras tendem a ser, dependendo de como será a regulamentação. Por exemplo, foi criado um mecanismo, chamado cashback que fará com que o Poder Público devolva parte do imposto pago por famílias de baixa renda. Será registrado no CPF da pessoa o valor que ela está pagando em impostos quando realiza uma compra e ela terá uma parte devolvida em sua conta bancária.

Mas ainda vai ser regulamentado para evitar fraudes, como um patrão fazer uma feira com o CPF da empregada doméstica. Ou seja, terá um limite para o valor das compras de acordo com o patamar de renda do consumidor. Outra boa novidade é o split payment, pagamento splitado, que vai ajudar a diminuir a sonegação, pois, quando o consumidor adquirir um produto ou serviço, uma parte do valor vai direto para o fisco, e o comerciante só fica com a parte dele. Evitar a sonegação é importante, não para que se cobre mais impostos, mas para que se cobre menos. Quando compramos algo, o imposto já está pago. Se o vendedor sonega, o Estado não recebe e não vai poder prestar serviço com qualidade para a população.

Como o senhor vê a criação do Imposto Seletivo que está sendo chamado de “imposto do pecado”?

É uma inspiração americana. Ficou conhecido como imposto do pecado porque produtos viciantes, como cigarros e bebidas alcóolicas, tendem a ficar mais caros para diminuir o consumo. Também há a previsão de diminuição da alíquota para alimentos que não entram na categoria dos ultraprocessados, o mesmo pode ocorrer com sucos sem adição de açúcar. Mas a discussão precisa ser mais ampla em relação ao que é nocivo ao meio ambiente.

Por exemplo, acredito que a mineração é nociva ao meio ambiente, mas há o argumento de que ela é necessária para extrair o lítio das baterias para a fabricação de carros elétricos. Ou seja, a mineração ainda é importante para a transição energética. É essencial que essa discussão seja aberta à sociedade. Outro exemplo: no trâmite da emenda, já houve uma grande discussão com o pessoal do agronegócio porque queriam colocar os defensivos agrícolas na lista de produtos nocivos para o meio ambiente, e o argumento foi que aumentaria o custo da alimentação para a população. Então, é uma discussão que eles não resolveram por completo.

Acho o Imposto Seletivo uma ferramenta importante que tem que ser usada com bastante cautela, pois é mais um exemplo de algo que, na prática, pode ser bom, mas precisa haver cuidado na regulamentação para não acabar agravando a situação financeira da população mais pobre. Essa busca da justiça tributária é o ponto crucial.

E como que ficou a questão da cesta básica?

Conseguiu-se, no Congresso Nacional, reduzir a zero alíquota para que não haja a tributação nos produtos que compõem a cesta básica. Estavam prevendo uma cesta básica estendida, em que alimentos em geral, mesmo os que não compõem a cesta, pudessem ter a alíquota reduzida, porém, não para zero. Acho isso importante porque é absolutamente essencial.

A Reforma Tributária proibiu o Estados de adotarem novas isenções do ICMS. Por outro lado, houve a prorrogação até 2032 dos benefícios fiscais do IPI concedido para plantas automobilísticas nas Regiões Norte, Nordeste e Centro- -Oeste, e a criação do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. O senhor acredita que será o fim da guerra fiscal, sem prejudicar os estados com economias menos pujantes que as do Sul e Sudeste?

Colocaram uma compensação para que os estados mantenham as suas arrecadações. O benefício fiscal não poderá mais ser concedido mas fizeram uma lenta etapa de transição. A gente acredita que a ideia seja desenvolver os estados para que eles tenham estrutura para atrair as empresas de uma outra forma. O Fundo de Compensação pode ser dado, por exemplo, como subsídio para a empresa se manter em determinado local. Haverá também um seguro-receita que vai ser pago até 2098, previsto para os entes que perderam receita.

Além disso, o IBS vai passar a ser arrecadado no destino (no estado consumidor do produto) e não mais no local de origem onde a mercadoria foi produzida. Então, não vai adiantar uma empresa se deslocar para um estado com tributação menor porque ela vai pagar o mesmo tributo quando vender para fora. Mas se isso não for acompanhado de uma melhoria da infraestrutura nos estados menos desenvolvidos, claro que a empresa vai se localizar no local que oferece maior estrutura.

Foi estabelecido que até o fim deste ano todas as leis complementares previstas para concretizar a implantação da reforma deverão ser aprovadas pelo Legislativo. O senhor acredita na viabilidade desse prazo?

Como a reforma vai ser implementada a partir de 2026, os anos de 2024 e 2025 são anos legislativos, são anos para implementar a lei e as regulamentações locais para que ela comece a funcionar a partir de 2026. Suponho, como nós temos essa ideia de deixar tudo para última hora, que ao final de 2025 vai haver um desespero no Congresso para aprovar tudo que estiver faltando. Isso, em razão do princípio da anterioridade, que determina que a cobrança de um tributo só pode ser feita com a lei aprovada no ano anterior. Já 2026 e 2027 são praticamente anos de teste. Acredito que haverá um trabalho grande no Congresso. Eu sempre falo que o bolso é o órgão mais dolorido do ser humano.

Como tem sido a atuação do Ministério Público de Contas?

O Ministério Público de Contas é um advogado da sociedade. Temos trabalhado bastante a ideia de dar andamento às denúncias que a sociedade faz e são encaminhadas para nós. Dividimos o Estado em sete regiões e cada procurador toma conta de uma das regiões, são as procuradorias. Estamos dando atenção ao agora, para além das prestações de contas de determinado ano, tentado atuar para evitar que o problema aconteça. Eu instaurei aqui a ideia da TV MCP-PE para que a população tenha condições de entender melhor nossas decisões, as decisões do Tribunal de Contas, que também está dentro desse projeto de transformar o linguajar complexo do direito numa comunicação mais simples.

Também trabalhamos em relação à jurisprudência, ou seja, temos que trabalhar para que a gestão do Tribunal seja uniforme, que não aconteça, por exemplo, que dois gestores municipais sejam julgados por uma mesma questão, sendo que um foi condenado a pagar uma multa e o outro simplesmente teve contas aprovadas. E isso não é má fé de alguém, temos um órgão colegiado, cada um tem sua maneira de decidir. Então, tenho trabalhado para que haja uma uniformização.

Se há uma decisão para um lado e outra para o outro, vamos levar a situação para o plenário, reunir todos os conselheiros. Eles decidem. Aí, podemos dizer: o Tribunal de Contas de Pernambuco pensa dessa determinada forma. Quero fazer com que, no final da minha gestão, tenhamos vários temas consolidados, para que eu possa fazer uma palestra e dizer: sobre tais assuntos, o tribunal entende dessa determinada forma.

Então estamos embarcando nessa ideia de ter um papel mais pedagógico, prestar a orientação correta e ter efetivamente uma jurisprudência firmada para dar segurança jurídica, passar tranquilidade para a população a informação para que possa denunciar possíveis irregularidades.

Queremos ser esse verdadeiro ouvidor da população, sempre tratar com carinho as denúncias recebidas. Se hoje em dia você manda um e-mail para o Ministério de Contas denunciando alguma coisa, daremos notícia do que fizemos, mesmo que seja para dizer: o que você trouxe não tem elementos suficientes e arquivamos a denúncia. Porque, às vezes, não existem provas. Estamos em época eleitoral agora e sabemos que vai ter uma chuva de denúncias para tentar manchar a reputação das pessoas. Às vezes chega aqui um ofício falando que um gestor fez determinada coisa, nós primeiramente, vamos conversar com o chefe de gabinete da autoridade, para que ele traga esclarecimentos sobre isso, antes de abrir uma denúncia. Na eleição para governador do ano passado, recebi denúncias contra os candidatos, sem consistência de provas. Decidi não publicar uma portaria de instauração de um procedimento por não haver um mínimo de elementos que mostrasse a probabilidade de aquilo ser verdadeiro. Não queremos interferir no processo eleitoral de maneira irresponsável. Agora, se chegar uma denúncia que eu percebo que realmente o candidato agiu nitidamente de forma incorreta, mesmo sendo período eleitoral, vou abrir a denúncia, porque a população precisa saber disso.

Temos que estar com um olho no gato e outro no peixe. Nesse ano eleitoral, que é um período crítico, vamos tentar errar o mínimo possível para não prejudicar o processo da eleição e nem prejudicar a própria população.

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