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Abraçado ao insólito

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Na sua primeira incursão literária pelo gênero conto, André Balaio, que já dialoga com o público na arte das histórias de assombrações em quadrinhos, permanece no território do insólito e traz às livrarias “Quebranto” (Editora Patuá), com elogiável projeto gráfico assinado por Layse Costa. O livro traz comentários dos escritores Micheliny Verunschk e Sidney Rocha.

O texto prima pelo esmero ao fazer uso das técnicas de ficção, dada à singular habilidade de Balaio, especialmente no quesito sedução do leitor, indispensável à prática da escrita ficcional. Tal virtude se mostra em todo andamento da leitura, com primorosas metáforas "Amália em pé sorrindo, vestida de brisa”, no conto “Terra úmida”, onde mostra também o psicológico do personagem Fernando, um quase adolescente, que feliz ao participar do funeral da mãe parece “um capitão orgulhoso de seu barco”.

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Em “O lado de lá”, conto premiado no FLIP 2017, o autor finaliza o texto acelerando o ritmo até provocar a mesma pulsação no leitor: “E no outro dia e no outro e no outro e no resto da vida e em todos os dias, Quitéria leva a cruz de volta ao lugar onde jura ter encontrado o corpo. Do lado de lá da cerca”.

A concepção do conto “Restinga” é crua, dura, pungente, pontiaguda. Nele, a técnica se une ao texto com naturalidade e é sobreposta sutilmente em cada trecho da narrativa. Aqui fica evidente a destreza no manejo das imagens quando da descrição da personagem Vanessa, por exemplo, com apavorante fidelidade: “Vestida numa manta preta e branca, cabelo negro, longo, ensebado e sujo, pupilas dilatadas nos olhos fundos. A boca aberta, o hálito podre, os dentes à vista, muitos dentes, uma carreira interminável de dentes pequenos, escuros”.

Em “Quebranto”, conto que confere título ao livro, a expressão facial e a movimentação em cena ajudam a construção do psicológico do personagem: “Jorge entrou na sala, parecia um general gringo, louro e risonho”. E completa a cena: “Do corredor, chamou Celeste, a voz alta, sem cuidado: a moreninha, quem é? A filha respondeu tão baixo que não se ouviu na sala, mas devem ter sido palavras simpáticas, pois logo ele voltou com o cenho desfeito e esticou a mão”.

E no parágrafo seguinte arremata: “A moça fez algumas perguntas que ele respondeu pavoneando pela sala com a mão no bolso e a outra no queixo quadrado, girando na ponta dos pés até chegar ao fim do percurso, fechando os olhos e coçando o rosto queimado de sol”.

Com a mesma maestria observa a movimentação da personagem Celeste: “Parou de mexer a panela e tirou o avental. Alterou a voz”. No parágrafo posterior acrescenta: “A filha do fazendeiro ficou vermelha e pôs a mão no peito, como se tivesse sido flagrada pelo pai que ainda estava lá fora. Celeste se afobou para a cozinha e trouxe um prato e talheres que colocou na mesa”. E a cena é concluída com uma símile sutil: “Jorge fez festa na chegada e se regalou na mesa como quem acaba de sair da masmorra”.

Trata-se de um livro forte, denso, intenso, amadurecido, envolvente, onde o autor concede alforria à criatividade como um rio que deságua em cada conto e dali em curso certo, da partida ao destino, vai bater no meio do mar.

Por Paulo Caldas

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