Antonio Barbalho: “Não existe falta de dinheiro no mundo” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Antonio Barbalho: “Não existe falta de dinheiro no mundo”

Num momento em que o Brasil amarga os efeitos das mudanças climáticas, o especialista em financiamento para empreendimentos sustentáveis e resilientes, Antonio Barbalho, garante haver recursos disponíveis para projetos verdes. Mas ressalta que faltam planos bem estruturados que considerem a mitigação de riscos.

O engenheiro pernambucano Antonio Barbalho circulou o mundo desenvolvendo estratégias e mobilizando finan ciamento para empreendimentos sustentáveis e resilien tes. Após o início de carreira na Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco), ele desenvolveu uma trajetória internacional passando pelo Deutsche Bank, no Reino Unido, seguindo para o Banco Mundial, a partir de 2009. Ele foi gerente e chefe global da Miga (Agência Multilateral de Garantia de Investimentos) para Energia e Indústrias Extrativas e, posteriormente, gerente de Práticas para Energia na América Latina e Região do Caribe. Com ampla experiência nos setores financeiro, energético, indústrias extrativas e serviços públicos, ele avalia oportunidades e alguns desafios para Pernambuco na agenda ESG.

Nesta entrevista a Rafael Dantas, o engenheiro destaca que o verdadeiro desafio não é a falta de recursos, mas sim a ausência de projetos bem estruturados que considerem a mitigação de riscos. Ele argumenta que há dinheiro disponível tanto em bancos privados quanto em instituições internacionais, como o Banco Mundial, mas muitos projetos falham ao não abordar adequadamente os riscos envolvidos. Com sua vasta atuação em financiamentos de iniciativas sustentáveis em diversas partes do mundo, Barbalho enfatiza a importância de entender as regras do mercado e adaptar os projetos às condições locais, garantindo maior viabilidade e sucesso a longo prazo.

No último encontro do projeto Pernambuco em Perspectiva foi menciona do que não falta dinheiro para iniciativas de preservação ao meio ambiente e empreendimentos sustentáveis. Qual o desafio de acessar esses recursos?

Não existe falta de dinheiro no mundo. O que existe é o não entendimento de mitigação de riscos. Fala-se muito que o problema é não ter projeto. Mas não é só isso. Projetos existem, mas projetos estruturados e pensados, não. Não se pensa em risco. Mesmo dentro do sistema financeiro nacional existe dinheiro, mas existe também uma mentalidade de que só quem financia é o BNDES. Isso não é verdade. Os bancos privados também financiam, mas têm juros mais altos.

Quando começamos a entender isso e jogamos com o que existe no mercado é possível chegar a bons resultados. Já fiz um projeto de recuperação pela Miga em uma floresta da Indonésia no ano de 2011. Isso tem chamado a atenção global agora, mas fizemos isso há mais de 10 anos. Então, isso não é novidade. O esforço é se adaptar às regras, sem quebrar nenhuma, no ambiente em que se vai buscar o recurso. O que pode funcionar é baseado nas ideias da instituição financiadora em consonância com o que existe na legislação brasileira. Descobrir os limites e os caminhos até onde a gente pode ir com o projeto. A gente não cruza nenhuma linha. A lei brasileira é extremamente prescritiva (no comportamento, mesmo em ambiente de mudança) e punitiva (não considerando medidas corretivas em primeiro plano). Dentro de financiamentos a projetos, a parte mais importante é se antecipar aos problemas, porque quando eles acontecem nem sempre há tempo para resolver. É preciso, inclusive, traçar pelo menos um ou dois caminhos de como sair dos possíveis problemas.

Como foi essa experiência na Indonésia?

A Indonésia tem umas 5 mil ilhas e sofre uma degradação de floresta muito séria. As três maiores florestas do mundo são a da Amazônia, do Congo, que eu também tenho trabalhos por lá, e da Indonésia. Então, um Fundo de Investimento que Hong Kong, liderado por um britânico e com doação do Governo da Noruega, queria auxiliar numa determinada área de uma das ilhas com o pagamento pelos serviços ambientais. Nem se chamava isso, mas que era basicamente uma exploração de atividades econômicas da floresta, completamente recuperada e sustentável.

Então se pode pensar: “Ah, podemos produzir e comercializar um pouco de coco”. Mas isso não vai sustentar 500 famílias, e havia duas mil famílias. Existem possibilidades de extrair produtos químicos que possam ir para fabricação de cosméticos. Isso já melhora o projeto, mas não resolve. Existe a possibilidade de replantio de floresta com espécies nativas que vai sequestrar carbono e vai restabelecer dentro de 10 a 15 anos o habitat natural. Isso, por si só, também não resolve. Mas a combinação de todos resolve.

O fundo que eles colocaram era pequeno com relação à necessidade. Mas, uma dessas estruturas que eu desenhei com eles foi utilizar esse fundo para garantir um bond, uma debênture, que foi lançada (um título de dívida que é emitido para levantar fundos) e o resultado disso, o dinheiro que for levantado, seria utilizado nesses projetos, detalhando a forma de pagamento de cada um, que garantia a maneira como essas famílias iriam sobreviver. A mudança desse fundo do financiamento direto para um fundo garantidor permitia transformar US$ 40 milhões em US$ 300 milhões. Isso resolveu o problema.

Então, em vez de fazer um investimento direto, essa nova modelagem do projeto gerou uma receita recorrente para eles?

Exatamente, porque ele garantiu uma segurança do investidor, caso acontecesse a falha de alguma coisa. Por que “e se” ocorrer um incêndio? O grande desafio de qualquer financiamento é o “e se”. Então se eu consigo estruturar, entender esses riscos e mitigá-los, o projeto se torna mais robusto. Se utilizar uma parcela desse investimento em estruturas diferenciadas, o seu fundo de pensão vai investir porque é garantido. E se der um incêndio? Continua com a garantia. E se não der? Será possível ter um retorno um pouco melhor. E se der crédito de carbono? Melhor ainda. Então, essa perspectiva é muito maior, muito mais holística que estou começando a advogar no Brasil. Eu desejo fazer essa ponte aqui, já que eu regressei a Pernambuco.

Não é uma viagem ao Banco Mundial que vai resolver o problema. Isso é muito importante, pois mostra interesse do Estado em resolver o problema. Mas o que precisa acontecer antes é uma definição do projeto mais clara, mitigando os riscos. Com isso, a probabilidade de receber um não é bem menor. O Brasil precisa usar os instrumentos que estão disponíveis, mas com meios de chegar de uma maneira muito mais efetiva, eficaz e eficiente do que faz hoje.

De onde vêm os recursos do Banco Mundial?

Os recursos do Banco Mundial vêm de basicamente duas fontes: Bird (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento), e AID (Associação Internacional do Desenvolvimento). A AID foi feita para países de renda baixa que precisam de muito auxílio, basicamente atende a África e alguns países da Ásia, além das ilhas. Nessa parte, o diferencial é que são doações dos países. A cada três anos os países doam novamente. O último ciclo ficou em torno de US$ 70 bilhões. No próximo se espera US$ 100 bilhões. Mas os países têm que estar “bem das pernas” para poder contribuir, aportar o capital. Uma vez o capital feito, isso é um empréstimo de até 40 anos a juros subsidiados. Então, o Banco Mundial transforma esses aportes em um bond que vai exatamente cobrir o dispêndio nesse período para multiplicar esse capital por duas ou três vezes.

A segunda parte, o Bird, é uma contribuição de capital, como acontece em qualquer banco, em que os acionistas recebem uma chamada de capital e aportam recursos. Aí são todos os países, sem exceção, inclusive o Brasil. Naturalmente os mais ricos vão dar uma quantidade maior. Mas é um capital do banco, como qualquer outro, os acionistas são os países que colocam o dinheiro. Então, novamente, o tesouro do Banco Mundial vai ao mercado emitir um bônus de 10 anos a ser pago exatamente com o retorno dos projetos que ele financia nesses países. Para isso tem que ser um país de renda média, para receber os investimentos.

A gente não chama lucro do Banco Mundial, inclusive, porque não é adequado. O capital que fica é completamente reinvestido dentro do banco. O objetivo é sempre apoiar o desenvolvimento dos países.

A partir das discussões que você ouviu dentro do Pernambuco em Perspectiva, como avalia a situação daqui do Estado no esforço de dar novos passos em direção a um desenvolvimento sustentável?

Eu passei 31 anos fora. As obras de Suape foram iniciadas com o meu pai, Arnaldo Barbalho, eu participei, eu era supercurioso, tinha 13 anos. Ele conseguiu negociar recursos, começar o processo e depois o empreendimento tomou um volume fantástico.

A teoria de desenvolvimento que foi adotada pelo Estado vem da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) que Celso Furtado implantou aqui. Então, esse modelo acabou. O pessoal disse que ele acabou agora? Não, ele acabou na década de 1980 e apenas demorou para “cair a fichinha” para todo mundo.

A percepção mais recente do fim do ciclo de desenvolvimento é porque os empreendimentos sugeridos pelo padre Lebret chegaram em Pernambuco durante os Governos de Lula e de Eduardo Campos.

Essas foram as âncoras. Mas o modelo acabou muito antes. A refinaria e o estaleiro eram projetos antigos, que já chegaram atrasados.

Por que esse ciclo já ficou obsoleto nos anos 1980?

Porque houve uma mudança no mundo, que começou a colocar recursos na China, que se transformou em um absorvedor de capital, commodities e tecnologia. O que a América Latina tem a oferecer? Muito pouco. A não ser commodities, aí o desenvolvimento parou e veio também a crise financeira que aconteceu naquela época na década de 1980, a crise dos juros, o preço do petróleo impactaram com um processo inflacionário que basicamente acabou todo o modelo que se desenvolvia até aquele momento.

Houve esse hiato e a refinaria foi um tampão, digamos, a gente comprou uma “extensão de vida” no jogo desse modelo de negócios. O segundo ponto é que a economia de Pernambuco, em particular, é muito baseada na cultura do etanol e da cana-de-açúcar. O terceiro ponto é o que sobrava, o que seria extremamente interessante, o setor agrícola. Mas por haver uma região de Caatinga, inicialmente, não tinha possibilidade de ser explorada na agricultura.

Uma das transições importantes que tivemos foi o Porto Digital, que é uma referência nacional. Pode ser maior? Claro que pode, porque o custo é baixo e é competitivo, então é um polo que se tornou um gerador de renda, mas não é suficiente ainda, porque é preciso que acontençam outros investimentos, visto que essa cadeia ainda está incompleta.

No Pernambuco em Perspectiva pela primeira vez escutei uma autoridade do governo que diz: “vamos tentar pensar diferente”. E aí é que estão 99% dos planos no mundo. O grande desafio do governo é escolher um conjunto de ações que sejam factíveis de serem utilizadas como efeito de demonstração, com um piloto concreto dentro de dois anos. Não estou falando de um projeto enorme, porque é algo mais estruturante, que leva mais tempo. Nas discussões que eu tenho tido com o Consórcio Nordeste e com o Sul do País, é preciso mostrar como se pode, pelo menos do ponto de vista financeiro, introduzir outras maneiras de chamar novas aplicações, usando o que existe, usando oportunidades de outros países, usando mercados seguros para alavancar recursos a preços razoáveis num contexto que produza resultados sustentáveis. Não é fácil captar esses recursos, mas é possível. Existem meios de chegar lá.

O senhor mencionou que uma nova perspectiva da Caatinga é um caminho importante para o Estado. Dentro desse bioma, quais seriam os projetos?

A mudança climática está contratada e não é reversível. Isso para as próximas centenas de anos. Mesmo com tecnologias absorventes de CO2 existentes, a gente precisa atuar para não piorar o que já existe e tentar parar, pelo menos ter uma inércia, e então estabilizar. Nesse cenário de aumento da temperatura, em relação aos biomas no mundo, é preciso destacar que o Nordeste está acostumado a temperaturas altas. Outros países, não.

Então você pode imaginar todo um novo cenário de desenvolvimento começando hoje, porque ele vai acontecer até 2035. É preciso começar a ter atividades mais interessantes dentro da região mais pobre do Estado. A Região Metropolitana do Recife é desigual, o Sertão é pobre, são coisas diferentes. E isso também pode estimular um fluxo migratório reverso, que também é importante. Se você começa a criar oportunidades concretas em negócios, não é só a preservação de floresta e ativos ambientais, mas iniciativas que vão durar 10, 15, 20 anos, é isso que vai fazer diferença, é isso que vai criar o pilar de sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável que a secretária [Ana Luiza Ferreira] colocou.

Agora, que atividades precisam ser colocadas para criar esse novo ciclo? A palavra que eu aprendi aqui é ressignificar. Estamos absolutamente corretos nessa direção, então no momento que se faz isso, o Estado está revendo os pilares da economia de Pernambuco e criando algo que não existia ou que era incipiente. Aí é que a ação deve realmente acontecer.

A secretária colocou um desafio que é repensar Pernambuco. O que não está dito no PerMeie é a gravidade da situação do País, não só de Pernambuco, do Brasil. É preciso uma resposta mais articulada do poder público. A liderança vai acontecer pela articulação e a capacidade de implementá-la a curto prazo com os projetos pilotos. A proatividade do governo nesse momento crítico é fundamental porque vai estabelecer os pilares de onde esse movimento pode acontecer. E ele precisará ser sustentável. O grande desafio é mantê-lo.

Quais os caminhos que o senhor vislumbra para a Caatinga?

Um novo ciclo de desenvolvimento e de criação de atividades econômicas, que parte tanto da agricultura e das indústrias que se beneficiem disso, como da utilização de energia solar em melhor escala, não tirando terra arável. Isso aqui não pode acontecer, no Banco Mundial isso não seria permitido. Não tem como passar o que acontece hoje.

Minha sugestão é a seguinte: por que você não usa os standards (padrões ou critérios) do Grupo Banco Mundial para desenvolver os novos projetos? Assim não vamos criar do nada, mas seguir caminhos que já existem. Isso não significa aplicar aqui da mesma forma que se faz nos Estados Unidos ou no Reino Unido, pois é preciso entender o projeto dentro do contexto em que ele se opera.

Mas a grande lição que a Miga me deu é que é preciso uma atitude proativa, não é uma atitude reativa para ser bem sucedido. Se o projeto pode ter problemas, a minha obrigação na agência era ajudá-los a resolver o problema. A maneira como eu ajudei era construindo argumentos sólidos para a captação dos recursos e trabalhar para fazer algo que fosse factível, implementável. Isso dá trabalho, leva tempo, mas no estágio atual de desenvolvimento do País existem meios disso acontecer.

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