*Por Zacarias Ribeiro Filho
Este artigo não tem como propósito alimentar a polarização política. O objetivo é analisar como narrativas de lideranças globais influenciam a governança climática e o futuro comum da humanidade. O clima não conhece fronteiras ideológicas: trata-se de ciência, responsabilidade civilizatória e sobrevivência coletiva.
O debate climático tornou-se um dos grandes pontos de tensão entre ciência e política no Século 21. Donald Trump desconsidera a diferença fundamental entre percepções episódicas do passado e o consenso científico contemporâneo, baseado em evidências acumuladas por décadas e respaldadas pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).
Ele, recorre a comparações históricas simplificadas: lembra que, nos anos 1920 e 1930, havia temores sobre resfriamento, para então sugerir que as preocupações atuais com o aquecimento global também seriam passageiras. Essa afirmação não pode ser lida apenas como opinião pessoal. Ela reflete como líderes, em diferentes contextos, utilizam narrativas para defender interesses e moldar políticas públicas.
O “resfriamento global” e a construção de um falso dilema
De fato, entre 1940 e 1970, houve estudos que discutiram os efeitos resfriadores da poluição atmosférica (aerossóis). Porém, mesmo nesse período, pesquisas já apontavam para o risco do aquecimento associado ao aumento dos gases de efeito estufa. Ou seja, nunca houve consenso sobre resfriamento global. A ciência evoluiu, acumulou dados e consolidou o entendimento de que o aquecimento atual é inequívoco e acelerado pela ação humana. A narrativa de Trump confunde hipóteses transitórias com consensos consolidados.
Tempo geológico x tempo político
Outro ponto usado na retórica climática dele é a comparação entre a escala de milhões de anos das mudanças naturais da Terra e o curto intervalo de um século. Embora seja verdade que o planeta já tenha passado por ciclos de resfriamento e aquecimento, o fenômeno atual é distinto por duas razões:
1. Velocidade sem precedentes: em pouco mais de 150 anos, a concentração de CO² saltou de 280 ppm (partes por milhão), no nível pré-industrial, para mais de 420 ppm.
2. Origem antropogênica: o atual aquecimento decorre diretamente da queima de combustíveis fósseis, desmatamento e expansão agrícola. A política, no entanto, opera em outro tempo: mandatos de quatro anos, resultados trimestrais, respostas imediatas a crises. É nesse desencontro entre o tempo da geologia e o tempo da governança que reside a urgência climática.
O peso da liderança global.
Os Estados Unidos são o segundo maior emissor histórico de gases de efeito estufa. Assim, quando um presidente norte-americano adota discurso de rejeição, os impactos não se limitam ao plano interno. Isso repercute diretamente na cooperação internacional, no ritmo da transição energética e na legitimidade de acordos multilaterais, como o Acordo de Paris.
É importante destacar que esse não é um fenômeno exclusivo de um país ou espectro político. Ao longo da história recente, diferentes governos – de perfis ideológicos variados – também mostraram resistência em alinhar suas políticas às evidências científicas, especialmente quando isso contraria interesses econômicos imediatos.
Rejeição como estratégia de poder
As emergências climáticas rejeitadas não devem ser vistas apenas como ignorância, mas como estratégia política, que cumpre funções claras:
• internamente, mobiliza eleitores contrários a regulações ambientais e reforça narrativas de identidade política; e
• externamente, projeta uma postura de resistência a compromissos internacionais e preserva setores econômicos estratégicos.
É importante frisar que a dificuldade em lidar com a questão climática não é exclusiva de Trump ou de governos conservadores. Nem as utopias de esquerda, nem as de direita, foram capazes de oferecer respostas consistentes à pobreza estrutural ou às emergências climáticas. Ambas nutriram esperanças, mas falharam em dar soluções definitivas frente à complexidade dos desafios globais.
Conclusão: ciência além da ideologia.
A análise da postura de Trump serve como alerta para algo maior: o desafio climático transcende a polarização entre direita e esquerda. O aquecimento global é um fato científico, não uma opinião. A resposta a ele depende da capacidade de líderes e instituições de superar divisões políticas e construir soluções coletivas. Em última instância, a questão climática não é sobre preferências ideológicas, mas sobre a obrigação ética, social e histórica que os seres humanos têm de proteger, preservar e desenvolver a civilização de forma sustentável e justa. Enfim, estamos diante da responsabilidade civilizatória. A ciência nos mostra a urgência; cabe à política decidir se responderá a tempo.

*Zacarias Ribeiro Filho é engenheiro agrônomo; mestre em Dinâmica de Desenvolvimento do Semiárido; consultor ESG da Abrafrutas; diretor da ESG Planning Consultoria.