Arruando pelo Recife

Arruando pelo Recife

Leonardo Dantas Silva

As moças nuas do Capibaribe…

Capibaribe
— Capiberibe
Lá longe o Sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu…
Foi o meu primeiro alumbramento
Manuel Bandeira.

Ao adentrar-se na planície do Recife, o Rio Capibaribe, continua o seu caminho de viajante preguiçoso, sem qualquer pressa do chegar, dormitando pelos remanços e barreiros, entrando pelo canavial e açudes, em contato direto com engenhos de fogo morto e usinas de açúcar.

Ingressa por entre as barreiras dos engenhos São João e São Cosmo, na Várzea, fazendo uma grande curva, cheia de meandros pelo Sertãozinho de Caxangá, onde provocou o primeiro alumbramento do poeta Manuel Bandeira e as observações do poeta João Cabral.

Preguiçosamente, em longas curvas, ainda sem qualquer pressa, o “cão sem plumas” passa por Dois Irmãos, Apipucos – onde o sociólogo Gilberto Freyre produziu grande parte de sua obra –, seguindo em direção ao Monteiro, Barbalho, Bom Gosto, Caldeireiro e Poço da Panela, de onde tantas vezes transportou os escravos que buscavam a liberdade em barcaças de capim, cuidadosamente fretadas por José Mariano Carneiro da Cunha e tripuladas pelos destemidos “cupins”.

Essas localidades, de Apipucos a Madalena, foram outrora destinadas aos “passadores de festas”, apreciadores dos “banhos medicinais”, frequentadores dos banheiros de palha, assim descritos por Louis François de Tollenare, em suas Notas Dominicais, escritas em 1817:

“É nas margens do Capibaribe que cumpre ver famílias inteiras mergulhando no rio e nele passando parte do dia, abrigadas do sol sob pequenos telheiros de folhas de palmeira; cada casa tem o seu, perto do qual há um pequeno biombo de folhagem para se vestir e despir. As senhoras da classe mais elevada banham-se nuas, assim como as mulheres de cor e os homens. À aproximação de alguma canoa mergulham até o queixo, por decência; mas o véu é demasiado transparente! Vi neste banho a mãe amamentando o filho, a avó mergulhando ao lado dos netos, e as moças da casa, traquinando no meio dos seus negros, lançarem-se com presteza e atravessar o rio a nado. A posição do corpo requerida por este exercício não deixa ver a quem passa, nem o seio nem parte alguma da frente do corpo, de sorte que elas consideram o pudor resguardado; mas, há outras formas não menos sedutoras que o olhar pode contemplar à vontade. Confesso que fiquei tão surpreendido quanto encantado ao encontrar um dia, neste estado de náiades (figura mitológica) sem véus, as senhoritas N. filhas de um dos primeiros negociantes da praça… É raro encontrar margens mais risonhas do que as do Capibaribe, quando se sobe em canoa até o Povoado do Poço da Panela”.

O rio, na época dos nossos avós, não este que conhecemos e de que nos fala o poeta João Cabral ou seu “cão sem plumas” – […] “o outro rio/ de aquoso pano sujo/ dos olhos de um cão” –, era o rio das águas límpidas, que permitia ver o fundo de areia branca, cercado de árvores, “cujos ramos superiores se encontravam ou estão ligados por cipós floridos, pendentes em guirlandas”, habitadas por “mil pássaros adornados de brilhantes plumagens”.

Era o rio das capivaras, como bem deduz o próprio vocábulo, habitado por peixes das mais variadas espécies e moluscos diversos, em nada se parecendo ao rio que conhecemos e estamos a legar aos nossos netos.

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