Quem há algum tempo pensaria em trabalhar para uma empresa de Manaus ou de Porto Alegre sem sair do Recife ou de Caruaru? Com a pandemia se tornou normal trabalhar em home office tanto para uma empresa da mesma cidade, como dos extremos do País e até de outras nações. Essa experiência de seguir em Pernambuco e integrar o quadro profissional de uma empresa do exterior foi o tema da matéria de capa da edição 187.4 da Revista Algomais. Um dos especialistas entrevistados foi o consultor e sócio da TGI, Fábio Menezes. Nesta entrevista, concedida ao jornalista Rafael Dantas, ele fala sobre os desafios e os caminhos para quem almeja participar desse mercado global.
Há pouco tempo se falava sobre a fuga de cérebros, em relação aos brasileiros que deixavam o País para trabalhar no exterior. Hoje, com o cenário pandêmico e o avanço do trabalho remoto, qual o cenário desse mercado de trabalho global?
O trabalho remoto muda o modelo de funcionamento, mas a inteligência continua sendo exportada quando um profissional presta serviço para uma empresa no exterior, mesmo que fisicamente continue na sua terra natal.
A imposição do trabalho remoto por conta da pandemia fez com que muitos modelos fossem repensados. O que antes era entendido como fundamental, como por exemplo a presença física para a realização de alguns trabalhos, reuniões, tarefas, hoje não necessariamente é assim. As organizações descobriram que poderiam funcionar de outra forma, inclusive com mais eficiência. Em algumas situações, a distância física era impeditiva para realização de trabalhos dentro do próprio país, hoje vivemos a experiência do trabalho remoto dentro da mesma cidade e vimos que funciona, pelo menos em boa parte dos casos.
Existem experiências de profissionais que estão no Brasil trabalhando para empresas de fora do país, como também o inverso, profissionais no exterior prestando serviço para empresas locais. Esse intercâmbio também é influenciado pela dificuldade de encontrar mão de obra especializada e, com a experiência ampliada do trabalho remoto imposta pela pandemia, a tendência é que a oferta de trabalho global seja estimulada. As fronteiras foram reduzidas.
Com o dólar e euro em alta e diante da escassez global de alguns tipos de profissionais, a atratividade para os pernambucanos trabalharem em empresas de outros países aumentou? Como construir uma carreira que vislumbre essa possibilidade de ter clientes internacionais ou mesmo trabalhar remotamente para uma empresa do exterior?
Sem dúvida o câmbio é muito atrativo para quem está no Brasil e presta serviço em dólar ou euro. Em algumas áreas, por exemplo a TI, e em especial desenvolvedores de softwares, que é uma área tradicionalmente forte em Pernambuco, alguns profissionais têm muito foco no exterior e praticamente não trabalham mais com empresas locais, mesmo morando no Recife.
Uma estratégia utilizada por esses profissionais é o intercâmbio e networking global, por exemplo com a participação em eventos internacionais, realização de cursos e publicação de trabalhos no exterior, iniciativas para chamar atenção dos possíveis contratantes e viabilizar os trabalhos. As demandas das empresas de fora são atrativas não apenas pela remuneração em dólar ou euro, mas também pela satisfação em trabalhar com multinacionais de referência global.
Qual o tipo e perfil de profissional que está em alta nesse mercado global?
A globalização da economia faz com que o padrão de qualidade dos serviços e produtos tenda a ser, cada vez mais, internacional. Desta forma, quem trabalha em Pernambuco precisa considerar o padrão global.
Naturalmente, na maior parte dos casos o domínio da língua inglesa é um ponto chave e estamos ainda impressionantemente distantes desse conhecimento de forma ampla na sociedade. Empresas locais identificam oportunidades de negócios no exterior, mas têm dificuldade de contratar profissionais fluentes em inglês.
Trabalhar para empresas de outros países implica não apenas em produzir num padrão global, mas em lidar muitas vezes com culturas diferentes. Os profissionais que têm interesse em trabalhar para empresas no exterior devem estar abertos ao conhecimento de outras realidades e, sobretudo, ter disposição e capacidade de adaptação.
Quais as oportunidades e ameaças que você observa para os profissionais e empresas locais diante desse novo campo profissional global que se abre com o trabalho remoto nesse contexto internacional ou ao menos interestadual?
A tendência é de crescimento da concorrência entre os profissionais. Ainda que o câmbio atual não seja tão favorável para a contratação de mão de obra no exterior por empresas locais, dentro do próprio país a expansão da experiência com o trabalho remoto viabiliza a contratação de profissionais que não estejam necessariamente na mesma cidade da sede da organização.
Quanto mais o mercado se abre, maior a tendência de elevação do padrão de qualidade e, portanto, da exigência de qualificação dos profissionais e das empresas. Se um profissional vai trabalhar para ou no exterior ou localmente é sua estratégia que deve definir, o que é básico deve ser o padrão de excelência das entregas.
Temos percebido também o movimento migratório de alguns profissionais e empresários pernambucanos para viver no exterior, sem se desligar da operação dos seus negócios e empresas consolidados por aqui. Essa é uma tendência? Quais as vantagens dessa modalidade para as pessoas que tem o desejo de se mudar ou viver uma experiência temporária em outra cidade ou mesmo país?
Para quem passou aproximadamente um ano e meio administrando seus negócios remotamente é compreensível considerar que pode ser viável manter o formato morando no exterior. No entanto, é um projeto que precisa ser concebido e implantado com todo cuidado. Ainda que a experiência com o trabalho remoto tenha sido surpreendente para algumas empresas (ganho de eficiência, maior produtividade, redução de custos, maior satisfação e qualidade de vida da equipe…), entendo que precisamos de mais tempo para analisar o formato com mais segurança.
Passamos um bom tempo em isolamento, e num período dramático, isso é diferente de home office. A produtividade da equipe precisa ser acompanhada em “vida normal”, não em isolamento. Além disso, cada negócio tem sua dinâmica própria, depende da natureza do segmento, do padrão de desenvolvimento do seu modelo de gestão e da equipe, isso tudo exige uma avaliação singular.
Acho sim que as possibilidades de viver numa cidade e trabalhar noutra, seja como profissional e até como empresário, nunca foram tão grandes e é possível que se expandam ainda mais com a implantação do 5G, revolucionando a integração da vida das pessoas com a internet. Em todo caso, vale todo o cuidado para não “perder a mão” na condução do negócio com o distanciamento físico. A experiência mostra que quanto mais desenvolvido o modelo de gestão, com equipes identificadas com o estilo e a cultura da empresa e com bom nível de autonomia, menor a exigência de envolvimento operacional dos gestores e, portanto, maiores as possibilidades de distanciamento físico da operação.
*Por Rafael Dantas, repórter da Algomais (rafael@algomais.com)