Dom Helder Câmara pediu audiência com um importante empresário (e também político) por quem tinha admiração e amizade. Indagado sobre do que se tratava, o Dom respondeu que o mote era o estilo de vida do amigo. Ao encontrá-lo, demonstrando preocupação, o pai dos pobres disse ao bem sucedido que a correria escondia, sem ele notar, um medo de encontrar-se com si mesmo.
No texto em que narra esse episódio, Dom Helder afirma com sabedoria: “Tenho visto pessoas que parecem dinâmicas, decididas, fortes, sabendo pensar, sabendo querer, mas na hora de pensar em si, de olhar até o íntimo do íntimo, mil pretextos surgem, mal escondendo o meio pavor ou o pavor e meio de olhar de cheio para o próprio eu…”.
Isso foi escrito na década de 70. Acrescente agora 40 anos e chegarás à conclusão que o mundo mudou. Para pior! Além do trabalho em demasia, nos foi adicionado um ingrediente perigoso: tsunami de informações sem filtro algum. Tudo ao nosso alcance. Tenho refletido sobre o nosso ritmo frenético de cada dia, causado pelo excesso de trabalho e de conteúdo. Rapaz, as informações têm chegado em quantidade tão avassaladora que Tico e Teco andam se estranhando. Férias aos neurônios, exijo! Ócio para o cérebro, reivindico! Feliz de quem consiga represar o conteúdo da sociedade moderna. Mais feliz ainda quem filtra ou ignora. Notícias chegam em velocidade estonteante. Depois de meia hora aquilo já não é novidade. Você chega naquela roda de amigos para contar o que ninguém sabe e, surpresa! Sim, todo o mundo já sabe. Tudo está na palma da mão. A informação democratizou-se em demasia. Banalizou-se.
Entre as vinte e uma horas do jornal televisivo e as seis horas do dia seguinte, dois ministros já caíram. Quando o zelador entrega o jornal impresso, bem cedinho, já verbaliza que a manchete está desatualizada porque “saiu na internet, doutor, que…”.
Criei dependência psicológica da tríade jornal-café-banheiro. Talvez por isso não abandone nem tão cedo a tinta suja do impresso. Teria que fazer terapia para atitude tão corajosa. Mas não bastasse o jornal, tem também o Facebook, o Whatsapp, o podcast do Murilo Gun, os sites especializados em matérias jurídicas. Tudo contribui para hemorroidas. O que antes se fazia em dez minutos, agora leva-se uma hora, sentado ao trono. É o rei escravizado pelo excesso de informação.
A vida exige que eu saiba mais e trabalhe mais. Cada vez mais. Então, produtividade, eficiência e conhecimento é o que querem de mim. Run Forrest, Forrest Run! Com informação, estudo e trabalho em demasia, cuidado, o AVC se avizinha. A vida é atropelo, correria. Não vou deixar essa armadilha me pegar. Continuarei valorizando o trabalho. Ele é fundamental à vida como o próprio ato de respirar. “Sem o seu trabalho, o homem não tem honra e sem a sua honra se morre e se mata”, cantou Gonzaguinha. Mas decidi que, a partir de agora, o tempo é o meu. A batida é a minha.
Escravizar-se pelo mundo dos negócios 24 horas por dia é afastar-se de si mesmo. É preciso encontrar o ponto de equilíbrio. Estou com 40 anos e com tesão enorme pela minha profissão. Mas, na mesma proporção, com muito desejo de me conhecer melhor. Animado para olhar, como disse o Dom, “até o íntimo do íntimo”. Doar tempo ao “eu” de quem tanto me afastei.
Ninho de Palavras
Bruno Moury Fernandes
Até o íntimo do íntimo
- Publicado em
Assine nossa Newsletter
No ononno ono ononononono ononono onononononononononnon