Beatriz Braga, Autor em Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Beatriz Braga

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The White Lotus: em qual lado da moeda você está: Daphne ou Harper?

*Por Beatriz Braga Impossível assistir Daphne e permanecer alheio a ela. Impossível assistir The White Lotus 2 e não questionar-se em qual lado do termômetro Daphne-Harper você vive. De um lado, Daphne figura uma versão adulta de pollyana: "eu conheço o mundo e o vejo todo colorido". Com uma inegável esperteza, ela se recusa a ser vítima da sua existência e encontrou os meios para não deixar-se abalar. O que requer coragem, mas não deixa de ser uma falsa ideia de controle. Quem decide trair porque está sendo traída não é livre. Na cena triunfante da conversa com Ethan, ela deixa escapar uma sombra disfarçada: existe dor e tristeza em suas camadas menos superficiais. Apesar disso, ela parece ser a hóspede que mais se diverte e também que está mais confortável em ser quem é. Daphne não vê notícias, não lê, não vota, como se, ao evitar o mundo real, não precisasse assumir as suas próprias profundezas. Resta o true crime, maridos matando esposas na TV de casa, um flerte sádico com a realidade. Já Harper segue outro caminho. Ela questiona, julga, fica obcecada pelo quarto vizinho e está preocupada com o apocalipse. Porém, ao tentar desmascarar a vida alheia, distancia-se do que realmente lhe diz respeito: seu casamento e sua felicidade. Aponta a arrogância e a competição sem notar que tornou-se um exemplo perfeito do seu alvo. Eu não diria que Daphne é, necessariamente, mais feliz, mas certamente vive mais "leve" porque parece ter mais poder sobre suas emoções e escolhas. Do outro, pouco sabemos. Mas sobre nós, The White Lottus tem uma provocação: O que você faz com suas sombras? Você é realmente dono de suas escolhas? Quão protegidos estão os seus castelos? Eu não escolheria viver como Daphne, mas a primeira cena da temporada me deixou atenta: ela sempre teve a garantia da sobrevivência. E aposto que será a única a estar nas Maldivas, na próxima temporada, com seu sorriso constante e seu olhar misterioso. *Beatriz Braga é jornalista e empresária (biabbraga@gmail.com). Ela escreve a coluna Maria pensa assim para o site da Revista Algomais

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Tereza Costa Rêgo: 4 motivos para ir à exposição no Museu do Estado

Tereza Costa Rêgo nos deu inúmeros motivos para admirá-la diante de suas várias facetas, enquanto mulher, pintora, artista plástica.Trago, aqui, quatro de suas versões que permaneceram ressoando em mim depois de visitar a exposição Viva Tereza, Tereza Viva no Museu do Estado. A mostra, com curadoria de Marcus Lontra e Bruno Albertim, fica aberta até 27 de março. Tereza, a Guernica pernambucana A trilha sonora e a iluminação da exposição dão o tom dos quadros: viver e contar é para os fortes.A artista foi testemunha da ditadura brasileira, da chilena, da tensão de 1968 na Europa, foi exilada, precisou mudar de nome…A sua obra, logo, é atravessada por fatos históricos e a cor vermelha, sempre presente, fala da força, do sangue e da revolução. Na sala principal, está um dos seus mais impressionantes trabalhos: Tejucupapo. O painel, com seus incríveis oito metros de largura, representa a Batalha de Tejucupapo, quando um grupo de mulheres teria defendido a vila do ataque holandês no século 17.É a própria Guernica pernambucana, com mulheres ganhando a dimensão que lhes cabe: à frente da trincheira e da própria narrativa."Se a batalha aconteceu ou não, menos importa. Importa ter ficado o mito. Há anos, precisava vomitar essa história", escreve. Tereza, a despida Ao lado das histórias do mundo, está a sua autobiografia contada na ponta do pincel. Tereza foi filha da aristocracia pernambucana, criada para servir ao papel da sinhá.No entanto, para o bem da arte brasileira, rompeu com as regras. Boa parte disso está nos nus femininos: Tereza queria se desnudar para encontrar novas vestes.A exposição conta o seu despertar para um mundo artístico que já lhe aguardava, sedento pelo seu talento. Tereza, a incansável passarinha Ela é a pura demonstração da força que há sobre quem descobre sua missão na terra. Se é possível entender ao imaginá-la, aos quase 90 anos, pintando o grandioso Tejucupapo, é também possível captar a força de uma paixão pelas falas expostas: “Há dias em que pinto até a exaustão e vou dormir para recuperar as forças", diz. Ela também alerta aos admiradores: "Eu sou o voo, nunca o ninho." Tereza, a mulher e sua pintura Também está ali "A partida", no qual Tereza chora a morte do seu grande amor, Diógenes de Arruda Sampaio. O dirigente comunista morreu quando o casal voltava ao Brasil após o exílio.Para a artista, esse foi o momento no qual resolvia que abandonaria todos os outros postos para casar-se de vez com a tinta. Diante da maior dor, escolheu renascer. A pintura, então, se tornaria sua vida inteira e não mais apenas a sua paixão. "Ali, com ele morto diante de mim, enxuguei as lágrimas e resolvi. Chega. Chega de ser a filha do engenho, a bisneta do Conde da Boa Vista, a ex-esposa do juiz, a mulher do líder político. Ali, eu decidi. Seria apenas eu, uma mulher e sua pintura.” Tempos difíceis demandam inspiração. Faz bem beber do vermelho pernambucano, potente e destemido de Tereza para dar voz às nossas próprias forças internas e avassaladoras.Tereza é quem pergunta: quais vôos você ainda tem para voar?

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A perda do que nunca tivemos

Tem um poema de Pablo Neruda que diz assim: “se cada dia cai dentro de cada noite, há um poço onde a claridade está presa. Há que pescar a luz caída com paciência”. O sol tem um efeito Neruda em mim. Os pensamentos fatalistas e a melancolia da noite fazem menos sentido de manhã. E de dia tem roupa na máquina, o varal tá pesado, o café tá frio. Quando mais nova, cansava meu pai perguntando a importância de fazer a cama. Se vai usá-la de noite, por que arrumá-la pela manhã? Defendia os pratos limpos não guardados, a cama pronta para mais tarde. Assim sobraria tempo para a vida. Ele fazia a retórica: “por que tomar banho se vai se sujar?”, “por que viver se vai morrer?”. É que a repetição é a ordem natural do mundo. A volta da Terra nela mesma. O sol, a lua. Acordar, dormir. Limpar, sujar. Viver, morrer. Limitados fisicamente, grita em nós o que há de mais mundano. A rotina tem um fim em si própria. Tia Angela, mãe de Isadora, disse que o tempo agora é medido em dias. Porque o futuro é algo deveras intangível. Os planos para mês que vem são ridículos. O vírus nos colocou diante do óbvio: nunca tivemos controle. A verdade é que toda pergunta que já sabemos a resposta é sempre falsa. Isabel Allende em “Paula” relata quando percebeu a grandeza do ato de beber de água, enquanto vivia o terror de cuidar de sua filha em coma: “O meu braço se levanta e pega o copo com a força e a velocidade exata. Bebo e sinto os movimentos da língua e dos lábios, o sabor fresco na boca. O líquido frio baixando na garganta. Nada disso pode fazer minha pobre filha”. Lembro dela quando ouso ser ingrata. Na medida do tempo diário, vivemos e morremos todo dia. A perda do que nunca tivemos - o futuro - nos causa medo. Aprendi, pois, que o oposto do medo não é coragem, é amor. Amor é olhar na cara do monstro bem pertinho. Reconhecê-lo em nós mesmos. Entendê-lo. A palavra monstro vem do latino monstrum, que significa “avisar, prevenir”. A criatura inventada por Mary Shelley em Frankenstein avisava aos mortais do perigo da ambição do homem. Quando o monstro entende que causa terror, lamenta: se não posso inspirar amor, causarei medo. A escritora alertou: "nada é mais dolorosa para a mente humana que uma grande e repentina surpresa”. A natureza, sem medo do amanhã, carece de pressa. Ela faz do caos sua fantasia, mas é, na verdade, a ordem esperando ser desvendada. Regina Gianetti observou uma lagarta que inventou de virar casulo na sua janela. A observadora desenhou cenários terríveis para sua inquilina. O vento vai derrubá-la. A faxineira, espaná-la. A chuva, matá-la. Enquanto preocupava-se, o casulo parecia inerte. Será que morreu? Eu matei? Algo ruim aconteceu? O devaneio durou semanas. Um dia, a danada virou borboleta. Invisível e incompreensível à percepção humana, a natureza ocupava-se do seu processo fantástico de transformação. Criou asas. Voou.  O perigo nunca foi o mundo, o amanhã, o vírus, mas a nossa ignorância sobre eles. O perigo é olharmos e não nos reconhecermos no monstro. A cada manhã, o mundo se recria. Quem sabe agora ele esteja se preparando para virar borboleta. E quando o pavor fizer morada, a roupa tá suja, o varal tá pesado, o café tá frio. Bebe um copo de água. O céu coloriu. Alaranjou. Vai cair mais uma vez dentro do poço. Agora, há que pescar a luz caída, enquanto enxergamos sentido nisso tudo, porque senão, pra que viver se vai morrer?

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Empresas sexistas perdem dinheiro e oportunidades (por Beatriz Braga)

*Por Beatriz Braga Se você não enxerga diversidade no trabalho como uma necessidade, você não está apenas atrasadx socialmente, como também corre risco de estar perdendo dinheiro e oportunidade de crescimento. Tive a chance de ir ao Web Summit - uma das maiores conferências tecnológicas do mundo que aconteceu no começo do mês em Lisboa - e o assunto “disparidade de gênero” foi recorrente. Que privilégio ouvir tantas líderes - de vários países e etnias - tocando na ferida do ‘gender gap’ em um evento cujo setor é dominado por homens. As pesquisas mostram o óbvio: quanto mais uma empresa é diversa, mais demandas e mais públicos poderá acolher com eficiência. Mais diversidade, mais lucro. O avanço na igualdade salarial de homens e mulheres traria uma injeção de 12 trilhões de dólares na economia global até 2025 segundo o estudo da McKinsey Global Institute. No entanto, apesar do tema já ser tratado há dez anos, a distância entre homens e mulheres está aumentando. Mulheres continuam a ser pagas, em média, 20% menos (Global Wage Report) mesmo com níveis de educação superiores e a previsão para que essa diferença seja eliminada são de mais de dois séculos para frente. O problema é que, além das mulheres ganharem menos, homens tendem a ter seus salários aumentados com mais rapidez. Além disso, temos menos acessos às indústrias onde se ganha melhor e somos mais propensas a trabalhos de meio período, a dar um tempo no emprego por conta da maternidade e a dedicarmos mais energia à casa e à família. Uma das grandes dificuldades, como explica Randi Davis (United Nations Development Programme), é que as barreiras continuam por toda vida útil de trabalho, inclusive em escalas subjetivas. Davis pede atenção ao “unconscious bias” (preconceito inconsciente) por parte dos colegas de trabalho que impedem os avanços das mulheres dentro das empresas. É o que mostra o case de “Heidi e Howard”. Uma mesma tese científica assinada por esses dois nomes diferentes foi posta sob análise para uma turma da Escola de Negócios de Havard, para a qual foram feitas perguntas sobre o teor do trabalho e do suposto autor(a). O resultado: o projeto foi classificado igualmente como bem feito e eficaz, porém os estudantes estariam dispostos a trabalhar com Howard, mas não com Heidi, sobre quem diziam “merecer menos”, ser “menos agradável” e “mais egoísta” que seu concorrente. A pesquisa foi realizada depois com outros nomes e obteve a mesma conclusão, simpatia e sucesso estão correlacionados apenas para homens. Heidi Roizen - que inspirou o estudo - é uma executiva do Vale do Silício que disse ter aprendido que mulheres precisam saber que vão decepcionar por serem bem sucedidas. Esse quadro e o fato de que líderes homens são a grande maioria no mundo (um estudo da CIPD mostrou que os executivos-chefes das maiores empresas listadas na bolsa de Londres têm mais probabilidade de serem chamados Dave do que de serem do sexo feminino), nos leva a uma verdade inconveniente, dita pela diretora do Women´s Forum Chiara Corazza: “A primeira coisa a ser feita é convencer os homens de que mulheres são capazes e vão trazer performance e valor para seus negócios”, afirma. É preciso, pois, um comprometimento dos altos escalões. Susie Wee, vice-presidente da Cisco Systems, possui um time no qual mais da metade são mulheres, num campo de atuação bem sexista, o setor tecnológico. “É possível”, diz ela. Para começar, a expert sugere que os líderes requisitem listas de candidatos 50%-50% (metade mulheres, metade homens) e escolher, dentre eles, xs melhores. “Um dos nossos VPs fez isso e acabou com duas executivas fenomenais contratadas. A igualdade no começo do processo alargou os padrões”. Para Susie, os detalhes também fazem a diferença, como o dia que precisou levar o filho bebê para uma conferência e foi bem recebida pelo chefe. No Web Summit, muitas palestrantes fizeram um convite às empresas de tecnologia: ferramentas inteligentes devem fazer a diferença nesse processo de mudança. “Precisamos tornar as vida das mulheres trabalhadoras mais flexíveis”, diz Chiara Corazza, uma vez que os ambientes corporativos foram pensados para as demandas masculinas. Algumas ideias interessantes surgiram para compor o dia-a-dia das grandes corporações: um aplicativo que meça a quantidade de vezes em que a mulher é interrompida nas reuniões (vide o maravilhoso “arementalkingtoomuch.com”); outro que possa medir a quantidade de ideias vinda de mulheres e se elas são reconhecidas; e a chamada talvez mais importante: “financiem mulheres!”, aconselhou Randi Davis à plateia. “Eu conheci profissionais fantásticas aqui e elas dizem que é muito, muito difícil conseguir financiamento, recursos e acesso à indústria tecnológica”, completou. É válido lembrar que o esforço do meio privado não será eficiente se o governo não se comprometer com as grandes causas. Chiara falou sobre o caso da França. “Há 5 anos, existia menos de 8% mulheres nas diretorias. Hoje são 40% de líderes, somos o número 1 do planeta por conta da lei. Mas as mulheres foram preparadas para isso” afirma, lembrando que a sociedade precisa criar líderes desde crianças. Enquanto o país de Macron subiu de 20ª para 11ª no ranking de igualdade do Fórum Econômico Mundial entre 2006 e 2017, o Brasil caiu da 67ª para 90ª. Sobre algumas das assertivas franceses temos: o primeiro escalão de governo dividido igualmente; garantia de licença maternidade paga pelo governo; o orçamento do órgão que combate a desigualdade cresceu 13% em 2017 e um sistema de penalidades financeiras para setor público e privado que descumprirem as obrigações de paridade de gênero. Toda vez que eu ouvi, durante o Web Summit, que o cerne da questão está no exemplo que as grandes empresas e o governo devem fazer para criar um mundo mais diverso, lembrei de Bolsonaro afirmando que não pagaria o mesmo salário para homem e mulher ou que sua filha foi fruto de uma fraquejada. Se não podemos esperar que o exemplo venha de cima no Brasil, pois então comecemos de baixo, ensinando a cada garota a nosso alcance que números, ciência, política

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