Bruno Queiroz, Autor em Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Bruno Queiroz

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Falta de entendimento entre ambientalistas e desenvolvimentistas compromete o futuro

Não é de hoje que as diferentes visões de mundo dos ambientalistas e dos desenvolvimentistas são um grande problema que precisa ser resolvido. Essa disputa, que vinha sendo liderada pelos desenvolvimentistas nas últimas décadas, está tomando novos contornos com a crise climática e os ambientalistas parecem estar virando o jogo daqui para frente. Mas há muitas consequências para o Brasil se esse embate for mantido e não houver uma visão negociada para o tema. Do ponto de vista dos desenvolvimentistas, somente o crescimento da economia pode gerar riquezas capazes de proteger o meio ambiente. A lógica é que o progresso econômico cria recursos que podem ser usados na pesquisa de novas formas de produção que reduzam o impacto ambiental. Dessa forma, o ritmo do desenvolvimento não precisa ser alterado, pois a eficiência produtiva é o caminho para diminuir o impacto ambiental. Por outro lado, a visão dos ambientalistas é de que o ritmo do desenvolvimento atual é o grande causador da crise climática que estamos presenciando com mais intensidade a cada dia. O conceito é exigir menos da natureza para podermos não só preservar os recursos que restam como começar a regenerar o que foi destruído. Para isso, de acordo com os ambientalistas, é preciso haver um freio no desenvolvimento econômico. Enquanto esse debate se intensifica e não há perspectiva de uma visão negociada para o desenvolvimento sustentável, algumas consequências já podem ser vistas. Por não termos uma política de estado nessa área, a insegurança toma conta e afeta decisões importantes na oferta de bens e serviços essenciais para o Brasil no futuro, como geração de energia, fabricação de combustíveis e produção de alimentos, por exemplo. Até porque investimentos como esses levam anos para serem construídos e começarem a operar. A exploração de petróleo na margem equatorial é um exemplo. Sem uma visão de futuro para a transição energética, pode faltar combustível, seja ele renovável ou fóssil. Sem um sinal claro de qual será o caminho, não há investimentos em ambos os lados e o Brasil pode passar de exportador para importador, afetando a oferta e, principalmente, o custo, com impacto direto na inflação. A falta de uma política de Estado nessa área tem proporcionado decisões esquizofrênicas. Na aprovação da reforma tributária na Câmara dos Deputados, o carro elétrico foi taxado, além do IVA, com o Imposto Seletivo. Esse tipo de tributação tem o objetivo de reduzir o consumo de produtos que fazem mal à saúde (álcool, açúcar, tabaco) e ao meio ambiente (extração de minérios, petróleo e gás). Foi usado, porém, como uma das formas de conter a invasão dos carros elétricos chineses no Brasil a preços mais competitivos do que os produtos nacionais. Um jabuti, como se diz no jargão político. Na prática, a medida correta deveria ser alfandegária. Com isso, os legisladores dão sinais contraditórios para o futuro. Que tipo de matriz energética queremos para o futuro? Em que a tecnologia a indústria deve investir para as próximas décadas? Some-se a essa disputa interna uma pressão externa. Países mais desenvolvidos economicamente, que consumiram grande parte dos seus recursos naturais nesse processo, querem influenciar decisões nacionais sobre seus próprios meios naturais. Isso nada mais é do que uma nova forma de colonialismo, disfarçada de barreiras econômicas e ambientais que só valem para os outros. Tudo isso tem a ver, no final das contas, com a soberania nacional brasileira. Só cabe a nós decidirmos sobre o que queremos para o futuro. Nessa questão ambiental, não há vencedores. Nem do lado dos desenvolvimentistas, nem dos ambientalistas. Até porque vivemos no mesmo território e as consequências de decisões erradas serão pagas por todos nós. A sustentabilidade é o caminho mais viável, mas é preciso haver também uma ampla discussão em torno da diversidade, da integração e, principalmente, de uma visão coletiva de futuro. Sem isso, o debate tende a se restringir apenas aos interesses de grupos. O interesse nacional fica em segundo plano, colocando-nos em posição vulnerável à insegurança econômica e aos interesses externos.

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Como a ideologização, a coletivização e a monetização estão formatando as "tribos-bolhas"

*Por Bruno Queiroz Ferreira Tenho discutido aqui na coluna da Algomais inteligência artificial, transição energética, crise climática, envelhecimento da população e intergeracionalidade como fatores que vão impactar o futuro das pessoas, das empresas e dos governos. No artigo desta edição, trago um novo fator que precisa ser observado e analisado com a mesma importância dos demais: a consolidação das tribo-bolhas. A primeira causa desse novo estilo de vida é a ideologização. Se o comportamento ideológico estava associado historicamente às religiões e, mais recentemente, à disputa eleitoral, o que se vê agora é o espalhamento para vários segmentos da sociedade. Podemos dizer, inclusive, ser uma tendência em processo de consolidação, que deve ser incorporada ao estilo de vida daqui para frente. O debate ideológico se ampliou da moral religiosa e do posicionamento político para as questões de gênero (binários X não binários), de raça (brancos X pretos), geográficas (nordestinos X sulistas), econômicas (socialismo X neoliberalismo), de regimes de governo (democracia X autocracia) e, até mesmo, científicas (pró-vacinas X antivacinas). Não basta mais casar, ter filhos, emprego, pagar boletos e fazer um churrasco no final de semana, é preciso ter uma opinião sobre quase tudo, como diria Raul Seixas. Se antes era possível viver ao largo disso, atualmente há uma “pressão” para que a ideologia seja expressa e se torne uma bandeira de vida. Não apenas nas rodas de amigos, mas também no trabalho, na família, na vizinhança e em outros grupos sociais. O mais grave é que a ideologização leva a uma lógica binária (se não está do meu lado, está contra mim) que segrega as pessoas e impede o convívio com as diferenças. Na prática, é o “nós contra eles” permanente: das expressões artísticas às manifestações públicas, diferentemente do ato de torcer por um time, por exemplo, que separava as pessoas apenas no momento do jogo. A segunda causa é a coletivização. Potencializada pela ideologização, pelo amplo alcance e alta velocidade de disseminação das redes sociais, grande parte dos temas subiram de patamar e se tornaram coletivos. Uma guerra no Leste da Europa ou no Oriente Médio, por exemplo, é de todos nós agora. Não basta ser Lula ou Bolsonaro, também temos que escolher um lado entre ucranianos e russos, palestinos ou judeus e, até mesmo, entre Biden e Trump, mesmo que isso não afete nossas vidas, na prática. Além disso, a coletivização está diminuindo o espaço de expressão individual. Estigmatizado pelo maniqueísmo e pela simplificação, o comportamento coletivo acaba se sobressaindo em relação ao ser humano. Portanto, se você é homem, logo você é machista. Se você é mulher, logo você é feminazi. Se você é preto, logo você é ladrão. Se você é branco, logo você é opressor. Conviver com as contradições está ficando mais difícil a partir da ótica da ideologização e da coletivização das causas. O contraditório está perdendo espaço. A terceira causa é a monetização. A começar pela carona pega na ideologização e na coletivização, marcas se associam às causas criando produtos específicos para explorar mercados cada vez mais segmentados e desconectados com o todo. O que poderia ser, em um primeiro momento, perda de consumidores de ideologia contrária, na verdade, se configura em aumento de vendas e fidelidade de consumidores de ideologia a favor. Isso reforça ainda mais o comportamento das tribos-bolhas. A monetização avançou também para a exploração da “pessoa”. Se antes apenas o produto resultante da agricultura, das fábricas e dos serviços eram comercializados, o indivíduo é o grande produto agora. Por outro lado, o estilo de vida ou a opinião não é mais baseada nas próprias convicções. Elas estão a serviço da construção de notoriedade, para vender palestras, cursos, treinamentos, livros etc., mesmo que não se tenha autoridade no assunto. Do lado institucional, isso também vale para as causas. A ideologização, a coletivização e a monetização estão nos levando, no final das contas, à radicalização e ao separatismo, como no passado remoto das tribos, que viviam isoladas, voltadas para suas próprias questões. Infladas pelas redes sociais, as tribos-bolhas promovem uma visão distorcida de uma realidade mais complexa. As tribo-bolhas limitam o debate amplo – desconsideram a diversidade e a inclusão – e se tornam um grande meio de propagação de intolerâncias e preconceitos.

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"Crescimento da IA, de carros elétricos e das ondas de frio e calor podem causar apagão"

Por Bruno Queiroz Ferreira O Brasil possui uma das matrizes elétricas mais sustentáveis entre as grandes economias do mundo. Diferentemente dos EUA e da China, por exemplo, que geram grande parte da energia por meio do carvão e de combustíveis fósseis, mais de dois terços da energia nacional provêm de fontes limpas, como hidráulica, solar e eólica. Por outro lado, se não houver um planejamento adequado para a transição energética, fatores tecnológicos e climáticos podem impactar o sistema e causar a insuficiência de energia no futuro. Um desses fatores é a adoção crescente da inteligência artificial pelas empresas e pelos usuários. Segundo a Agência Internacional de Energia, uma pergunta respondida por inteligência artificial consome 2,9 watts-hora (Wh), cerca de 10 vezes mais do que uma pesquisa no Google, por exemplo. O maior consumo de energia pelo uso dessa tecnologia se dá também pela necessidade de refrigeração dos data centers, que são responsáveis por hospedar as aplicações de IA e funcionam 24 horas por dia. Um estudo do Governo Federal mostra que a evolução da carga prevista para os data centers terá um grande crescimento na próxima década, chegando a 2,5 GW até 2037, apenas considerando novos projetos nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Ceará. Atualmente, existem 12 projetos de data centers que precisam de acesso à rede de transmissão de energia elétrica, de acordo com o Ministério das Minas e Energia. Outro fator tecnológico que pode impactar o sistema elétrico nacional é o aumento do uso de baterias. Não só pelos equipamentos eletrônicos, que cresceram ao longo das últimas décadas, mas principalmente pelos carros elétricos. Se a tendência de crescimento nas vendas desse tipo de veículo registrada nos dois últimos anos for acelerada, em consequência haverá aumento de demanda por energia. A questão é se a oferta pelas geradoras poderá acompanhar o mesmo ritmo da demanda. Fatores climáticos também entram nessa conta. A tendência de alta da frequência e da intensidade dos eventos climáticos extremos, que estão sendo registrados em todas as regiões do Brasil e provocam ondas de calor e frio, por exemplo, indica a possibilidade de aumento contínuo do uso de condicionadores de ar e aquecedores, entre outros equipamentos, nas residências e nos escritórios nos próximos anos. Para resolver a questão da eventual falta de energia no futuro, não basta produzir mais energia. A questão é mais complexa. Isso porque data centers, condicionadores de ar e aquecedores, por exemplo, necessitam de fornecimento estável, um tipo de fonte que é capaz de gerar energia de forma contínua, sem depender de variações de horários e condições climáticas. Mas esse tipo de energia, fornecida principalmente por hidrelétricas, está limitada atualmente no Brasil quando se trata da geração em grande escala. A legislação ambiental atual impõe muitas restrições ao licenciamento de usinas de energia hidráulica que se baseiam na inundação de grandes áreas para a formação de reservatórios de água, como vistos nas décadas passadas no curso do Rio São Francisco, por exemplo. Por outro lado, o aumento da produção de energia solar e eólica também não resolve o problema. Como dependem da incidência do sol e dos ventos, são do tipo intermitentes. Em outras palavras, não possuem a capacidade de geração contínua, como as hidrelétricas. À noite, por exemplo, quando o consumo é maior, a geração de energia estável das hidrelétricas pode não ser suficiente para atender a todos em um cenário de demanda crescente por energia. Além disso, ainda não há – do ponto de vista tecnológico, econômico e ambiental – uma solução em grande escala que armazene a energia intermitente para ser usada nos horários que não pode ser gerada. Atualmente, as baterias não conseguem guardar o suficiente para prover altas demandas, seu custo de aquisição é muito alto e o processo de produção e descarte dos acumuladores é poluente. Uma solução é o uso do gás para expandir as termelétricas, que podem gerar energia do tipo estável. Apesar de ser menos poluente do que outras matrizes que emitem carbono, as discussões para implementação da reforma tributária indicam que combustíveis fósseis podem ter uma taxação adicional à alíquota padrão do IVA. O Imposto Seletivo, nessa direção, se torna um componente para o aumento do preço da conta de luz e para o desestímulo econômico à construção de novos empreendimentos de produção de energia estável à base de emissão de carbono. O que se pode concluir, a partir desses elementos, é que as próximas décadas apontam para um provável cenário de insegurança energética e com aumento de preço. Essa combinação tem o potencial de causar um efeito dominó na economia. Isso porque a energia é um dos principais insumos de produção e de comercialização de produtos e serviços. E pode vir a ser também de distribuição, se for confirmada a tendência de substituição dos veículos movidos a combustíveis fósseis por veículos elétricos. Portanto, assim como será necessário enfrentar, nas próximas décadas, as consequências do rápido envelhecimento e da diminuição da população brasileira, da substituição de empregos pela IA e dos impactos dos eventos climáticos extremos, há também uma grande questão para o Brasil do futuro: a transição energética e o desafio de produzir e distribuir energia limpa, estável e de baixo custo.

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Uso de tecnologia tornará idosos do futuro mais parecidos com jovens do presente

*Por Bruno Queiroz Ferreira Uma das principais consequências da transição demográfica brasileira é o envelhecimento acelerado da população. Com taxa de natalidade em queda e índice de longevidade em alta, os idosos se tornarão mais relevantes para os mercados nas próximas décadas. Mas quem são os “idosos do futuro”? Como se comportarão, como viverão, o que vão consumir, o que pensam? A hipótese é que os idosos do futuro serão bem diferentes dos idosos como conhecemos atualmente. Isso porque, pela primeira vez na história, a geração posterior não é uma continuidade da anterior. A Geração X (1965-1984), que foi uma melhoria da Baby Boomer (1945-1964), e a Geração Y (1985-1999), que foi uma evolução da Geração X, não fizeram sucessora a Geração Z (2000-2010). O rompimento da tradição foi causado, principalmente, pelo acesso sem barreiras ao conhecimento proporcionado pela popularização da internet e do celular. O uso intensivo dessas tecnologias pela Geração Z “quebrou” a exclusividade da transferência do conhecimento do “mais velho” para o “mais novo”, interrompendo também a transmissão de hábitos e comportamentos entre gerações. Com isso, a Geração Z criou seus próprios hábitos, pensamentos e valores. E, é provável, que o contrário aconteça. A necessidade de acesso à internet e de uso da tecnologia na vida e no trabalho fará com que as gerações mais antigas, especialmente a X e Y, passem a adotar, gradativamente, o novo modo de “vida conectada” dos mais jovens. Nesse sentido, os idosos da próxima década devem ser mais parecidos com os integrantes da Geração Z. No futuro, a tendência é que pessoas acima de 60 anos vão preferir morar sozinhas, mudarão de carreira com mais frequência, passarão mais tempo no celular, trocarão acomodação em hotéis por AirBnb's, usarão menos carros próprios e mais veículos compartilhados. Os idosos do futuro alugarão mais em vez de comprar imóvel para ter liberdade de morar em outros locais. Investirão mais tempo e dinheiro em experiências, como viagens e dispositivos tecnológicos. Farão mais intercâmbios profissionais e acadêmicos em outras cidades e países, assim como cuidarão mais da alimentação e do corpo. Terão, diferentemente dos idosos do presente, níveis educacionais mais elevados e serão consumidores mais conectados e preocupados com a sustentabilidade. Por outro lado, pouparão menos para a aposentadoria, terão que trabalhar por mais tempo e deixarão heranças menores (talvez, nem deixarão) para seus filhos. A grande questão será o agravamento da saúde mental. Em níveis crescentes no presente, em virtude principalmente de uma vida mais digital do que presencial, a tendência é uma escalada de casos de depressão e ansiedade entre os idosos do futuro. E suas consequências na vida prática, como menos horas úteis de trabalho e mais gastos em saúde pública. Olhando em perspectiva, a mudança de comportamento das Gerações X e Y, assemelhando-se ao comportamento da Geração Z, indica que as diferenças geracionais serão cada vez menores no futuro. Portanto, a separação dos consumidores apenas por faixa etária se tornará imprecisa. É muito possível que, por esse motivo, a classificação por geração caia em desuso. Em seu lugar, deve surgir a análise por grupos de consumo, reunindo pessoas com mesmos interesses e padrões. Como vimos, o futuro aponta para um mundo mais “plano” quando se fala de comportamento de pessoas e consumo. O envelhecimento da população com mais acesso à tecnologia é um fato no presente que aponta para um cenário provável no futuro. Por isso, precisa ser analisado e considerado desde já nos planejamentos de empresas, instituições e governos daqui por diante.

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Feliz 2034: um convite para curar a miopia estratégica e criar um futuro melhor

Como driblar a falta de visão de longo prazo em meio às transformações aceleradas nas organizações do Século 21? (Foto de abertura gerada com IA pelo Bing) Pelo ofício de futurista e palestrante, tenho escutado de empreendedores, líderes e gestores uma dificuldade cada vez mais comum na atividade empresarial: não conseguir enxergar, com clareza, os próximos passos de suas organizações. O grave disso é que esses profissionais — há 10, 15, 20 anos — sabiam qual o melhor caminho a percorrer. O que tem acontecido para que essa sensação de miopia estratégica venha se tornando predominante nos dias de hoje? Uma das causas é o processo de aceleração das mudanças sociais, econômicas, ambientais, sanitárias, políticas e, principalmente, tecnológicas. Esses fatores sempre estiveram presentes ao longo da história, mas em ritmo lento, comparado ao que vivemos atualmente. Por isso, era possível avaliar e reagir aos seus impactos com menos esforço e mais certeza. Em minhas palestras, apresento um comparativo dos Séculos 19, 20 e 21, que demonstra bem isso. A quantidade de tecnologias criadas nos últimos 30 anos já supera a soma dos Séculos 20 e 19. Ou seja, nas últimas três décadas, avançamos mais tecnologicamente do que em 200 anos. O que ajuda a entender a Lei de Retornos Acelerados, de Ray Kurze, da Singularity University. Para Kurze, a lei estabelece um princípio universal sobre o crescimento exponencial das tecnologias, que dobra o seu poder a cada ano. A Lei dos Retornos Acelerados aumenta o ritmo de evolução da humanidade, contribuindo também para a elevação da sua complexidade. Nessa direção, podemos esperar avanços tecnológicos mais rápidos e com mais impacto daqui para frente. Uma forma para não se perder nesse ambiente acelerado e complexo é ampliar a visão com a lente do longo prazo. Em vez de pensar apenas nas metas de 2024, por exemplo, olhar para um horizonte de 10 anos. Isso permite compreender melhor as mudanças e suas direções, possibilitando ligar os pontos que não conseguimos quando olhamos apenas para o curto prazo. É muito comum nas organizações que a proporção entre cuidar das questões do passado, das atividades do presente e do planejamento para o futuro seja, na média, 20%, 70% e 10%, respectivamente. Para gerentes e supervisores, por exemplo, essa divisão não é tão comprometedora. O foco é operacional mesmo. Então, o presente precisa de mais atenção. Até para não comprometer o futuro. Por outro lado, para empreendedores e C-levels, o foco demasiado no presente é um tiro no próprio pé. O ideal é que a visão de longo prazo seja predominante. Uma boa conduta é adotar o padrão de 10% para o passado, 20% para o presente e 70% para o futuro. Logicamente, essas visões precisam estar conectadas a uma abordagem de back casting, que trabalha o presente a partir de cenários de futuro, para criar o melhor caminho até lá. Essa mudança de postura proporciona menos incerteza nas decisões, menos esforço para eventuais correções de rumo e mais sustentabilidade ao negócio, devido à antecipação dos riscos. Além disso, traz também confiança para inovar produtos, criar serviços e, até mesmo, explorar novos mercados. Como exercício para alongar a visão, compartilho aqui uma parte da minha base de estudo sobre o futuro, que analisa agentes de mudança transversais com potencial de atingir a maioria dos mercados. O primeiro agente é a transição demográfica da população brasileira, que aponta um Brasil com menos crianças e jovens, mais mulheres economicamente ativas e com predominância de idosos. O segundo agente é o impacto da IA no mercado de trabalho, que pode ser, ao mesmo tempo, uma ameaça ao emprego e uma aliada para superar as dificuldades do final do ciclo do bônus demográfico. Outro agente é a consequência da crise climática nas cidades, que vai criar questões para serem resolvidas nas áreas de moradia, mobilidade e, principalmente, infraestrutura dos serviços básicos. Por fim, é importante também considerar a intergeracionalidade. Pela primeira vez na história, na próxima década, teremos cinco gerações (BB, X, Y, Z e Alpha) convivendo em vários ambientes. A depender de como é vista e abordada, pode ser um grande problema como também proporcionar muitas oportunidades, tendo a diversidade como o fio condutor. Então, praticando desde já a visão de longo prazo, um Feliz 2034 para todos nós.

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Mesmo sob ameaça, modelos de negócios arrogantes não enxergam a comunidade

*Por Bruno Queiroz Ferreira Decisões recentes do poder público podem afetar o modelo de negócios de Airbnb e Uber, duas das principais plataformas de internet, que servem de exemplo para outras iniciativas digitais no mundo. Acostumados a atuar livremente na última década, esses aplicativos mantêm postura arrogante e preferem o enfrentamento no lugar do diálogo e da colaboração com a comunidade. No caso do Airbnb, a Prefeitura de Nova Iorque implantou novas regras para o uso da plataforma na cidade. Desde setembro, os anfitriões só podem alugar o imóvel se residirem nele. Imóveis exclusivos para ofertar o serviço de aluguel temporário não serão mais permitidos. Os proprietários também precisam estar presentes na residência durante toda a estadia dos visitantes. E o serviço somente pode ser prestado a uma pessoa por vez. Além disso, a prefeitura passou a exigir um cadastro dos proprietários para disponibilizar o imóvel na plataforma do Airbnb ao custo de US$ 145, que precisa ser renovado a cada dois anos. E os infratores das novas regras terão que pagar multas que variam de US$ 1 mil a US$ 7.500. Medidas duras que tentam regular o mercado de aluguel temporário, que estava prejudicando fortemente o segmento tradicional de hotéis e criando uma “bolha” imobiliária nas áreas mais nobres da cidade. A ação da Prefeitura de Nova Iorque parece estar dando certo para conter o desequilíbrio de mercado. Tanto que, após um mês de implantação, houve uma redução de 75% da operação do Airbnb na cidade que nunca dorme, de acordo com informações do Financial Times, jornal norte-americano especializado em economia. Um grande baque no Airbnb, que tem em Nova Iorque uma de suas principais praças de operação. Aqui no Brasil, na semana passada, o Uber também foi atingido por medidas legais. A Quarta Vara do Trabalho de São Paulo condenou a plataforma de transporte a pagar R$ 1 bilhão em danos morais coletivos e a assinar as carteiras de trabalho de todos os motoristas. A ação foi proposta pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) após denúncia feita pela AMAA (Associação dos Motoristas Autônomos de Aplicativos) relacionada às condições de trabalho. Até o ministro do Trabalho entrou na questão. Luiz Marinho disse: "Se a Uber quiser sair do Brasil, o problema é só da Uber, porque outros concorrentes ocuparão esse espaço, como é no mercado normal". Outras plataformas, como o Ifood, têm reclamações semelhantes de restaurantes e entregadores. Tanto no caso do Uber quanto no caso do Airbnb as ações do poder público de conter os excessos não foram tomadas de um dia para outro. São parte de um longo processo de entendimento do problema e de suas consequências. A questão central das medidas da Prefeitura de Nova Iorque e da Justiça do Trabalho no Brasil é que modelos digitais de negócios do tipo “arrasa quarteirão”, como Airbnb e Uber, não dialogam com o poder público e com a comunidade. Sem desmerecer as inovações e benefícios que trazem para os consumidores, a atuação centrada apenas no lucro é arrogante e desconexa com valores modernos, como sustentabilidade econômica e proteção social. Esse tempo de “terra sem lei”, no qual as plataformas cresceram e se estabeleceram na última década, parece estar chegando ao fim. A regulamentação em bases equilibradas beneficia todos os lados. As plataformas precisam entender que é melhor colaborar do que ficar à margem da legalidade, mesmo que essa postura continue aumentando os lucros. Até porque, pior do que adotar a política do enfrentamento, é ser visto pelos consumidores como serviços danosos à cidade ou aos trabalhadores, por exemplo. Quando se chega nesse ponto, é muito difícil reverter. E todos saem perdendo: mercados, empresas, trabalhadores e clientes. Por fim, vale dizer que modelos de negócios bem-sucedidos no futuro serão aqueles com foco no ser humano e não mais aqueles com foco exclusivamente no retorno financeiro.

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Envelhecimento é ameaça ao futuro, tanto quanto inteligência artificial e crise climática

E stamos tão absorvidos com o debate sobre inteligência artificial e crise climática que uma mudança tão importante quanto essas está sendo deixada de lado: a transição demográfica da população brasileira. Consequência da combinação da queda da taxa de natalidade e do aumento da expectativa de vida, que se aceleraram nas últimas décadas, o perfil do brasileiro do futuro causará grandes impactos sociais e econômicos. Apesar disso, esse tema não está na pauta das discussões estratégicas do País. De acordo com dados do IBGE, na década de 1940, a expectativa de vida no Brasil era em média de 45,5 anos, alcançando 76 anos em 2018. A partir de 2042, deve ultrapassar o patamar dos 80 anos, podendo chegar a 84,49 em Santa Catarina, em 2060, por exemplo. Isso é fruto, de uma forma geral, do aumento da qualidade dos tratamentos de saúde, assim como da ampliação de serviços, como fornecimento de energia, coleta de lixo e saneamento, obtidos nas últimas décadas. Em relação à taxa de natalidade, a média de filhos por mulher era de 6,2 entre 1940 e 1960. Essa taxa chega a 1,7 atualmente, ficando abaixo do que seria necessário para a reposição da população, que é de 2,1 filhos por mulher. Isso tem ocorrido pelas consequências da rápida urbanização, do aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, do acesso ampliado aos métodos contraceptivos e do novo comportamento dos jovens, que priorizam o trabalho e a diversão em detrimento da família. Dados divulgados em junho deste ano pela Pnad Contínua Domicílios e Moradores mostram o nível de aceleração da transição demográfica no Brasil. E que já se torna um problema não só para o futuro, como também para o presente. Em 2012, 49,9% dos brasileiros tinham menos de 30 anos. Essa fatia caiu para 43,3% em 2022. Os jovens agora são menos da metade da população brasileira. O percentual de idosos (60 anos ou mais) subiu de 11,3% para 15,1% no mesmo período. Do ponto de vista do estado, uma população mais idosa significa mais investimentos em saúde. Não apenas devido aos tratamentos mais caros, como para os variados tipos de câncer, mas também pelos mais longos em virtude das doenças crônicas — diabetes, obesidade, osteoporose e pressão alta— que tendem a aumentar com o envelhecimento. Por outro lado, a menor taxa de natalidade implica em menor quantidade de crianças. Essa tendência traz como consequência menos necessidade de maternidades e creches, por exemplo. Outra demanda em declínio é por novas escolas de ensino fundamental, podendo até ocorrer fechamento de unidades em regiões nas quais a velocidade da queda da taxa de natalidade seja alta. Se uma tendência compensa a outra sob o aspecto do orçamento público, não sabemos ainda, pois não há o devido investimento em estudos técnicos nessa direção. Mas nos faz pensar, por exemplo, em ideias para transformação de escolas esvaziadas em centros sociais, que podem oferecer serviços públicos para jovens, adultos e idosos, ligados à educação, saúde, esportes, requalificação profissional, entre outras possibilidades. Mas esse debate não existe atualmente. A tendência de “menos jovens e mais idosos” também traz problemas para o mercado de trabalho. O primeiro deles é o aumento do déficit da previdência, pois haverá cada vez menos jovens para contribuir e mais idosos para usufruir. Outra questão é a falta de trabalhadores para o preenchimento de novas vagas. O que pode ocasionar resultados menores no PIB e na arrecadação de impostos. Custos sociais em crescimento com estagnação do orçamento público: uma conta preocupante. Diferentemente do Brasil, em países como Portugal, Espanha, Itália e Japão, essa questão está na pauta do dia. Nesses locais, os governos flexibilizam a entrada de imigrantes jovens, reduzem alíquotas do IR para casais com filhos pequenos, ampliam a rede de suporte à maternidade, flexibilizam leis trabalhistas e até mesmo pagam renda universal por filho. Mesmo assim, não tem sido vista a reversão da tendência, mostrando que é um problema grave e de solução lenta e complexa. A grande questão da transição demográfica acelerada para o Brasil, em comparação com outros países, é que o envelhecimento e a diminuição populacional chegarão antes que tenhamos um padrão de bem-estar social elevado. Isto é, o Brasil terá expectativa de vida de países ricos, porém com proteção social insuficiente para o novo perfil do cidadão.

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Impedir o avanço da Inteligência Artificial ou se juntar a ela, eis a questão?

Tudo que é novo traz medo e incerteza. É isso que está ocorrendo com a inteligência artificial neste momento. Por um lado, algumas ameaças são de ordem prática e com efeito de curto prazo. Por outro, são exageradas e estão no campo da ficção. Mas há uma grande questão a ser respondida. Sucumbir ao medo e apoiar o impedimento da IA ou se juntar a ela para ajudar a definir seu rumo e beneficiar a humanidade? Vamos aos medos. O primeiro medo mais comum é o desemprego em massa. De fato, as consequências no mercado de trabalho serão de grande proporção. Isso porque as aplicações de IA promovem, ao mesmo tempo, aumento de produtividade, de qualidade e de escala. Dispositivos associados à IA, por exemplo, fazem o trabalho mecânico e repetitivo melhor, mais rápido e mais barato do que os humanos. Além disso, a inteligência artificial possui uma grande capacidade transformadora, alta velocidade de implantação e muita intensidade em seus impactos. Por isso, o balanço final entre geração e fechamento de vagas devido às consequências da IA tende a ser negativo. O desemprego em muitas áreas será uma realidade nos próximos anos. O segundo medo mais comum é que a IA desenvolva pensamento autônomo. Um dos exemplos mais citados é a possibilidade do disparo de um míssil atômico a partir da análise de uma aplicação sobre uma informação na internet. Aí estamos entrando no campo da ficção, quando várias aplicações têm o poder de se conectarem sozinhas e tomar decisões para as quais não foram programadas. Essa é chamada IA Geral. Mas que, na prática, tem outros objetivos, como permitir a conexão dos semáforos se uma cidade com carros autônomos para melhorar a fluidez do trânsito. Espera-se também desse tipo de interligação a diminuição dos acidentes e, por consequência, menos vítimas fatais. Expandindo esse conceito para outras áreas, a IA seria uma grande “cola” que possibilitará a ampliação dos benefícios de sistemas que hoje não se “falam”. E por que se juntar à IA? Em contraponto à ameaça de desemprego em massa, a inteligência artificial traz a possibilidade de “libertar” os humanos de trabalhos precarizados que não oferecem perspectiva profissional: motorista de transporte coletivo, caixa de supermercados, entregadores, carregadores, vigilantes etc. Na prática, diante das perspectivas que a IA pode oferecer, podemos considerá-los atualmente até como humanos fazendo trabalhos de robôs. Outro avanço que a inteligência artificial pode proporcionar à humanidade é a educação personalizada de acordo com a necessidade de cada aluno. Na medicina, a IA é capaz de fazer diagnósticos de forma mais precisa e rápida, além de acelerar pesquisas para a cura de doenças como o câncer, entre outros usos. Ou seja, as possibilidades de interligação e personalização que a IA pode alcançar encaminham a resolução de problemas que estão sem solução em diversas áreas neste momento. Nessa direção, de uma forma geral, a IA é mais benéfica do que problemática. Olhando em perspectiva, o saldo tende a ser mais positivo do que negativo, mas é preciso dar um rumo ético e civilizatório. Sem regulação, é difícil conter as ameaças de curto prazo, como as consequências socioeconômicas do desemprego em massa. Sem algum tipo de controle, a inteligência artificial dá mais medo do que traz solução. Portanto, faz mais sentido unir-se a ela. Até porque os sinais mostram que a inteligência artificial é uma ponte que vai ser queimada: quem não atravessar logo ficará sentado à beira do caminho, como diz a música. Isso porque a história nos mostra que essa mesma ponte já queimou outras vezes quando tecnologias se tornam populares, como a eletricidade, o computador pessoal, a internet e os smartphones, por exemplo. O mundo se tornou melhor depois que elas chegaram. Como já escrevi em outros artigos, impedir a evolução da IA, mesmo que temporariamente, é barrar a evolução da humanidade, em última análise. Como diz uma charge que tem circulado nas redes sociais, estou mais preocupado com o que os humanos podem fazer com IA do que com o que a IA pode fazer com os humanos.

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A humanidade não pode abrir mão da evolução da inteligência artificial

A inteligência artificial será o assunto da semana, do mês, do ano e das próximas décadas. Em casa, na escola, na faculdade, no trabalho e no bar a discussão acerca de suas aplicações e limites éticos apenas começou. Mas por que precisamos falar tanto sobre esse tema? A IA é boa ou ruim? A humanidade precisa mesmo dessa tecnologia? Antes de tudo, é preciso entender por que esse debate é importante para o presente e para o futuro. O primeiro aspecto é que, quando comparamos a inteligência artificial com outras tecnologias que se tornaram populares (eletricidade, computador, internet, smartphones), nunca antes na história uma delas teve o potencial de ser tão intensa, rápida e transformadora. Isso porque as aplicações de IA promovem, ao mesmo tempo, aumento de produtividade, de qualidade e de escala, em uma comparação desproporcional com outras tecnologias. O segundo aspecto é a falta de barreiras naturais para disseminação da inteligência artificial, como outras tecnologias enfrentaram no passado. A expansão da eletricidade e da internet, por exemplo, aos diversos lugares do mundo, durou muitas décadas até serem consideradas de uso geral. A IA, em contraponto, pode estar nos celulares, nas casas, nas fábricas, no comércio, nos hospitais, nas geladeiras, nas lâmpadas, nos carros e em outras máquinas em um tempo muito menor. Em outras palavras, o impacto da inteligência artificial é amplo. Não apenas pela sua capacidade de transformação profunda, como também pela sua velocidade de expansão, pois a base para que ela se reproduza já está disponível. É um "arrasa quarteirão" em que chega e se instala. Uma grande ameaça aos empregos e ao estilo de vida atual da nossa sociedade, que se enraizou na lógica de que o trabalho é o que dignifica o ser humano, como afirmou Max Weber. Indo mais além nesse impacto, a inteligência artificial é capaz até de “hackear” a linguagem humana, como alerta Yuval Harari, historiador e filósofo israelense. Para ele, esse é o principal aspecto que nos diferenciou das outras espécies e nos permitiu evoluir ao longo da existência. Essa ameaça, na minha visão, é a maior delas e merece uma discussão à parte. Mas, como tudo na vida, a inteligência artificial também é dual. Tem dois lados e serve ao propósito para o qual a designamos. Seja para o bem ou para o mal. Assim como aconteceu com a energia atômica que matou pessoas, quando usada pelos militares em Nagasaki e Hiroshima, e salvou vidas, quando utilizada pela medicina em exames de raio-x, tratamento do câncer e tantas outras aplicações. Olhando pela perspectiva do bem, o benefício da inteligência artificial para a humanidade pode ser maior do que imaginamos, inclusive, quando houver o alinhamento à computação quântica. Essa tecnologia é cerca de 100 milhões de vezes mais rápida do que um computador comum. Nessa direção, não é difícil perceber o grande salto que a humanidade tem o potencial de dar quando cálculos complexos, que levariam 10 mil anos para serem resolvidos, puderem ser processados em segundos. Então, o principal ponto no debate ético sobre a inteligência artificial não está na tecnologia em si, nem se ela pode assumir consciência, nem em quantos empregos serão eliminados. Até porque, usando o exemplo da energia atômica, ela foi mais benéfica do que maléfica ao longo da história. O centro do debate deveria estar no que queremos e precisamos da IA e na formulação do seu propósito, com a devida regulação, é claro. Portanto, na minha visão, barrar a evolução da inteligência artificial não é o caminho. Não acredito que essa seja a solução, como tem sido proposto por alguns cientistas. Impedir a evolução da IA, mesmo que temporariamente, é impedir a evolução da espécie humana. Vimos isso acontecer quando a ciência foi perseguida como um mal a ser curado na Idade Média, o período da história em que a coletividade menos evoluiu. A inteligência artificial, ao que tudo indica, inaugura uma nova era para a humanidade. Guardado o contexto histórico, a IA pode ter a mesma importância que o Renascimento, liderado pela ciência, teve em sua época e nos fez chegar aonde estamos hoje: discutindo o próximo nível de nossa evolução. Por isso, não podemos abrir mão da inteligência artificial.

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Somente a regulação pode dar um propósito à inteligência artificial

A inteligência artificial é o assunto do momento. As notícias trazem temas como a eliminação de muitas profissões, diminuição do senso crítico das pessoas e, principalmente, se a IA pode ou não controlar os humanos no futuro. Aspectos secundários e fantasias à parte, a principal questão, no entanto, não vem sendo debatida como deveria ser: o que a humanidade quer/precisa da inteligência artificial? No livro The Rise of Technosocialism: how Inequality, AI and Climate Will Usher in a New World (A Ascensão do Tecnosocialismo: como a desigualdade, a IA e o clima darão início a um novo mundo, em tradução livre), o futurista Brett King apresenta dois cenários que devemos considerar para aprofundar o debate sobre as tecnologias cognitivas que, por enquanto, está preso no nível do senso comum. O primeiro cenário é de que a IA pode aumentar as desigualdades sociais existentes, pois afetará de forma mais intensa os trabalhadores menos qualificados e sem possibilidades de criar outras formas de riqueza. Brett aponta também para uma grande concentração de poder que IA pode provocar naqueles que dominarem as plataformas de serviços baseados nessa tecnologia. Isso porque, quando comparamos a IA com outros exemplos de tecnologia inovadoras, nunca antes na história uma tecnologia foi tão intensa, rápida e transformadora. As tecnologias de uso geral (general purpose technology), como são chamadas, são aquelas que moldaram o mundo como conhecemos atualmente, como a eletricidade, o computador e a internet, por exemplo. As aplicações de inteligência artificial promovem, ao mesmo tempo, aumento de produtividade, de escala e de qualidade, em uma comparação desproporcional com outras tecnologias. Por muitas vezes, inclusive, dispensando a participação humana no processo operacional. E isso pode vir a gerar elevados índices de desemprego, impondo à sociedade uma dificuldade extra para se readequar. Além disso, a disseminação da IA não encontra tantas barreiras, como havia no passado. Pense nos investimentos necessários para levar eletricidade e internet, por exemplo, a diversas partes do mundo logo depois que elas foram criadas. A expansão durou muitas décadas até a eletricidade e a internet serem consideradas tecnologias de uso geral. A IA, em contraponto, pode estar nos celulares, nas casas, nas fábricas, no comércio eletrônico, nos hospitais, na indústria, nas geladeiras, nas lâmpadas, nos carros e em outras máquinas em um tempo muito menor do que as demais tecnologias de uso geral. Na verdade, a base para que a IA se reproduza já está disponível. O segundo cenário apresentado por Brett King, por outro lado, é de que a IA pode melhorar o mundo em que vivemos. De acordo com ele, altos níveis de automação permitiriam a oferta de serviços públicos a uma fração do custo e dos recursos que foram praticados durante o Século 20. Essas mudanças tenderão a priorizar os objetivos coletivos em vez da visão de grupos. King defende que a IA pode ser um meio de viabilizar no futuro os princípios nobres do socialismo, caracterizado por maiores direitos coletivos. A tecnologia, segundo ele, permitiria fornecer esses direitos a um custo político e econômico muito menor. Sendo assim, a IA pode ser um grande aliado da gestão da coisa pública com o objetivo de promover e ampliar o bem-estar social. Nesse sentido, entendo que, se não houver clareza sobre o que queremos/ precisamos da IA, o cenário de aumento das desigualdades sociais tem mais chances de prevalecer, pois a ganância e o egoísmo, se não domados, são mais poderosos. Por isso, acredito que somente a regulação pode dar um propósito justo às aplicações de inteligência artificial. Vejo a necessidade de um debate mundial sobre a questão, assim como a ONU promoveu logo após a Segunda Guerra Mundial e que resultou, em 1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Naquele contexto, a falta de uma visão de futuro centrada no ser humano provocou consequências que forçaram a ação coletiva de afirmação. Portanto, não precisamos esperar que o aumento da desigualdade social aconteça para tomarmos providências. Até porque, antes de os efeitos da IA serem percebidos, Isaac Asimov, autor do livro Eu, Robô (1950), levantava o debate sobre o propósito das tecnologias cognitivas. Mais de 40 anos depois, o livro virou filme reforçando a questão: o que queremos/precisamos da IA? Em sua obra, Asimov propôs princípios básicos para as aplicações da IA, que podem nos ajudar a pensar mais profundamente sobre o tema. O primeiro deles dizia que “um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal”. Um excelente ponto de partida para a discussão ética e moral sobre a IA, que está faltando no momento.

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