*Por Bruno Moury Fernandes
Imagine um Estado que simplesmente ignora o sofrimento de milhares de crianças. Imagine mães que percorrem quilômetros em busca de uma avaliação médica. Imagine a frustração, o luto silencioso, o cansaço de uma batalha diária que poderia ser suavizada – não por milagres, mas por políticas públicas. Esse Estado tem nome: Pernambuco.
O Tribunal de Contas do Estado escancarou a tragédia. Não é exagero, é diagnóstico técnico. Um relatório recente sobre os serviços públicos voltados ao TEA (Transtorno do Espectro Autista) revelou o que as famílias já sabiam – e sofriam na pele: a rede pública de saúde para pessoas com autismo está em colapso! Na verdade, ela nunca existiu.
A radiografia é chocante: A esmagadora maioria dos municípios não oferece nem mesmo o básico – uma equipe mínima com psicólogo, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo. E mesmo quando existentes esses profissionais, apenas uma minoria é capacitada para lidar com TEA: 9,45% possuem capacitação para atender essa complexa demanda. Apenas 25 municípios realizaram treinamentos com os profissionais para aplicação do protocolo para detecção do autismo em crianças de 0 a 30 meses.
Somente 15 municípios realizaram treinamento relacionado ao TEA direcionado aos pais. Dentre todos os municípios do Estado, 6 possuem equipamento de saúde exclusivo para o público autista. Mais de 45 mil pessoas estão na fila para diagnóstico. O Governo do Estado tinha orçamento de R$ 27 milhões para gastar com esse público em 2024, mas apenas R$ 70 mil foram investidos. Um escárnio! Um escândalo!
Se fosse apenas descuido, já seria grave. Mas não. É omissão sistemática, institucional e persistente. A Secretaria Estadual de Saúde foi diversas vezes provocada. Recebeu relatórios, alertas, dados, recomendações. Nada fez. Ou melhor, fez o que o Estado brasileiro, infelizmente, faz tão bem: ignorou, engavetou, arrastou.
Essa omissão não é técnica, é política. O desenvolvimento cerebral de uma criança autista não se congela até que a máquina pública funcione. E quando a política falha nesse grau, estamos diante de algo que ultrapassa a fronteira da incompetência. Estamos no território da negligência institucionalizada.
Pernambuco precisa de uma CPI. Sim, uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia Legislativa. Que convoque gestores, revele documentos, exponha as entranhas da negligência. Não para fazer espetáculo. Mas para produzir consequências.
*Bruno Moury Fernandes é advogado