Estudos mostram que a fase infantil é uma das mais importantes para a formação do ser humano. Isso porque corresponde a um período que vai desde o balbuciar do bebê ao engatinhar, o aprender a ler, escrever e interagir com o mundo. É na infância que a criança desenvolve processos fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e motores que formarão a personalidade e a capacidade de relacionar-se consigo e com os outros à sua volta. E, nesse processo, a brincadeira é um componente muito importante.
A psicóloga e orientadora educacional do Instituto Capibaribe, Marcela Valadares, explica que o brincar por si só é terapêutico. “Por meio da brincadeira, a criança tem a possibilidade de projetar alguns conflitos emocionais”, explica. É no brincar que também é possível trabalhar questões como liderança social e noção de espaço, além de aprender a lidar com frustrações.
O universo lúdico proporciona também sensação de felicidade e desperta o lado criativo nos pequenos. Para o pediatra do Hospital Esperança, Fernando Oliveira, o maior benefício de todos é a socialização. “A troca de experiências que o ato de brincar provoca é enriquecedor para a formação como ser humano. Isso o torna uma pessoa mais resiliente”, avalia.
A brincadeira pode ser ainda uma das principais formas de atividade física na infância, pois o simples ato de correr de pega-pega, por exemplo, ajuda no controle da obesidade, chegando a gastar durante a diversão, uma média de 225 calorias. Um estudo no Canadá mostrou ainda que crianças hiperativas apresentaram menos déficit de atenção e melhor rendimento escolar após ter contato com brinquedos lúdicos.
Entretanto, nos últimos anos com o surgimento das novas tecnologias, cada vez mais cedo a criança entra em contato com smartphones, tablets e computadores. Muitos pais, sobrecarregados com os afazeres cotidianos, encontram nesses aparelhos uma forma de conter a energia acumulada da criança e distraí-la. Outros ainda acreditam que esse é um jeito de torná-lo mais preparado para a “nova era cibernética”.
Oliveira alerta para alguns cuidados desse contato precoce com aparelhos eletrônicos. “Nas primeiras fases de vida de uma criança é importante que ela tenha contato sensorial com o mundo à sua volta. Na tela desses aparelhos o contato torna-se limitado e isso pode prejudicar o desenvolvimento motor, além da comunicação e da capacidade de lidar com emoções e frustrações”, explica o pediatra.
Marcela concorda, ao exemplificar que quando a criança constrói um brinquedo, como um carrinho, por exemplo, ela desenvolve um raciocínio e pensa sobre as possibilidades de montá-lo. “Nesse momento, a criança experimenta a frustração de não conseguir de uma maneira e tenta de outra”, esclarece a psicóloga. Essa experiência é transferida para a vida real. “Dessa forma, diante dos problemas cotidianos, a criança responde com uma maior inteireza e naturalidade”, complementa. Nos joguinhos virtuais, segundo Marcela, esse tipo de processo passa a não ser vivenciado, uma vez que, ao perder no game, a criança tem a opção de reiniciá-lo na hora que quiser.
Por outro lado, o bom uso da tecnologia pode contribuir para despertar a criatividade, concentração e coordenação motora. “Videogame, celular, tablet e computadores possibilitam experiências culturais por meio da interação com o universo digital que vão ajudar no desenvolvimento cognitivo.
Além disso, durante o período escolar, é possível utilizar os benefícios da tecnologia como forma de tornar a atividade mais lúdica e atrativa”, pontua Oliveira. A faixa etária indicada para iniciar o uso dos aparelhos tecnológicos é a partir dos 4 anos. “Lembrando que é necessário administrar o tempo e estar sempre junto do filho nestes momentos”, ressalta.
Os pais, na verdade, têm papel crucial na hora de controlar o tempo em frente desses objetos tecnológicos, como estabelecer horários para acessar os jogos e negociar com as crianças o período para assistir TV. “Como tirar esse hábito é muito difícil, o recomendável é dosar, no máximo duas horas de aparelhos eletrônicos por dia”, orienta o oftalmologista do Instituto de Olhos do Recife, Roberto Galvão. Ele adverte que a exposição à luz dos dispositivos por muito tempo, além de tirar o sono das crianças, pode provocar mais cedo a miopia de forma precoce.
“O importante é que a criança possa ser criança. Ou seja, que ela tenha o contato com os brinquedos lúdicos desde cedo, seja nas colônias de férias, em espaços recreativos, na própria escola ou dentro de casa”, ressalta Fernando Oliveira. Brincar, aliás, é defendido pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) como um direito da criança. Por isso, especialistas advertem que é preciso preservar e valorizar a brincadeira não só como uma manifestação lúdica mas, também, uma forma de vivenciar situações diversas, experimentar diferentes papéis e transpor limites. “Dessa forma, a criança passa a estar mais integrada e preparada para o mundo real”, enfatiza Marcela Valadares.
*Por Paulo Ricardo Mendes
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