Entrevistas - Página: 13 - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Entrevistas

"O Nordeste vai ser afetado negativamente pela privatização da Eletrobras"

O consumidor, assustado com o valor da conta de luz, tem acompanhado pelo noticiário as informações da privatização da Eletrobras. O assunto é complexo e envolve leilões de energia elétrica, diferentes fontes energéticas e a estrutura do sistema elétrico brasileiro, que abrange capital estatal e privado. Para complicar ainda mais a compreensão, a Medida Provisória 1.055, que estabelece a privatização da Eletrobras, recebeu do Congresso vários jabutis. O termo no jargão político refere-se a emendas parlamentares que não têm ligação direta com o tema da MP, e que destoam do texto original. Para explicar toda essa intricada conjuntura, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Mauricio Tolmasquim conversou com Cláudia Santos. Ex-secretário-executivo do Ministério das Minas e Energia e ex-presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), Tolmasquim esclarece por que a conta de luz está tão alta, e analisa as consequências da privatização da Eletrobras para o setor elétrico e para o consumidor do Brasil, em especial do Nordeste. Qual a importância da Eletrobras? A Eletrobras é a maior empresa elétrica da América Latina, detém cerca de 1/3 da capacidade de geração de energia elétrica do Brasil, sendo que 90% dessa capacidade é de baixas emissões de gases de efeito estufa. Também detém quase 50% da transmissão e tem ainda papel relevante em programas governamentais, como o Luz para Todos, o Procel, programa de conservação de energia elétrica e o Proinfo, de fontes alternativas de energia. A Eletrobrás é ainda controladora do Cepel que é o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica, que presta serviços e apoia uma série de empresas do setor elétrico. Como o senhor analisa a proposta de privatização do Governo Federal? Creio que a privatização seria desnecessária e os argumentos para a realização não têm base justificável. A primeira argumentação é que se não houver a privatização, haveria falta de recursos para expandir o setor. Só que não é verdade. O interesse dos investidores privados tem sido muito grande desde 2004, com a introdução dos leilões para contratação de energia. Os vencedores ganham contratos de longo prazo, que tornaram muito atrativos os leilões. Tanto que de 2005 a 2018, o setor cresceu, expandiu a sua capacidade quase 4,5% ao ano, um valor bem acima ao crescimento da economia, e 80% desse investimento foi de capital privado. Investiram sobretudo em geração eólica, solar, termelétrica e mesmo hidrelétricas, algumas em parceria com Eletrobras. Os leilões são organizados com uma quantidade grande projetos inscritos, ou seja, há uma oferta muito maior do que demanda, portanto, não é verdade que haveria uma premência de privatizar a Eletrobras para suprir a segurança do sistema. O segundo argumento é que a Eletrobras traria prejuízos ao Tesouro. Mas se olharmos os quatro últimos anos, a estatal apresentou lucro de R$ 36 bilhões e contribuiu com o orçamento da União. Por outro lado, essa privatização da maneira como está sendo feita, tem dois impactos indesejados. O primeiro, os investidores vão poder ter no máximo 10% do capital votante. Isso é argumentado como um mecanismo de democratização da propriedade da empresa, para criar uma corporation. Mas a verdade é que os grandes operadores de empresa do setor elétrico não entram numa privatização se não tiver o controle da empresa. Quando o capital é muito pulverizado, atende-se mais ao setor financeiro que geralmente está muito interessado em retorno a curto prazo. Porém, o setor elétrico realiza projetos muito intensivos em investimentos e têm o retorno a mais longo prazo. Então, pode haver uma incompatibilidade entre a necessidade setor elétrico e o interesse do capital financeiro. Outra questão é que apesar de a Eletrobras ter reduzido sua participação na geração e mesmo na transmissão, ela ainda tem importância grande dentro do sistema, é a maior empresa da América Latina. Ao ser privatizada, será uma empresa com um poder de mercado muito grande, o que pode ser contra a competição e ter um efeito de oligopólio, o que é ruim para o consumidor. Então as contas de luz dos consumidores podem aumentar ainda mais com a privatização? Acho que pode aumentar não só por conta disso, mas também pelo processo de descotização que vai ocorrer. O que é descotização? Em 2012, várias hidrelétricas estavam para findar o período de concessão e deveriam voltar para a União que iria leiloar essa concessão. Na época, foi oferecida às concessionárias – sejam as estaduais, a Eletrobras, ou as privadas – que quem tivesse interesse em estender por mais de 30 anos a concessão e aceitasse, em contrapartida, reduzir a sua tarifa e vendesse a energia pelo preço de custo mais uma taxa de lucro de 10%, teriam a concessão estendida. Na verdade, depois que uma hidrelétrica tem o investimento amortizado, o custo operação e manutenção é muito baixo. Então, a Eletrobras vende a energia das hidrelétricas a um preço de cerca de R$ 75 o megawatt/hora, mas na privatização está previsto que as hidrelétricas possam vender energia ao preço do mercado que hoje está em torno de R$ 250 o megawatt/hora, ou seja, quase o triplo e isso vai pressionar as tarifas. É verdade, que parte do recurso arrecadado com a privatização vai para o Tesouro e parte vai para abater a conta de desenvolvimento energético, que é uma conta que o consumidor paga para dar subsídios. Só que esse valor que vai entrar não compensa o aumento da descotização. Além disso, esse valor será pago em pequenas parcelas. Está previsto que entre para abater a conta de desenvolvimento energético cerca de R$ 32 bilhões, sendo R$ 5 bilhões agora e restante será abatido R$ 1 bilhão até 2047, que no total é muito pouco. Só este ano, a conta de desenvolvimento energético, é, por acaso também, de R$ 32 bilhões. Então isso não vai compensar o impacto do aumento tarifário que vai ter por causa da descotização. A tarifa também será afetada porque a lei de privatização da Eletrobras trouxe consigo uma série de jabutis que são emendas colocadas pelo Congresso que não têm relação com o

"O Nordeste vai ser afetado negativamente pela privatização da Eletrobras" Read More »

"Sou a realidade de 70% da advocacia que começa ganhando R$ 1 mil"

Ingrid Zanella, vice-presidente da OAB-PE, analisa a participação de mulheres e negros no judiciário e o combate às fake news nas eleições, afirma que há muitos cursos cuja qualidade de ensino não garante ao aluno passar no exame da ordem, e conta como teve sucesso ao investir no direito marítimo. Todos os anos, as faculdades formam um grande número de advogados que encontram dificuldades para entrar no mercado de trabalho. A trajetória da vice-presidência da OAB Pernambuco, Ingrid Zanella chama a atenção por conseguir escapar dessa estatística, mesmo não tendo uma família de advogados, como é comum no setor. Nesta conversa com Cláudia Santos, ela conta como viu no direito marítimo uma oportunidade de ascensão, analisa as possibilidades para ampliar a representatividade de gênero e racial na área jurídica, e aponta as perspectivas do futuro da profissão diante da transformação digital das lawtechs e dos demais setores econômicos. Fale um pouco sobre sua trajetória profissional. É verdade que a senhora não vem de uma família de advogados? Costumo dividir minha carreira em três vieses: a carreira relacionada ao ensino, como advogada e como atuante na política da OAB. Quando me formei – e acredito que isso ocorre com 90% dos alunos de direito – fiquei um tanto perdida. Não tenho origem jurídica, não tinha ninguém para me dizer: “venha aqui trabalhar comigo, tem uma vaguinha te esperando e, se fizer tudo certo, você vira sócia”. Então decidi traçar minha trajetória na vida acadêmica e como advogada, porque eu teria duas chances de dar certo. Quando saí da faculdade fiz a seleção para o mestrado na UFPE e passei. Como não tinha muito dinheiro, estudei tanto que passei em primeiro lugar para poder ter bolsa. Recebi a bolsa durante três meses, até que o professor Sérgio Torres, que é desembargador do Tribunal do Trabalho e era coordenador da Faculdade Boa Viagem, me convidou para dar aula lá. Como não podia acumular os dois recebimentos, larguei a bolsa, que era de R$ 1.200, para ganhar um salário de R$ 700 na faculdade, porque eu não podia perder a chance de ser contratada. Não era o salário. Era começar. Antes disso, durante a graduação, fui tripulante de navio, trabalhei três meses embarcada e adorei a vida náutica. Como a senhora foi trabalhar num navio? Quando era estudante, morei um tempo os Estados Unidos e quando retornei mantive a relação com alguns amigos de lá e um deles era filho de um agente marítimo. Um dia ele disse: “meu pai está agenciando um navio de Cruzeiro que está indo pra aí. Estamos refazendo a tripulação, se você tiver interesse em ser, por exemplo, chefe da contabilidade, você faz um curso na Capitania dos Portos, tira seu certificado”. Eu era estudante 6º período, ia ter a chance de viajar, entender uma nova realidade, fazer novos amigos. Aceitei na hora. Aprendi um monte de coisas e me apaixonei pelo navio e decidi atuar nessa área como advogada. Como estava na graduação ainda e não existiam cursos ou palestras sobre o assunto em Pernambuco, comecei a estudar o tema. Meu projeto de mestrado foi sobre o direito marítimo. Depois que fui contratada pela Faculdade Boa Viagem – olha só como é o mundo! – o agente marítimo que havia me contratado naquela época, estava com um navio preso no Porto do Recife. Ele me ligou, dizendo que precisava de um advogado para entrar com ação judicial. Estava com 700 passageiros a bordo e não sabia o que fazer. E eu era bem novinha, nunca tinha feito um mandado de segurança. Mas ali era uma oportunidade. Eu disse: eu faço esse mandado. Eu não tinha nem blazer para vestir (risos). Na época não havia processo eletrônico, liguei para a juíza e expliquei a ela que a causa era urgente porque isso era de uma sexta para o sábado. Não dormi, passei a noite fazendo a ação, fui despachar com a juíza e consegui a liminar. O agente marítimo ficou tão satisfeito que me contratou para prestar um trabalho mensal. Nesse momento, abri meu escritório em 2010, no primeiro ano de formada, com um cliente, rezando para ter outro. Como eu disse, não tenho origem jurídica, ninguém me indicava cliente. Comecei a perceber que precisava rodar o ambiente. Procurei a OAB, pedi uma reunião com Henrique Mariano, o presidente, e Catarina Oliveira, sua vice. Eles foram muito acessíveis, porque eu era uma jovem estudante, ninguém me referenciou ou pediu para eles me receberem. Propus a criação de uma comissão de direito marítimo porque era uma área de advocacia que precisava ser estimulada em Pernambuco. Todos os escritórios eram do Rio e São Paulo e tínhamos que mostrar que aquela área podia crescer: temos Suape, Noronha, o turismo. Eles gostaram do projeto e me nomearam para ser presidente da comissão. Foi uma outra surpresa. Tinha um ano de formada! Comecei a fazer eventos, me comunicar com outros advogados, chamar os estaleiros para discutir como Pernambuco poderia crescer mais no âmbito marítimo e portuário, além de pensar e desenvolver projetos também para a jovem advocacia. Como eu não tinha escritório, pensei no Projeto Co-office, que começou há cinco anos, porque era minha principal necessidade. Precisava de um lugar para atender clientes, fazer audiência. O projeto cresceu e na gestão passada, eu e Bruno (Baptista, ex-presidente da OAB) inauguramos no 5º andar um espaço compartilhado, com computador para advogados trabalharem sem pagar nada, onde podem fazer audiências, reuniões. O projeto foi tão de bem-sucedido que está sendo copiado em outros Estados. Bem, meu escritório foi crescendo. Depois de 10 anos, eu tinha parceria com muitos escritórios e acabei negociando com o Queiroz Cavalcanti. Hoje sou sócia titular deles, toda a minha equipe foi para dentro do Queiroz. Não foi uma escolha aleatória, eles têm 60% do corpo formado por advogadas e um comitê de diversidade, voltado para pessoas que se autoidentificam não só em relação à questão de raça, mas também de gênero e LGBTQIA+, além de focar em pessoas com

"Sou a realidade de 70% da advocacia que começa ganhando R$ 1 mil" Read More »

Entrevista com Philippe Magno: "A WEB 3 pode cercear as fake news"

Diretor da FOZ, aponta as tendências trazidas por tecnologias como a blockchain, o 5G e ferramentas como o NFT, que podem tornar a internet menos centralizada em torno de bigtechs como Google e Facebook e com informações mais seguras. Ele também destaca como será a saúde e a educação no futuro. Philippe Magno possui uma trajetória profissional bem pouco usual. Começou estudando marketing e chegou a atuar na área. Mas, apaixonado por aviação, formou-se em piloto pelo Aeroclube de Pernambuco. Durante o curso conheceu duas pessoas que viraram seus sócios numa startup. “Eu nem sabia o que era. Caí de paraquedas nesse mundo”, recorda. Mas parece que o acaso estava reservando a esse pernambucano, de 32 anos, uma atuação de sucesso na área de inovação. Com os sócios, desenvolveu um equipamento, com reconhecimento internacional, que permite a deficientes físicos controlar tablets, computadores e smartphones com o movimento da cabeça. Em 2019 conquistou lugar na cobiçada lista da Forbes Under 30, que destaca jovens com futuro promissor em diversos segmentos e em 2020, ele foi eleito pelo MIT como um dos jovens empreendedores mais inovadores da América Latina. Recentemente recebeu outro prêmio, desta vez da consultoria espanhola Llorente & Cuenca. Depois de atuar como gestor de marketing e empresário, Philippe mudou mais uma vez e hoje é diretor da FOZ, o centro de inovação criado pela FPS (Faculdade Pernambucana de Saúde) e o Imip. Nesta conversa com Cláudia Santos, ele vislumbra as mudanças provocadas pela WEB 3, que podem atingir as fake news e o poder das bigtechs, num cenário em que ganham destaque a blockchain e NFTs. Se você não sabe o que são essas novidades, não se preocupe: ele explica tudo didaticamente. Phillipe também fala da disrupção nas áreas de saúde e educação e alerta para uma possível recessão mundial. Como a pandemia impactou a inovação? Quando falamos de inovação, falamos de alguns fatores. Quando analisamos as revoluções industriais, entendemos que o modelo de revolução é de uma mudança brusca de direção. O mundo, ou determinado modelo de negócio, ou de consumo, ou comportamental, cultural, ou econômico muda de direção. Isso é gerado por um motivo e acelerado por uma mola propulsora. O delta dessa equação é uma aceleração da transformação. Nas duas últimas revoluções industriais as causas que motivaram aquele movimento foram a busca por uma produção em escala, a transformação das ferramentas manuais para as máquinas, do processo artesanal para o processo industrial. A pandemia trouxe a necessidade de uma aceleração na adoção dos serviços e tecnologias digitais. As grandes empresas já estavam nesse processo de transformação digital, as médias estavam em dois estágios: observando os movimentos do mercado para onde ia para começar a agir ou já estavam agindo de acordo com o movimento do seu setor. As pequenas empresas estavam naquele processo de “isso é algo muito distante da minha realidade, quando acontecer, dou um jeito de me adaptar”. Do dia para a noite, literalmente, pequenas, micro, e até empresas individuais se viram na necessidade de girarem a chave do seu negócio. O principal aprendizado da pandemia em relação à inovação é que você não precisa ser um especialista, mas deve entender para onde o mercado está seguindo. Outro ponto é que a disrupção pode acontecer muito rápido, e o terceiro ponto é entender que essas transformações geram outros tipos de transformações. Por exemplo: a forma como o seu consumidor vai se vai se comunicar com você vai ser diferente, assim como a maneira como que ele vai consumir e se relacionar com o dinheiro e com a sua empresa. Hoje, se você oferece apenas cartão de crédito e PIX no seu negócio, você está atrasado. O cliente já possui diversas ferramentas de pagamento online como picpay, pagseguro, entre outras. Quais seriam as próximas molas propulsoras? O mundo tende a sofrer uma grande recessão e, talvez, com a WEB 3, as criptomoedas e NFTs, a forma como nos relacionamos com o dinheiro tende a sofrer uma transformação. O que é a WEB 3? Para compreendê-la, precisamos falar da WEB 1 e 2. A internet foi criada por Tim Berners-Lee, que queria que ela fosse gratuita, descentralizada, sem dono, neutra, que crescesse a partir de uma construção compartilhada. A WEB 1, que vai de 1991 a 2005 mais ou menos, era limitada, permitia a conexão apenas entre algumas instituições, alguns computadores. A partir de 2005 surgiram os hipertextos. Mas era uma internet sem muito recurso, funcionava basicamente como um repositório da informação do mundo offline para o mundo online, a informação do offline era transposta para o online e permitia apenas a sua consulta. Isso era feito por poucas pessoas, por desenvolvedores. Nesse período surgiram os grandes portais Google, Yahoo, MSN e a comunicação era direta, unidirecional, bem diferente da WEB 2, que é do período de 2005 a 2021. A principal mudança foi a possibilidade de interagirmos de forma ativa e participativa com os conteúdos: editar, comentar, compartilhar. Surgiram as redes sociais e conseguimos, como usuários, sair do papel de consumidores para sermos produtores de conteúdo. Mas, muitas empresas passaram a usar a retenção de dados de utilização de navegação, de consumo etc para fins próprios, praticamente, sem nossa autorização. Começou a ter um movimento contrário ao que Tim Berners-Lee idealizou. A internet passou a ser cada vez mais centralizada em torno de gigantes como Facebook e Google e, apesar de continuar gratuita, ela tem um preço muito caro que são nossos dados. O crescimento da WEB 2 foi impulsionado pelos smartphones, a partir de 2007, o que ampliou drasticamente o acesso à rede. Simultaneamente, aumentou também o tempo de pessoas usando a WEB. Consequentemente, também elevou a geração de dados. A tendência da WEB 3 é resgatar um pouco do que era lá no início. Ela passa a ser um pouco mais regulada nessa questão de consumo de dados, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) vem ajudando nisso, assim como as leis internacionais. A WEB 3 traz mudanças de mindset, ao

Entrevista com Philippe Magno: "A WEB 3 pode cercear as fake news" Read More »

"Há outra cidade colonial por baixo do Recife"

Suely de Luna, historiadora e arqueóloga da UFRPE, conta como são realizados os trabalhos nas escavações da região do Pilar, no Recife, onde foram encontrados dois cemitérios, um da época da ocupação holandesa e outro do Século 19, os vestígios de um forte e várias peças e fragmentos de objetos. Desde março, a mídia tem noticiado a descoberta de verdadeiros tesouros arqueológicos na comunidade do Pilar, no Bairro do Recife. Na região está sendo construído um conjunto habitacional e durante as escavações foram revelados dois cemitérios, dos quais não havia registros, e vestígios do Forte de São Jorge, um dos primeiros da cidade. Também foram encontrados peças e mais de 40 mil fragmentos de objetos. Um verdadeiro quebra-cabeça que profissionais da Fundação Apolônio Salles de Desenvolvimento Educacional, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, estão montando para entender melhor o nosso passado e sua influência no presente. Para explicar como é realizado esse trabalho, Cláudia Santos conversou com Suely de Luna, historiadora arqueóloga e coordenadora geral do programa de resgate arqueológico na Comunidade do Pilar. Ela fala da importância dessas descobertas e da possibilidade que proporcionam de transformar a região em ponto turístico, abrindo novas perspectivas de geração de renda entre os moradores locais. Como está sendo o trabalho das escavações no Pilar? Para realizar qualquer projeto de construção no Centro histórico do Recife é necessário que seja feito o trabalho arqueológico, por ser uma área histórica tombada. Uma outra equipe já atuou no local tempos atrás. Em 2015 a prefeitura fez uma licitação pública e a Fundação Apolônio Salles de Desenvolvimento Educacional, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, ganhou e, no final daquele ano, começamos a escavação. Eles dividiram a área em quadras (ao todo são cinco quadras) e estipularam que a primeira a ser trabalhada seria onde havia uma parte de um habitacional construído. Concluímos o trabalho nessa área onde foram implantadas obras, como alguns edifícios, creche, escola e o posto de saúde. Essa parte já está entregue à comunidade. À medida em que foi sendo trabalhada cada quadra, tivemos vários achados. É muito material de praticamente todas as épocas, desde o final do Século 16 até o Século 21. Mas a concentração maior é do Século 19, quando houve uma expansão do Recife e aquela região foi mais ocupada por pessoas. Antes no período colonial, era uma área chamada de “fora de portas”, que era o limite do que seria a Vila do Recife, e que começou a expandir no final do Século 18. No Século 19 houve um boom. Foram construídas muitas casas. A Igreja do Pilar é do Século 18 e foi erguida com parte das pedras que eram de uma fortificação. Com as escavações conseguimos localizar uma parte da fundação dela. Era o Forte de São Jorge, que foi o primeiro do Recife. Existiam dois: um ao lado da barra e outro no istmo. Quando houve a invasão holandesa da Companhia das Índias Ocidentais, esse forte se transformou numa enfermaria. Depois que os holandeses foram embora (nós chamamos os holandeses, mas, na verdade, trata-se da Companhia das Índias Ocidentais, que era uma empresa privada) aquela região ficou quase abandonada, o forte ficou sem serventia e houve a doação daquele pedaço de terra para uma pessoa da época. Uma das cláusulas para a doação era que se construísse a igreja que foi a de Nossa Senhora do Pilar. E o que se sabe sobre os esqueletos encontrados? Ninguém sabia, mas no período da ocupação havia um cemitério próximo de onde hoje está a igreja e do antigo forte. Calculamos que que ele seja do final do Século 16 até, pelo menos, meados do Século 17, pelas datações que fizemos de carbono 14. O cemitério tem características bem peculiares, são esqueletos de pessoas de porte alto, que condizem mais com um tipo de europeu do centro da Europa, a região nórdica, do que da península. A maioria, 99% deles, são homens, jovens, de idade militar. Até agora, pelo menos o que a gente conseguiu identificar em campo, é que só há uma mulher e é uma menina relativamente nova, de uns 14 anos, que tinha cerca de 1,75 m de altura, portanto, mais alta do que a média normal das mulheres da colônia. A estrutura desse cemitério também é diferente, há sepulturas com um esqueleto, outras têm dois e existem sepulturas com três esqueletos. Geralmente quando se tem sepulturas duplas ou triplas significa que aquelas pessoas morreram no mesmo dia e que foram enterradas nessa coletividade. Por que eles foram enterrados assim? Qual a causa dessas mortes? São questões que vamos investigar em laboratório. Mas há duas possibilidades. Primeiro, é que foram mortos em enfrentamentos bélicos, talvez uma parte, não todos. Outra grande possibilidade é que morreram em decorrência de alguma epidemia, porque ter sepulturas com duas ou três pessoas significa que foram mortes sucessivas, em períodos extremamente curtos. Mas só os estudos de laboratório, que serão feitos por especialistas na área de bioantropologia humana, é que podem comprovar essa possibilidade. Existia alguma epidemia naquele período? Existiram vários surtos de epidemia desde o período colonial até o período imperial, na verdade, até o Século 20, de doenças como difteria, cólera, e muitas pessoas, na época inicial da ocupação, principalmente, sofriam de escorbuto. Não era uma epidemia, mas uma doença que se desenvolvia por falta de vitaminas. Eram comuns também febres e diarreias crônicas devido à qualidade de água ou de algum alimento contaminado, porque a água não era fácil de ser encontrada. Isso ocorria, principalmente, nos anos iniciais em que os holandeses estiveram no Recife. Eles ficaram ilhados, não tinham acesso a uma água boa, a frutas, a uma alimentação mais rica e isso deve ter causado grandes problemas de saúde. Lembrando que a área era pequena e o contingente de pessoas muito grande para o espaço. Isso a gente encontra nos relatos históricos, como a reclamação dos preços dos aluguéis no Recife, onde se amontoava muita gente, havia muitos soldados mercenários da companhia que não

"Há outra cidade colonial por baixo do Recife" Read More »

"Com o plano de descarbonização é possível Pernambuco ter um PIB 6% maior em 2050"

Secretária de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado conta como Pernambuco pretende chegar à neutralidade das emissões de gases de efeito estufa até 2050 e ainda ter crescimento econômico. Ela rechaça a ideia de que ações ecológicas prejudicam o desenvolvimento da economia. Capturar na atmosfera o dióxido de carbono, um gás causador do aquecimento global, utilizá-lo como combustível e até armazená-lo. Usar o biogás, originado do lixo, como fonte energética em indústrias e em refinaria de petróleo. Essas são algumas das tecnologias inovadoras que constam no Plano Pernambuco Carbono Zero, uma estratégia para o Estado alcançar a neutralidade das emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 2050. O plano aponta metas, prazos e ações para mitigação das emissões. Para saber detalhes sobre essa estratégia de descarbonização e quais as ações para implantá-la, Cláudia Santos conversou com Inamara Mélo, que acaba de assumir a Semas (Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco), em substituição a José Bertotti, que lançou sua candidatura a deputado estadual. Com formação em jornalismo, Inamara tem larga experiência na área de sustentabilidade, é mestranda em gestão ambiental, já atuou na Secretaria de Meio Ambiente do Recife, onde também assumiu a pasta, quando a então secretária Cida Pedrosa foi disputar a eleição. Junto com Bertotti, direcionou a agenda da Semas para priorizar a política climática e participou da elaboração do Pernambuco Carbono Zero. Nesta entrevista, Inamara conta as dificuldades decorrentes da falta de apoio do Governo Federal para o País atingir o chamado net zero. E como em razão disso, os Estados, em especial Pernambuco, acabaram exercendo um protagonismo, inclusive junto a organizações internacionais. E, para os que pensam que cuidar do meio ambiente prejudica o crescimento econômico, a secretária rebate afirmando que o plano de descarbonização promoverá aumento do PIB e geração de emprego no Estado. Quais são as ações do governo para neutralizar os gases de efeito estufa? Pernambuco vem estruturando sua política climática desde a primeira década dos anos 2000, ainda na época do governo de Eduardo Campos. Na gestão de José Bertotti na Semas, o objetivo foi fortalecer esse trabalho, porque o Plano Estadual de Mudança Climática e a Política Climática já tinham sido aprovados, mas precisávamos avançar tanto nos instrumentos, quanto em ações efetivas para dar conta dessa política. Montamos o nosso Inventário de Emissão de Gases de Efeito Estufa, que reuniu dados de 2015 a 2018. Naquele momento o Governo Bolsonaro decidiu não realizar no Brasil a COP 25, que o governo anterior havia se comprometido a sediar. Pernambuco recebeu, então, a missão de realizar a 1ª Conferência Brasileira de Mudança Climática e assumimos junto à Abema, que é a associação brasileira dos órgãos estaduais de meio ambiente, a tarefa de apoiar a participação dos estados no evento. Na medida em que o Governo Federal se retirou dessa agenda, houve a emergência dos governos subnacionais nesta pauta. Ampliamos nosso protagonismo e passamos a discutir quais seriam os compromissos climáticos e como poderíamos efetivá-los. Isso trouxe para Pernambuco o olhar de organizações internacionais e passamos a tratar com diversos desses organismos uma cooperação em apoio ao trabalho desenvolvido na Abema e internamente em Pernambuco. Em 2022 atualizamos o inventário de emissões com informações de 2015 a 2020, sendo que Pernambuco é o primeiro estado da Federação a apresentar esses dados desagregados por município. Agora, já conseguimos identificar o perfil de cada município relacionado à agenda climática e o que precisamos potencializar nesta agenda municipal. Conseguimos o apoio da União Europeia, com a consultoria da agência alemã GIZ, para o desenvolvimento do nosso plano de descarbonização, o Programa Pernambuco Carbono Neutro, que estabelece o compromisso do Estado de chegar em 2050 atingindo a neutralidade das emissões de GEE. Esse trabalho teve o acompanhamento e a participação do Fórum Pernambucano de Mudança do Clima. O que prevê o Programa Pernambuco Carbono Neutro? Ele aponta metas, prazos e ações para mitigação das emissões de GEE no Estado. Essa redução é de 15% em 2025 e 32% em 2035, e em 2050 será alcançada a neutralidade climática. Para chegar a esse resultado, o plano foca em quatro setores estratégicos: energia e indústria, transportes, resíduos e Afolu (agricultura, florestas e outros usos da terra). Para cada um desses setores foram estabelecidas soluções tecnológicas de mitigação. Porém, mesmo se todas essas medidas forem adotadas, ainda assim, não chegaremos a um resultado de carbono neutro, porque, com a adoção delas, é possível evitar 75% das emissões projetadas para 2050. Para os 25% restantes, será necessário fazer a remoção de carbono na atmosfera. Como essa remoção é possível? Hoje existe tecnologia em desenvolvimento para captura, transporte, utilização e armazenamento de CO2. Estuda-se, por exemplo, a implantação de unidade de geração de hidrogênio na Rnest (refinaria) com captura de carbono e em processos industriais. Trata-se de uma tendência que está sendo trabalhada em diversas regiões do mundo. É importante destacar que esse plano de descarbonização fez com que caísse por terra o antigo conceito de que cuidar do meio ambiente impactaria no crescimento econômico. Ao adotarmos essas medidas de descarbonização, é possível ter um crescimento no produto interno bruto 6% maior até 2050, são R$ 20 bilhões a mais na projeção do PIB. Também impactaria positivamente naquilo que é o consumo das famílias em R$ 30 bilhões a mais. A estimativa é gerar 100 mil empregos a mais se forem adotadas essas soluções tecnológicas. Quais são os próximos passos? Ao concluirmos o plano, temos um grande desafio: nós temos um planejamento pronto e agora como implementamos e como desenhamos o monitoramento? A avaliação da União Europeia é que alcançamos um produto de altíssimo nível. Os pernambucanos precisam compreender o que foi feito e como precisamos, a partir de agora, agir envolvendo um grande pacto social no sentido de garantir a implementação deste plano. Fazemos parte da rede Under2 Coalition, que é uma espécie de top dos estados de várias regiões do mundo comprometidos, com a pauta da descarbonização. Nós trabalhamos com eles no projeto para fazermos o controle das

"Com o plano de descarbonização é possível Pernambuco ter um PIB 6% maior em 2050" Read More »

"Subfinanciamento da saúde pública levou hospitais filantrópicos a um endividamento de R$ 20 bilhões"

Hospitais filantrópicos e Santas Casas do País enfrentam séria crise financeira porque os recursos repassados pelo SUS são insuficientes para manter esses centros hospitalares. Tereza Campos, a presidente do Fehospe que congrega essas instituições no Estado, fala sobre o problema. A pandemia evidenciou para os brasileiros a importância do SUS (Sistema Único de Saúde). Sem ele, certamente a tragédia provocada pela Covid-19 teria uma dimensão ainda maior no Brasil. O que talvez algumas pessoas não saibam é que os hospitais filantrópicos e as Santas Casas têm um papel estratégico para o sistema. Só para se ter uma ideia, em 824 municípios do Brasil, essas instituições são o único equipamento de acesso ao cuidado e à assistência em saúde, com uma representatividade no SUS de 70% do volume assistencial da alta complexidade e 51% da média complexidade. Apesar de toda essa importância para a saúde pública do País, os hospitais filantrópicos e as Santas Casas passam por uma situação muito difícil. Os recursos que o SUS destina a essas instituições são insuficientes para financiar as suas atividades, um descompasso que perdura há décadas, levando os hospitais a acumularem um endividamento de R$ 20 bilhões, sucateamento das suas estruturas físicas e tecnológicas. Nesta entrevista a Cláudia Santos, a presidente da Fehospe (Federação dos Hospitais Filantrópicos de Pernambuco) e superintendente-geral do Imip, Tereza Campos detalha o problema e fala das reivindicações do movimento Chega de Silêncio encampado pela CMB (Confederação das Santas Casas, Hospitais e Entidades Filantrópicas) com adesão da Fehospe. Qual é a situação hoje dos hospitais filantrópicos e das Santas Casas? Os hospitais filantrópicos e Santas Casas, que têm participação efetiva no atendimento e na contribuição de formulação de políticas públicas de saúde, são essenciais para o sistema público, nas esferas públicas e privadas. No entanto, enfrentam um descompasso gigantesco que representa R$ 10,9 bilhões por ano de desequilíbrio econômico e financeiro na prestação de serviço ao SUS, de todo o segmento. O que levou os hospitais a essa situação? O subfinanciamento crônico do sistema público de saúde levou as instituições a um alto endividamento, com o acúmulo de valores na ordem de R$ 20 bilhões, sucateamento das suas estruturas físicas e tecnológicas. Esta situação foi agravada durante a pandemia da Covid-19, principalmente no abastecimento de materiais, medicamentos e insumos com preços elevadíssimos, além da inflação que atinge os custos dos nossos hospitais. Qual a importância desses hospitais no atendimento à população que utiliza o SUS e qual o tamanho da sua estrutura? O setor hospitalar filantrópico tem papel estratégico para o SUS. Nos serviços oferecidos pelo SUS, muitas vezes são únicos prestadores em municípios do interior do Brasil e, também, nos serviços de maior complexidade hospitalar em capitais e cidades de maior porte. A CMB (Confederação das Santas Casas, Hospitais e Entidades Filantrópicas) representa 1.824 hospitais filantrópicos brasileiros, são 169 mil leitos hospitalares e 26 mil leitos de UTI. Em 824 municípios do Brasil, a Santa Casa ou hospital filantrópico é o único equipamento de acesso ao cuidado e à assistência em saúde, com uma representatividade no SUS de 70% do volume assistencial da alta complexidade e 51% da média complexidade. Anualmente faz mais de 5 milhões de internações, 1,7 milhão de cirurgias e mais de 280 milhões de atendimentos ambulatoriais. Dependem economicamente destas instituições mais de 3 milhões de trabalhadores, com vínculo direto e/ou indireto. Em Pernambuco, os hospitais filantrópicos têm atuação igualmente relevante, em consonância com a sua condição na história nacional. Composto por estrutura assistencial de 35 unidades hospitalares que estão presentes em todas as regiões, do Sertão do Pajeú à capital, essa rede filantrópica representa uma atividade imprescindível e exitosa, assegurando uma cobertura na atenção à saúde eficaz, possuindo, inclusive, uma grande representatividade na assistência em alta complexidade. A Fehospe (Federação dos Hospitais Filantrópicos de Pernambuco) é uma instituição com sede no município de Recife, que congrega 24 Santas Casas e hospitais filantrópicos, que ofertam quase 4 mil leitos de internação e 705 leitos de UTI em assistência à nossa população, protagonizando o SUS em todo o Estado de Pernambuco. É evidente o patrimônio histórico e compromisso social dos hospitais filantrópicos no Brasil, que têm uma expressiva capilaridade e interiorização no território nacional. Qual é a reivindicação dos hospitais e das Santas Casas? Alocação de recursos na ordem de R$ 17,2 bilhões, anualmente, em caráter de urgência, em simultaneidade à aprovação do PL nº 2.564/20, como única alternativa de assunção das obrigações trabalhistas decorrentes do PL, assim como para a imprescindível adequação do equilíbrio econômico e financeiro da relação das instituições filantrópicas com o SUS. O que determina o Projeto de Lei 2564/20? A Fehospe está na defesa para a aprovação do relevante Projeto de Lei 2564/20 que altera a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, para instituir o piso salarial nacional do enfermeiro, do técnico de enfermagem, do auxiliar de enfermagem e da parteira. A proposta, o valor mínimo inicial para os enfermeiros será de R$ 4.750, a ser pago nacionalmente pelos serviços de saúde públicos e privados. Nos demais casos, haverá proporcionalidade: 70% do piso dos enfermeiros para os técnicos de enfermagem; e 50% para os auxiliares de enfermagem e as parteiras. O PL 2564/20 originário e aprovado no Senado, tramita na Câmara Federal e está com regime de urgência aprovado. O impacto deste PL para os hospitais filantrópicos que prestam serviços ao SUS é estimado em R$ 6,3 bilhões por ano. *Leia a entrevista completa na edição 193.4 da Revista Algomais: assine.algomais.com

"Subfinanciamento da saúde pública levou hospitais filantrópicos a um endividamento de R$ 20 bilhões" Read More »

"Sempre me apresentei como um paulistano de coração pernambucano"

Rodrigo Oliveira, Chef do estrelado restaurante Mocotó, de São Paulo, que se tornou conhecido por mostrar o valor gastronômico da cozinha sertaneja nordestina, fala da sua trajetória, da emoção de receber o título de cidadão pernambucano e dos projetos na fazenda da família no agreste de Pernambuco. Um dos mais badalados chefs da nova cozinha brasileira, Rodrigo Oliveira, ganhou inúmeros prêmios nacionais e inter- nacionais, como a estrela do Guia Michelin e ocupa o 23° lugar na lista do Latin America‘s 50 Best da revista britânica Restaurant, em 2021. Mas em maio receberá um novo reconhecimento que segundo ele “se compara a todos os maiores e mais honrosos prêmios” que recebeu: o título de cidadão pernambucano. Filho de pais nascidos no semiárido de Pernambuco, Rodrigo conquistou seu sucesso ao mostrar o valor gastronômico da comida sertaneja no Mocotó, restaurante fundado por seu pai na Vila Medeiros, periferia de São Paulo, que atrai de chefes de estado, aos vizinhos do entorno e até estrangeiros como o famoso chef televisivo Anthony Bourdain. Nesta conversa com Cláudia Santos, ele fala da sua trajetória, da forte relação com o sertão pernambucano, do projeto Quebrada Alimentada, que distribui quentinhas para pessoas sem acesso à alimentação, e da primeira produção de farinha da fazenda da família no agreste de Pernambuco. Como surgiu a ideia de ser chef e trabalhar no restaurante do seu pai? É uma história longa. O Mocotó foi fundado por meu pai, José Almeida, um pernambucano, sertanejo retirante, que saiu do sertão fugindo da fome e da seca. Ele chegou em São Paulo jovem, com zero recurso, sem educação formal. Trabalhou na feira, em metalúrgica, fundição, malharia até que, com dois Irmãos abriu uma casa do norte, que aqui em São Paulo é um misto de empório e, às vezes, um bar. Vendia favas, feijões, queijos. Aí, os três irmãos começaram a se estabilizar, viram que era um negócio próspero. Resolveram montar a segunda casa do norte e um tempo adiante, montaram a terceira. Depois se separaram e cada um ficou com uma das casas. Meu pai ficou com a localizada na Vila Medeiros, onde estamos até hoje. Esse empório que tinha um “quê” de bar foi ganhando notoriedade, por servir um caldo de mocotó. Meu pai é um cozinheiro intuitivo, nunca teve formação na área e tampouco cozinhava, começou a cozinhar por necessidade. Só que ele tem um paladar tão fino, que mesmo sem haver na época essa tendência de comida saudável, de evitar excesso de gordura e sal, ele aplicava isso intuitivamente. O caldo de mocotó começou a ganhar fama e o empório foi dando lugar a um boteco modesto. Nasci praticamente dentro desse restaurante. Com 13 anos, já comecei a lavar prato, servir mesa, ajudar na cozinha. Hoje, vejo que o que me levou para lá não foi, especialmente, o apreço pela cozinha, mas a possibilidade de ficar mais perto do meu pai. Todos os finais de semana, eu trocava os passeios, as brincadeiras, os encontros com os amigos para lavar louças. Era difícil vislumbrar uma carreira ali e meu pai nunca me incentivou. Então fui estudar engenharia ambiental, depois troquei de curso, fiz gestão ambiental, até que conheci um cara que estudava gastronomia. Eu perguntei: gastronomia? Eles te ensinam a cozinhar? Ele disse que sim e era aluno do primeiro curso de gastronomia do País da Anhembi-Morumbi. Do convívio com esse cara, que se tornou um grande amigo, veio o encantamento por esse mundo, porque nossa família não tinha acesso a restaurantes, por cultura e por falta de recurso. Comecei a pensar: será que eu poderia ser cozinheiro? Porque eu era muito diferente dos chefs que estavam nas revistas e nos livros. E concluí: talvez não seja o aluno mais talentoso, mas serei o mais aplicado. Larguei a segunda faculdade para estudar gastronomia. Foi quando tive contato com esse mundo, descobri que essa base universal da boa cozinha se aplica desde ao restaurante estrelado, da hotelaria, até a barraca de rua ou ao restaurante nordestino da Vila Medeiros. Esse foi o nosso ponto de virada, quando entendemos que podíamos apresentar uma cozinha nordestina sertaneja autêntica, mas por meio de uma linguagem universal. Este é o grande feito do Mocotó: apresentar uma cozinha que sempre foi estigmatizada. O que se falava sobre a cozinha do sertanejo? Que era pobre, feia, grosseira, pesada. Imagina você reverter essa percepção! E é aí que o Mocotó se torna um restaurante notável porque – não digo que a gente cozinha melhor do que minhas tias e avós lá no Sertão, longe disso – mas conseguimos criar uma linguagem que não só o público daqui entende, mas que o mundo entende como uma cozinha de valor gastronômico. E é uma linguagem nova porque se você observar as listas internacionais de restaurantes das quais o Mocotó faz parte, nenhum se parece com ele, nem na forma, nem no conteúdo. Qual a proposta dos seus outros restaurantes? Em São Paulo temos o Balaio IMS, dentro do Instituto de Moreira Salles, na Avenida Paulista, um lugar belíssimo, dentro de um centro de arte. O Balaio é cozinha brasileira plural. A gente tinha muita vontade de trabalhar com o Brasil e lançar mão desse entreposto incrível que é São Paulo, que tem uma confluência tremenda de culturas. Temos também o Mocotó Café, que são três unidades, é uma versão mais expressa do Mocotó. Em Los Angeles (EUA) temos o Caboclo, talvez o primeiro restaurante de cozinha brasileira moderna. A gente leva a gastronomia do Brasil, mas com um sotaque californiano, porque seria um grande desperdício e talvez receita de insucesso ignorar aquele contexto riquíssimo. Queremos mostrar um Brasil moderno, sem estereótipos. Nossa ideia não era ter um grande restaurante brasileiro, mas ter um grande restaurante, notável por seus méritos, e que é brasileiro. Senão, vira um restaurante pitoresco. A cozinha brasileira não é notável só porque é exótica para o resto do mundo, mas porque temos ingredientes e técnicas de primeira linha e hoje temos chefs de classe

"Sempre me apresentei como um paulistano de coração pernambucano" Read More »

"O C.E.S.A.R. tem o foco de formar lideranças empreendedoras".

Eduardo Peixoto, CEO do C.E.S.A.R., fala dos planos do centro de inovação, que incluem investir em startups e na formação de profissionais de TI com caráter empreendedor. Ele também analisa o impacto da aceleração digital nos negócios da instituição e as perspectivas do 5G e do metaverso. O novo CEO do C.E.S.A.R. Eduardo Peixoto tem acompanhado de perto a evolução da tecnologia da informação. Engenheiro eletrônico, começou a carreira na fábrica da Philips, então instalada no bairro do Curado, no Recife, onde vivenciou a transformação da telefonia, que passou de um processo mecânico para a automação. Ficou um tempo na Holanda, onde fez mestrado em redes de computadores, e na Suíça, onde atuou numa empresa de telefonia privada e automação bancária. Mas a saudade do Recife bateu mais forte e em 2001 foi trabalhar no C.E.S.A.R. “Fui atraído pelo propósito da organização: criar um ecossistema onde as pessoas que quisessem continuar se desenvolvendo e aprendendo tivessem um espaço”. E é com esse propósito que ele faz planos de ampliar a formação de empreendedores na C.E.S.A.R. School com ações como a abertura de graduação à distância e a distribuição de bolsas de estudos para pessoas em situação socioeconômica menos favorecida a partir de recursos captados no mercado. Outro foco é incentivar a criação de startups, uma atividade de muito sucesso num passado recente da instituição. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Eduardo Peixoto fala de planos e do impacto da aceleração da transformação digital no C.E.S.A.R. que levou a um desempenho em 2021 de R$ 350 milhões em vendas, superior em 50% ao resultado de 2020. Ele também aponta as perspectivas do centro de inovação para 2022 e as oportunidades resultantes do 5G e do metaverso. Quais são seus planos aí à frente do C.E.S.A.R? Vou voltar um pouco no tempo. O C.E.S.A.R. é o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife. A partir de 2006, percebemos que estávamos muito em “sistemas avançados” e pouco nos “estudos” e que seria importante, até para continuar fazendo sistemas avançados, que voltássemos mais à origem, trabalhando mais com a questão dos estudos. Silvio Meira sempre falou que toda boa empresa é uma escola na qual estaríamos nos reinventando constantemente. Criamos o primeiro produto, a residência de software, que foi muito útil para várias empresas com quem a gente trabalhava: Motorola, Alcatel e várias outras. Quando a Fiat veio se instalar aqui, usamos o programa de residência para formar 40 pessoas para o software center deles no Porto Digital. A partir dali, aprendemos a ensinar por meio do PBL (problem based learning, em inglês aprendizagem baseada em problema). É o processo “aprender com quem faz fazendo”. Os professores, na maioria, são do C.E.S.A.R. (por isso os alunos aprendem com quem faz) que aplicam o conhecimento para o estudante que também está fazendo, porque ele vai ter que botar a mão na massa para aprender. Daí a lançarmos um mestrado profissional de engenharia de software, que tem a maior pontuação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) em mestrados profissionais e o mestrado em design. Mais na frente, veio a graduação e a criação da Cesar School. Temos esse foco de formar liderança empreendedora, que transforma a organização e a sociedade por meio de startups, pelo uso intensivo de tecnologias digitais e pelo aprendizado baseado no fazer. Temos hoje também um doutorado profissional do qual eu sou aluno, porque acho importante estar sempre me renovando. E os planos daqui para a frente? É exatamente aonde eu queria chegar que é o retorno da centralidade do conhecimento no próprio C.E.S.A.R. Com a formação de empreendedores e com um novo conhecimento, voltaremos a criar startups, como criamos no processo original. O spin-off do C.E.S.A.R. está muito bem no mercado, como Pitang, Tempest, Neurotech e outras tantas (spin-off é processo que identifica o nascimento de empresas a partir de outras já existentes, e que com isso ganham vida própria). São empresas que partem de um conhecimento e de um perfil empreendedor, para não ser mais uma cópia de um modelo de negócio sem muita diferenciação tecnológica. Esse é o plano, o sonho dos próximos 5 anos: ter uma integração muito maior de novo com a centralidade de um conhecimento do C.E.S.A.R., para que formemos mais empreendedores, impulsionando mais startups, e levar conhecimento distinto para empresas maduras, que são um portfólio maior de negócios que temos dentro do C.E.S.A.R. Essa centralidade acontece por meio de uma integração entre os negócios, que são a escola, os labs e a engenharia do C.E.S.A.R. E a partir disso, construir uma organização sem esquecer o que a gente construiu e que nos deu um impulsionamento muito grande que foi olhar primeiro para o colaborador. Estamos trabalhando muito forte em inclusão e diversidade. Hoje são 1.200 pessoas trabalham no C.E.S.A.R. e atuamos para que elas se integrem e participem das decisões. Tivemos também um aumento em participação do mercado não só em eletroeletrônicos, onde tínhamos um peso grande em razão da Lei de Informática. Isto porque as empresas desse setor têm uma redução fiscal e em contrapartida precisam investir em P&D (pesquisa e desenvolvimento), mas somente em parceria com ICTs (institutos de ciência e tecnologia) como é o caso do C.E.S.A.R. Esse é um fomento mais vertical, porque atua no setor de eletroeletrônicos, assim como a Rota 2030 voltada para a área automobilística. Mas há fomentos mais horizontais, como a Lei do Bem. São linhas de incentivo ao P&D no País. Em 2018, o C.E.S.A.R. era uma organização de R$ 100 milhões em vendas, dos quais mais ou menos 85% era proveniente da Lei de Informática. Em 2021, alcançamos R$ 140 milhões com o que chamamos de “não Lei de Informática” de um total de R$ 350 milhões. Em 2018 os negócios “não Lei de Informática” eram de R$ 15 milhões. Quais são os outros setores com os quais vocês trabalham? Entramos muito forte na mineração, que tem muito a ver com automação, óleo & gás, varejo e setor financeiro, inclusive

"O C.E.S.A.R. tem o foco de formar lideranças empreendedoras". Read More »

"Máscara é uma peça do nosso indumentário sem prazo de validade para acabar"

Ana Brito, epidemiologista e pesquisadora da Fiocruz/PE, analisa o atual estágio da pandemia e as possibilidades do surgimento de novas variantes do coronavírus. Também critica o Conselho Federal de Medicina que segundo ela “assumiu um papel de negação da ciência” Com a crescente redução dos casos de Covid-19 no Brasil, a evolução da atual pandemia para uma situação de endemia tem sido tema de debates e destaques no noticiário. Até o presidente Jair Bolsonaro chegou a anunciar que pediria ao Ministério da Saúde para decretar que o País estaria agora num processo endêmico da infecção pelo novo coronavírus. Entretanto, para Ana Brito, pesquisadora médica do Instituto Aggeu Magalhães-IAM, Fiocruz, está havendo uma grande confusão sobre esses termos. Ana, que é epidemiologista e professora aposentada da Faculdade de Ciências Médicas da UPE, ressalta que apenas a Organização Mundial da Saúde pode decretar o fim da pandemia. Alerta também que um cenário de endemia não deva ser o desejável e sim o fim da transmissão do SARS-CoV-2. Nesta entrevista a Cláudia Santos, ela analisa a situação atual da crise sanitária no Brasil e no mundo, comenta as sequelas da Covid longa e critica o que ela chama de “postura negacionista” do Conselho Federal de Medicina. A pandemia da Covid-19 no Brasil caminha para uma situação de endemia? Há uma grande incompreensão na determinação dos termos. Esses dados de pandemia, epidemia, surto são todos baseados em estatísticas. A classificação de uma doença como endêmica ocorre quando ela acontece com muita frequência num local. A dengue, por exemplo, é uma doença endêmica em Pernambuco. Desde os anos 1940 que nós não tínhamos caso de dengue no Brasil, o Aedes aegypt tinha sido praticamente eliminado das zonas urbanas do País. Mas em 1984, com a urbanização acelerada, com condições subumanas de habitações das populações, com a contaminação de rios e riachos e assoreamentos etc., ocorre a reintrodução do vetor, o Aedes aegypti. Desde então seus casos são monitorados e durante os anos foi construída uma média do número de casos esperados. Quando as doenças endêmicas, como a dengue, extrapolam o limite máximo esperado, ocorre um surto, se os casos estão circunscritos a uma área geográfica (como um município ou bairro), ou uma epidemia quando ela se dissemina em várias regiões. A pandemia é uma situação de ameaça à saúde da população que extrapola as fronteiras de países e de continentes. Se o problema já existia, é quando esse problema ultrapassa os limites esperados de tolerância. A denominação de pandemia é feita apenas pela Organização Mundial da Saúde, que reúne informações de mais de 190 países membros da Organização das Nações Unidas. Só a OMS pode classificar se a situação é de pandemia ou não. Ninguém mais. Não é correto que o ministro da Saúde diga que o Brasil está caminhando para uma endemia, ele não tem elementos, nem capacidade, nem foram deliberados poderes mundiais para que ele dissesse isso. Se a pandemia da Covid-19 vai evoluir para uma endemia, essa chave aí ainda não disseram para a gente. O desejável não é caminharmos para uma endemia, que não significa uma situação mais simples, significa a permanência do problema, só que a Covid-19 não estaria em níveis que extrapolam todos os continentes. O que a gente espera, como epidemiologista, é que haja uma homogeneidade na distribuição de vacina em todo o mundo, para que possamos caminhar para interromper a transmissão do vírus SARS-CoV-2, como aconteceu com a varíola, nos anos 1970. Se vamos para uma endemia, teremos que conviver com essa doença por várias gerações e fazer vacinas de reforço. Uma endemia custa muito caro a um país, porque a vacina é cara e temos mais de 20 vacinas no nosso calendário normal, que é bancado pelo SUS. Mas enquanto existir a circulação livre do vírus, vai existir a possibilidade de produção de novas variantes com escape tanto para a doença natural como para a vacina. Essa é a última onda? Não sei, ninguém sabe. Até agora a gente não sabe porque existe circulação livre do vírus na África, onde menos de 20% da população está vacinada no continente inteiro e, em outros países, mais de 30% da população não adere à vacina, o que é um crime contra a humanidade. Acho que lidar com essa questão é urgente. Não é possível que os países convivam com o negacionismo sem que essas pessoas sofram qualquer punição, seja punindo sua circulação livre ou pagando cotas altas. Mas nem dinheiro paga o adoecimento pela Covid. Como você analisa o atual momento da Covid-19 no Brasil? O que eu posso dizer hoje é que estamos entrando num processo de diminuição da taxa de transmissão do SARS-CoV-2, causador da Covid-19 e que este momento pode não ser de uma emergência sanitária para o Brasil. A denominação de emergência sanitária implica em questões sobre autorizações emergenciais de compras públicas etc. Existe um arcabouço jurídico que está por trás das definições dessas situações. Em relação à pandemia, posso dizer que ela persiste, porque a Covid-19 está em expansão, inclusive em países gigantescos como é o caso da China que tem um programa de tolerância zero à Covid-19. Eles têm uma forma de abordagem de enfrentamento baseado no diagnóstico, no isolamento, na quarentena e testes massivos para a população. Mas nas duas últimas semanas houve um crescimento em cidades com 17 milhões de habitantes que neste momento estão em lockdown. Taiwan, que é uma área muito próxima da China, que tem coberturas vacinais altas, também assiste a uma nova onda de Covid pela Ômicron. Portanto temos ainda o processo pandêmico porque a doença está em expansão no mundo. Mas alguns países, como o Brasil, já começam a vivenciar este momento que a gente chama de lua de mel da Covid, que significa um arrefecimento de casos e óbitos, com a população bem vacinada. Mas, é preciso correr para vacinar as crianças e particularmente as de 3 a 5 anos, que provavelmente vão começar a ser vacinadas, depende das liberações da Anvisa. Também

"Máscara é uma peça do nosso indumentário sem prazo de validade para acabar" Read More »

"Apesar da pandemia, a Cepe continua sendo a maior editora pública do País"

Ricardo Leitão, presidente da Cepe, analisa a influência da crise da Covid-19 na venda de livros, e fala sobre a retomada e as tendências do setor. Também informa os projetos da editora, como a Coleção Recife 500 Anos, a produção de audiolivros e a realização da feira Miolos, dedicada aos editores independentes. Com o isolamento social, seria razoável supor que um número maior de pessoas no País aproveitasse esse tempo em casa para ler mais livros. Não foi, porém, o que aconteceu. O faturamento do mercado das editoras apresentou uma queda de 10% em termos reais em 2020, quando comparado ao desempenho de 2019, segundo a pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro realizada pela Nielsen Book. Em Pernambuco, as vendas da Cepe caíram em torno de 20%. Resultado dos períodos em que suas livrarias permaneceram fechadas e eventos como feiras literárias e lançamentos de livros foram suspensos ou adiados. A retomada do setor, segundo seu presidente Ricardo Leitão, já começa a acontecer guiada por algumas mudanças. “A tendência é que não haja mais megalivrarias, mas livrarias de bairros, pequenas, segmentadas”, prevê. Otimista, mas cauteloso com esse novo momento, Leitão, nesta conversa com Cláudia Santos, fala sobre as dificuldades da venda de livros no País, o avanço do e-commerce, a importância das editoras independentes e os projetos da Cepe. Entre eles o lançamento da Coleção Recife 500 Anos e a produção de audiolivros. O primeiro a contar com a narração de atores será o clássico pernambucano A Emparedada da Rua Nova. Qual o impacto da pandemia no setor editorial? O impacto no mercado editorial daqui foi grande. Temos quatro livrarias próprias que ficaram fechadas durante a pandemia. Elas respondem por uma boa venda do varejo da Cepe. Além disso, o Circuito Cultural Cepe, que é uma série de feiras realizadas no interior, também não aconteceu em 2020 e 2021. São dois pontos de venda que a Cepe tem. O Circuito não aconteceu na forma presencial, mas digitalmente, o que perde muito porque o contato estimula muitas pessoas a comparecerem às feiras. Por outro lado, aumentaram as nossas vendas digitais, mas não na proporção para compensar as perdas dos eventos adiados ou cancelados. Qual foi o percentual de redução das vendas? As vendas no varejo caíram em torno de 20% e a receita da Cepe, que é em torno de R$ 50 milhões, reduziu em R$ 10 milhões. Chegamos no final de 2021 com esforço grande. Mas não deixamos de cumprir nenhum compromisso com pessoal e fornecedores. Reduzimos os custos no que foi possível, mantendo a atividade principal, que não é nem venda de livros: a Cepe foi fundada para editar o Diário Oficial que dá publicidade aos atos do governador e das prefeituras. Isso foi mantido rigorosamente todos os dias. Nossa receita caiu também porque não lançamos livro presencialmente. Um livro vende até 30% de sua tiragem num dia de lançamento de autógrafo. Agora estamos melhor, mas reduzindo um pouco a expectativa de lançamentos e o tamanho dos Circuitos Cepe de Cultura, com o objetivo de reequilibrar financeiramente a Cepe e crescer gradualmente as atividades. Nossa meta este ano é chegar a lançar em torno de 80 livros, porque é um bom tamanho. Quantos lançamentos a Cepe fazia antes da pandemia? Chegamos a lançar 100 livros e a Cepe se transformou na maior editora pública do Brasil, e está situada no Nordeste fora do circuito literário principal que é o Sudeste. Publicamos desde títulos infantis até livros baseados em teses acadêmicas. Isso também nos deu sustentação: se um segmento estava ruim, a gente investia no outro, se o livro físico estava ruim, a gente puxava o livro digital. Como estão as vendas do livro impresso? Um tempo atrás se dizia que ele ia acabar e ser substituído pelo e-book, mas não foi o que aconteceu. A expectativa era que a venda de e-book chegasse a 12% do mercado. Chegou, mas depois não cresceu, ficou estabilizada neste patamar. Acho que o gosto pelo livro imprenso se mantém. Também existe livro impresso que não serve para ser transformado em digital, como o livro de arte. Lançamos agora um livro que é uma retrospectiva do trabalho de Tereza Costa Rego, com 300 fotografias. A reprodução daquelas fotos no meio digital perde muito, não dá para ver uma tela de 13 metros de comprimento no visor do celular ou do computador. Existem outros tipos de livros que têm mapas e tabelas em que a leitura digital fica comprometida. Por isso é que eu acho que o livro impresso permanecerá. A televisão não matou o cinema, o livro digital não vai matar o imprenso. Mas o importante é que as pessoas leiam, a mídia é secundária. Leia a entrevista completa na edição 192.3 da Revista Algomais: assine.algomais.com

"Apesar da pandemia, a Cepe continua sendo a maior editora pública do País" Read More »