"O Nordeste vai ser afetado negativamente pela privatização da Eletrobras"
O consumidor, assustado com o valor da conta de luz, tem acompanhado pelo noticiário as informações da privatização da Eletrobras. O assunto é complexo e envolve leilões de energia elétrica, diferentes fontes energéticas e a estrutura do sistema elétrico brasileiro, que abrange capital estatal e privado. Para complicar ainda mais a compreensão, a Medida Provisória 1.055, que estabelece a privatização da Eletrobras, recebeu do Congresso vários jabutis. O termo no jargão político refere-se a emendas parlamentares que não têm ligação direta com o tema da MP, e que destoam do texto original. Para explicar toda essa intricada conjuntura, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Mauricio Tolmasquim conversou com Cláudia Santos. Ex-secretário-executivo do Ministério das Minas e Energia e ex-presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), Tolmasquim esclarece por que a conta de luz está tão alta, e analisa as consequências da privatização da Eletrobras para o setor elétrico e para o consumidor do Brasil, em especial do Nordeste. Qual a importância da Eletrobras? A Eletrobras é a maior empresa elétrica da América Latina, detém cerca de 1/3 da capacidade de geração de energia elétrica do Brasil, sendo que 90% dessa capacidade é de baixas emissões de gases de efeito estufa. Também detém quase 50% da transmissão e tem ainda papel relevante em programas governamentais, como o Luz para Todos, o Procel, programa de conservação de energia elétrica e o Proinfo, de fontes alternativas de energia. A Eletrobrás é ainda controladora do Cepel que é o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica, que presta serviços e apoia uma série de empresas do setor elétrico. Como o senhor analisa a proposta de privatização do Governo Federal? Creio que a privatização seria desnecessária e os argumentos para a realização não têm base justificável. A primeira argumentação é que se não houver a privatização, haveria falta de recursos para expandir o setor. Só que não é verdade. O interesse dos investidores privados tem sido muito grande desde 2004, com a introdução dos leilões para contratação de energia. Os vencedores ganham contratos de longo prazo, que tornaram muito atrativos os leilões. Tanto que de 2005 a 2018, o setor cresceu, expandiu a sua capacidade quase 4,5% ao ano, um valor bem acima ao crescimento da economia, e 80% desse investimento foi de capital privado. Investiram sobretudo em geração eólica, solar, termelétrica e mesmo hidrelétricas, algumas em parceria com Eletrobras. Os leilões são organizados com uma quantidade grande projetos inscritos, ou seja, há uma oferta muito maior do que demanda, portanto, não é verdade que haveria uma premência de privatizar a Eletrobras para suprir a segurança do sistema. O segundo argumento é que a Eletrobras traria prejuízos ao Tesouro. Mas se olharmos os quatro últimos anos, a estatal apresentou lucro de R$ 36 bilhões e contribuiu com o orçamento da União. Por outro lado, essa privatização da maneira como está sendo feita, tem dois impactos indesejados. O primeiro, os investidores vão poder ter no máximo 10% do capital votante. Isso é argumentado como um mecanismo de democratização da propriedade da empresa, para criar uma corporation. Mas a verdade é que os grandes operadores de empresa do setor elétrico não entram numa privatização se não tiver o controle da empresa. Quando o capital é muito pulverizado, atende-se mais ao setor financeiro que geralmente está muito interessado em retorno a curto prazo. Porém, o setor elétrico realiza projetos muito intensivos em investimentos e têm o retorno a mais longo prazo. Então, pode haver uma incompatibilidade entre a necessidade setor elétrico e o interesse do capital financeiro. Outra questão é que apesar de a Eletrobras ter reduzido sua participação na geração e mesmo na transmissão, ela ainda tem importância grande dentro do sistema, é a maior empresa da América Latina. Ao ser privatizada, será uma empresa com um poder de mercado muito grande, o que pode ser contra a competição e ter um efeito de oligopólio, o que é ruim para o consumidor. Então as contas de luz dos consumidores podem aumentar ainda mais com a privatização? Acho que pode aumentar não só por conta disso, mas também pelo processo de descotização que vai ocorrer. O que é descotização? Em 2012, várias hidrelétricas estavam para findar o período de concessão e deveriam voltar para a União que iria leiloar essa concessão. Na época, foi oferecida às concessionárias – sejam as estaduais, a Eletrobras, ou as privadas – que quem tivesse interesse em estender por mais de 30 anos a concessão e aceitasse, em contrapartida, reduzir a sua tarifa e vendesse a energia pelo preço de custo mais uma taxa de lucro de 10%, teriam a concessão estendida. Na verdade, depois que uma hidrelétrica tem o investimento amortizado, o custo operação e manutenção é muito baixo. Então, a Eletrobras vende a energia das hidrelétricas a um preço de cerca de R$ 75 o megawatt/hora, mas na privatização está previsto que as hidrelétricas possam vender energia ao preço do mercado que hoje está em torno de R$ 250 o megawatt/hora, ou seja, quase o triplo e isso vai pressionar as tarifas. É verdade, que parte do recurso arrecadado com a privatização vai para o Tesouro e parte vai para abater a conta de desenvolvimento energético, que é uma conta que o consumidor paga para dar subsídios. Só que esse valor que vai entrar não compensa o aumento da descotização. Além disso, esse valor será pago em pequenas parcelas. Está previsto que entre para abater a conta de desenvolvimento energético cerca de R$ 32 bilhões, sendo R$ 5 bilhões agora e restante será abatido R$ 1 bilhão até 2047, que no total é muito pouco. Só este ano, a conta de desenvolvimento energético, é, por acaso também, de R$ 32 bilhões. Então isso não vai compensar o impacto do aumento tarifário que vai ter por causa da descotização. A tarifa também será afetada porque a lei de privatização da Eletrobras trouxe consigo uma série de jabutis que são emendas colocadas pelo Congresso que não têm relação com o
"O Nordeste vai ser afetado negativamente pela privatização da Eletrobras" Read More »