Entrevistas – Página: 26 – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Entrevistas

Virei escritor por causa da revolução

O romance A Noiva da Revolução tem sido responsável por tornar mais conhecido do público o movimento de 1817. Nesta entrevista, o autor da obra, Paulo Santos, comenta como concebeu o livro, analisa porque essa parte da história do País foi “deletada da memória nacional” e fala sobre seus projetos futuros. Como você começou no jornalismo? Eu havia entrado num curso de geologia e descobri que não tinha vocação.  Chegou um momento em que larguei tudo e resolvi trabalhar. Comecei como cartunista no jornal, aos 19 anos. Depois, passei dois anos em São Paulo. Voltei para o Recife, trabalhei no Jornal do Commercio, como cartunista, mas fazia reportagem eventualmente. Fui correspondente da imprensa alternativa, nos jornais Movimento e Em Tempo, nos anos 70. Nos anos 80, ajudei a fundar a ONG Equipe de Comunicação Sindical. Passei uma década trabalhando com sindicatos e associações de bairros. Nos anos 90,  me apaixonei por informática e fundei uma empresa de consultoria que atuava no uso da informática na comunicação. Depois, fundei outra empresa, dessa vez para desenvolver softwares. Aí a coisa não caminhou bem e daí já fiz um monte de coisas. Com a virada do século, resolvi escrever. Sempre gostou de escrever sobre história? Sempre fui apaixonado, cheguei até a cursar um ano de história na UFPE, mas trabalhava em jornal, fazia militância, gostava muito de namorar (risos), então, não havia tempo. Tive que abandonar o curso. Conversando com um grande amigo historiador, me interessei pela Revolução de 1817, comecei a ler e pesquisar sobre ela. Fiquei escandalizado com o tamanho da minha ignorância sobre o assunto, que era certamente igual à de 99,9% dos pernambucanos. Não sou um sujeito desinformado, mas não sabia nada sobre um dos eventos mais importantes da história do Brasil. Resolvi que tinha que escrever sobre isso. Num primeiro momento, seria algo  como “história contada por jornalista”. Depois percebi que teria que ter um tratamento romanceado, pelo próprio romantismo dos personagens e fatos. Não dava para escrever de forma estritamente descritiva, sem colocar emoção. Virei romancista por causa da vontade de contar essa história. A Noiva da Revolução foi seu primeiro livro? Sim. Faz 10 anos que foi lançado. Passei três pesquisando. Como foi esse trabalho de pesquisa? Eu li muito. Não fui em nenhuma fonte primária, pesquisei somente em livros, publicações, etc. Há muita informação. Tive que eliminar metade do que consegui pesquisar. Não é que a história de Pernambuco seja mal estudada. A historiografia do Estado é fantástica, é a mais rica do Brasil, e temos historiadores à altura dela: Joaquim Nabuco, Gilberto Freyre, Evaldo Cabral de Mello, Oliveira Lima. O que não existe é a divulgação dessa informação. Ela mora no universo acadêmico, falta um meio de campo para repassá-la para o povo. Se você perguntar a qualquer um quem foi Cruz Cabugá, Padre Roma, Gervásio Pires, quem vai saber? São personagens importantíssimos na história do Brasil. Por que a Revolução de 1817 é tão desconhecida e a Inconfidência Mineira não? Pernambuco possuía questões políticas avançadas. No primeiro dia de governo da revolução, decretou-se o fim dos tratamentos de “vosmicê” e “senhor” para as pessoas importantes. Todo mundo era igual. Essa era a mentalidade dos revolucionários. A Revolução Praieira falava de uma ideia de comunismo, em 1848. Karl Marx ainda estava escrevendo o Manifesto Comunista na Alemanha. Enquanto aqui já havia uma revista, chamada O Progresso, discutindo socialismo. Então, não interessava a muita gente que tudo isso fosse discutido e propagado. Existem anotações do Varnhagen, historiador oficial do Império, em que ele dizia que estava lendo sobre a Revolução de 1817, mas que ela não deveria ser divulgada. A revolução propunha a independência, então era interessante não falar dela no período colonial. Depois da independência, o Brasil se tornou império, mas a revolução era republicana. O único período em que foi prestigiada foi durante a República Velha, porque interessava politicamente. No centenário da revolução, o dia 6 de março foi decretado feriado nacional. Quando surgiu o Estado Novo, a revolução voltou a ser ocultada porque era federalista. Com o Golpe Militar fica ainda mais óbvio: a Revolução de 1817 era radicalmente democrática. Política é marketing e a República precisava de um símbolo. A candidatura de Frei Caneca foi lançada, só que ele era subversivo demais: padre casado com três filhos, brigão, provocador e revolucionário mesmo, de pegar em armas. Grande intelectual e poeta. A qualificação dele para ser símbolo do Brasil era superior à de Tiradentes. O que Tiradentes fez? Com todo o respeito, ele foi um mártir, mas não fez nada além de morrer. Ele não tinha imagem e é retratado como se fosse um Cristo. É um simbolo fake. Quais os aspectos progressistas da revolução? Em 1910, Oliveira Lima definiu 1817 como o único movimento no Brasil que pode ser chamado de revolução. Naquele tempo, não havia acontecido a Revolução de 1930, que considero que possa ser também chamada por esse nome. O projeto político da nossa revolução é muito mais avançado do que todos os outros propostos no País até então. Ela fez uma reforma tributária radical, criou a primeira polícia. E funcionou. Os governadores da revolução nem recebiam salário. Para eles, era uma honra exercer esse cargo. Ela se espalhou para a Paraíba e o Rio Grande do Norte. Na Paraíba, o governo revolucionário era mais radical. Eles chegaram a discutir a participação das mulheres. Naquela época, mulher não tinha direito a participar de luta política. Considero esse o primeiro passo para torná-las cidadãs. Mas o resultado foi terrível, porque os pais e maridos ficaram contra. Se o projeto político da Revolução de 1817 tivesse dado certo, o Brasil seria completamente diferente do que é hoje. Por que os revolucionários não extinguiram a escravidão? Porque era politicamente inviável. Toda a mão de obra era escrava. Não era possível acabar com a escravidão do dia para a noite, mas os escravos que quisessem entrar no Exército eram libertados. Então, foi assinado o primeiro ato abolicionista do Brasil. E o governo

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Componho o que ouço do povo

Se você é um folião certamente já brincou ao som de um frevo composto por J. Michiles. Nascido José Michiles da Silva, o autor de Bom Demais, Me segura senão eu caio e Diabo Louro fala nesta entrevista da sua trajetória musical, que curiosamente começou criando uma versão dos Beatles para o grupo Golden Boys. Você sempre viveu no bairro de Campo Grande? Sou recifense e sempre morei em Campo Grande e arredores (Arruda, Água Fria, Sítio Novo). Quando menino ouvia no rádio os grande autores pernambucanos, como Levino Ferreira, Zumba, Capiba, Nelson Ferreira. Também ouvia Jackson do Pandeiro, Ari Lobo, Luiz Gonzaga. Desde cedo que eu me abri para essa imagem que é a música pernambucana. E já escrevia paródias. Você é sobrinho do cantor Orlando Dias, ele também o influenciou? Ele foi intérprete de grandes sucessos nos anos 60. Cantor romântico. A mãe dele minha avó já cantava, a família toda tem veia artística, tanto é que a gente seguiu esse caminho da arte de compor e de cantar. Eu tenho um neto que é um sucesso, Víctor Santos, que também vem dessa estirpe de grandes autores e cantores. Além de compositor, você também foi professor. Como foi essa experiência? Fiz história na Católica e fui professor de história, matéria que cheguei a ensinar durante um ano. Mas antes de terminar o curso eu já ensinava artes plásticas, pintura, modelagem no barro. Fiz um curso técnico de desenho na antiga Escola Industrial Governador Agamenon Magalhães. Passei a lecionar em 1962 nessa mesma escola, como assessor do grande escultor Edson de Figueiredo, que foi professor também de Abelardo da Hora. Seu primeiro sucesso foi uma versão dos Beatles. Como foi esse início? Cheguei no Rio de janeiro, no dia 2 de janeiro de 1964, depois de 7 dias de viagem. Foi uma viagem histórica: não havia asfalto, tínhamos que descer para quebrar galho de mato, escorar pneu, empurrar o ônibus (risos). Meu tio Orlando Dias morava lá. Naquele ano fiz um bolero que foi gravado pelo cantor Víctor Bacelar. Dois anos depois, o grupo vocal The Golden Boys, gravou a versão que fiz da música I want to hold your hand (Quero afagar tuas mãos) pela etiqueta Odeon e foi um grande passo na minha carreira. Deu até pra ganhar um dinheirinho bom. Como conheceu os Golden Boys? Meu tio era amigo desse pessoal, que morava no Méier, o mesmo bairro onde meu tio residia. Dois anos depois, teve um festival aqui intitulado Uma canção para o Recife, no qual concorri com grandes mestres da música pernambucana – Capiba, Nelson Ferreira, Ariano Suassuna, Luiz Bandeira – e para a minha felicidade ganhei o primeiro lugar com a música Recife manhã de sol, gravada com Marcos Aguiar, grande cantor pernambucano. Depois essa marcha foi regravada por Orlando Dias, Bloco da Saudade, Roberto Miller. No meu CD Asas do Frevo, uma coletânea, lançada em 2007, por ocasião do centenário do frevo, gravei com Maria Bethânia, que fez uma interpretação sublime. Um mês depois ela veio ao Recife, fazer um show no Classic Hall, e me convidou. Ela terminou a apresentação com uma homenagem cantando Recife manhã de sol. Eu nem ia no camarim, porque havia uma multidão por lá. Telefonei para a empresária dela e disse: olhe, diga a Maria Bethânia que eu estou muito agradecido pela homenagem e que deixei um cheiro pra ela. A empresária disse: “não, senhor, ela está te esperando”. Fui ao camarim, abriram caminho pra mim, quando ela me viu disse: “Michiles que coisa linda você me deu!”. Eu disse linda é você com sua interpretação sublime. Nesse CD também tem Daniela Mercury, Chico César, Alceu Valença. Bom demais foi seu maior sucesso? Um dos maiores. Bom demais, gravado em outubro de 1985 para o Carnaval, com interpretação de Alceu Valença. No Réveillon de 1986, Alceu me telefonou, dizendo: “Tás ouvindo? Todas as emissoras tocando o frevo?” Na quarta-feira de cinzas, às 5 horas da manhã, comprei o Jornal do Commercio que trazia estampada a manchete: “Carnaval foi bom demais”, porque só deu Bom demais. Um frevo antológico que já perdura por vários carnavais. Me segura senão eu caio, de 1987, também ficou na história. Depois veio o Diabo louro, que é sucesso até hoje, depois veio Vampira. São frevos cinematográficos: “Levei um trote em plena multidão/ ela me deu um bote/ bem no meu cangote/ e me botou no chão/ naquele alvoroço, mordeu meu pescoço/ parece mentira aquele beijo/ foi um beijo de vampira. Esse frevo eu criei em pleno sábado de Carnaval, estava na sacada do restaurante Mourisco, em Olinda. Lá embaixo a multidão esvoaçada no frevo e, de repente, uma moça deu um bote no pescoço de um cara, caíram os dois no chão. Ele se levantou procurando a moça, mas ela já tinha ido embora. Eu disse: acabo de assistir a um beijo de vampira. Aí, me sentei e comecei a escrever a música. Qual o segredo de suas canções serem sucesso? Sempre digo o seguinte: o difícil é fazer o fácil. O fácil é aquela música que você faz e o povo na primeira audição sai cantarolando. É a música que fica. Esse é o grande tempero. Sou um autor que compõe o que ouço do povo. A emoção que eu sinto do povo eu devolvo ao povo. O gratificante é fazer a sua música na sua intimidade, na sua solidão e de repente ver cair na boca do povo, 1,5 milhão de pessoas cantando sua música no Galo da Madrugada! Além frevo, também compus forró. Elba Ramalho gravou Lua Vadia, gravei com Dominguinhos Estrela Gonzaga, homenagem a Luiz Gonzaga. O primeiro grande sucesso de Novinho da Paraíba foi um forró meu. Com Jorge de Altinho gravei Queimei seu travesseiro. Você vive da sua música? O compositor é sempre garfado, se eu for viver só de música estou roubado. Sou aposentado pela Secretaria de Educação como professor. Eu lecionei 31 anos em sala de aula. Depois participei da campanha de

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A China produz roupa, mas não produz marca

Quando criança, ele vendeu dudu e cocada nas ruas de Santa Cruz do Capibaribe. Mal entrou na adolescência ajudou a mãe a confeccionar roupas. Hoje ele é dono de uma das maiores marcas de moda praia e street wear do Estado e planeja faturar R$ 40 milhões este ano. Conheça nesta entrevista a trajetória de sucesso de Arnaldo Xavier. Como foi ser criança e ter que trabalhar? Sou de uma família de cinco irmãos (eu, mais um homem e três mulheres). Sou filho de uma costureira e de um senhor que trabalhava na Prefeitura de Santa Cruz do Capibaribe. Em 1974, quando eu estava com 7 anos – sou o mais velho – e minha irmã mais nova tinha 8 meses, meu pai, aos 32 anos, faleceu. Deixou minha mãe viúva, aos 28 anos. A gente começou a ter muitas dificuldades porque todos os irmãos de minha mãe (que eram 13) foram para o Paraná e ela ficou sozinha na cidade. As vizinhas começaram a ajudá-la e a primeira coisa que minha mãe fez, foi dar as crianças mais novas, Alessandra foi dada para uma amiga e Ana para minha avó materna. Mas essas irmãs também moravam na mesma cidade? Sim. Minha mãe começou a pedir a geladeira da vizinha emprestada para fazer dudu. Também fazia cocada e botava a gente para vender. Três anos depois nessa vida de muita dificuldade, o maior empresário da cidade, Noronha Silvestre, ouviu dos amigos a situação que minha mãe estava passando. Ele se compadeceu e resolveu ajudar. Ele era o maior revendedor de tecidos da região e perguntou a minha mãe o ofício dela. Ela disse que era costureira e ele decidiu que ia fornecer tecido para ela, na verdade, retalhos. Ela pagaria quando pudesse. Ela disse que não podia aceitar porque não tinha condições de comprar aviamentos, linha, elástico. Ele ajudou nisso também e disse que ela não desperdiçasse a oportunidade. Ele entregou dois fardos grandes de tecido. Eu devia ter 10 anos na época e lembro que os fardos vinham cobertos com estopa e uma cinta de aço muito forte e quem tirou essa cinta fui eu com alicate. Retiramos na calçada mesmo, porque era muito grande, não cabia na residência. Começamos na sala e nos quartos a selecionar os tecidos: branco, de bolinha, etc, para depois minha mãe inventar o modelo. E começamos a prosperar. Ela convidou amigas e vizinhas para ajudar na costura. A casa começou a ser uma residência e fábrica de confecção. Ora a mesa era para fazer os cortes, ora era para botar a janta. Os quartos eram estoque, outra hora lugar para dormir. Como você ajudava? Comecei, entre 13 e 14 anos, a aprender a corte e costura. Comecei a gostar do ofício. Minha mãe fazia moda feminina, mas eu queria fazer algo que eu pudesse usar. Pedi a minha mãe para ceder o alguns quilos para eu confeccionar algumas coisas. Disse que queria fazer bermuda. Ela relutou num primeiro momento, mas cedeu 20 quilos de tecido e cada vez cedia um pouco mais. Ela viu que a coisa tinha futuro. A gente comercializava nas proximidades da residência. A principal feira da cidade ficava na rua Siqueira Campos, era uma rua só de confecção. A gente percebeu que essa feira, que ficava a uns 700 m da nossa residência, crescia a cada dia e que os ônibus, vans e carros das pessoas que iam comprar estacionavam cada vez mais próximo da nossa casa. Eu disse para minha mãe: olha, em pouco tempo essa feira vai chegar na nossa casa. Sugeri que fizéssemos uma loja na sala da casa. Ela disse “você está maluco, essa feira nunca vai chegar aqui!”. Eu disse para ela: observe que na próxima semana o estacionamento vai estar na outra rua próxima a nossa casa. Ela percebeu que era isso mesmo e cedeu a sala que transformamos numa pequena loja. Em pouco tempo os carros estavam estacionados na frente de casa. Isso deu um boom danado. Quando os clientes viam a loja com produto exposto, agregava um pouco o valor do produto. Tudo isso fez com que as vendas cada vez mais aumentassem. E você expôs as bermudas? Comecei a fazer produto masculino, minha mãe feminino, meu irmão começou a entrar no negócio também junto com a outra irmã. As coisas começaram a prosperar. Eu fui pedindo espaço: vamos aumentar a loja para um dos quartos, em vez de camas vamos botar beliche para caber tudo. Chegou um momento que não tinha mais espaço eu disse: mãe a senhora vai morar numa casa alugada que eu vou pagar. Ela já havia comprado a casa da loja. Dessa vez ela cedeu logo, porque viu que eu tinha acertado duas vezes. E cada vez que a gente ampliava a loja, o negócio crescia mais. Dos meus 15 a 30 anos a gente ficou fazendo isso. Eu quebrei duas vezes nesse processo. Por falta de experiência, a gente vendia muito com cheque pré-datado. Eu quebrei de ficar sem nada. Mas minha mãe não e, quando um quebrava, um ajudava o outro. Como surgiu a Rota do Mar? Eu casei com 27 anos e aos 30 anos falei com minha esposa: tenho que sair do círculo familiar para criar uma nova marca. A gente tem que sair para que a gente possa crescer e eles também. Eu cheguei certo dia com essa ideia e minha mãe e minhas irmãs disseram: “você tá doido, você é o cabeça daqui!”. Eu disse que cada um ganhou um pouco de experiência e dá pra voar sozinho agora. Se a gente continuar no mesmo grupo não vai ter crescimento. Havia a cultura na cidade de colocar o sobrenome ou o nome do filho ou dos cônjuges na marca. A nossa primeira marca foi Xavier Confecções. Comecei a folhear revistas de surf, vi que esse segmento era forte e faltava na região. Sempre gostei de folhear essas revistas e sempre fui apaixonado pelo mar. Queria criar alguma coisa relacionada

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O manguebeat contribuiu para o cinema descobrir o Recife

Com a mesma desenvoltura que circula entre diferentes ritmos para criar sua música, DJ Dolores transita com desembaraço em papéis distintos como o de documentarista, designer ou autor de trilha sonora. Misturar, ousar experimentalismos e se lançar em novos campos da arte sempre fascinou o sergipano Helder Aragão, que se tornou recifense, desde que aportou por aqui aos 18 anos. Nesta conversa, ele fala da cena mangue e sua influência, da relação com Kleber Mendonça Filho, dos planos na música e das investidas em produções para a TV. Por Cláudia Santos e Rafael Dantas Como foi ser criança em Sergipe? Nasci em Propriá, à beira do Rio São Francisco. Essa experiência ribeirinha foi importante pra mim porque a gente tinha muito contato com a natureza. Também tínhamos um certo culto à educação. A gente lia muito desde criança. A ideia de ler sempre foi muito presente na minha vida e dos meus primos. Quando se ouve os poetas do interior, os repentistas, percebe-se que os caras sabem de tudo: da mitologia grega às naves espaciais. Esse tipo de curiosidade é muito interiorana e o conhecimento é sempre um jeito de você romper sua condição geográfica e social. Havia alguém artista na família? Na minha família existem muitos músicos, meu pai também era músico, chegou a gravar disco e tocava vários instrumentos de corda e sopro. Mas ninguém transformou essa veia artística em profissão, fui o primeiro. A cultura da região do São Francisco o influenciou? Quando criança, eu acompanhava as festas de boi e as marujadas, que conviviam lado a lado com a igreja católica e a jovem guarda. Foi desse mix que surgiu seu gosto por misturar ritmos? Acho que todo mundo que mora no Nordeste está submetido à ideia de que você pertence a uma tradição e que ao mesmo tempo você quer outras coisas. A gente é muito mais aberto do que a cultura do Sudeste, que têm um grande vazio, eles procuram essa tradição e talvez a busquem no resto do País. Quando você chegou ao Recife? Aos 18 anos. Vim por conta própria. Já morava em Aracaju nessa época, mas era uma cidade muito pequena. Eu era um jovem que queria ir para uma cidade maior, tinha a ambição de estudar outras coisas. Estudei design na UFPE, comecei a trabalhar nessa área. Daí larguei o design para fazer animação na TV Viva, uma produtora, que era uma ONG , com uma das melhores estruturas. Isso foi em 1989. A partir da animação comecei a escrever pequenos roteiros de vídeo, aprendi a editar, e logo depois, numa outra produtora tive a oportunidade de dirigir documentários. Passei um tempão fazendo documentários e viajando pelo Brasil para a TV Cultura. Nessa época surgiu em paralelo o manguebeat. Nunca deixei de ser DJ, de fazer música, mas a minha profissão a essa altura era escrever e dirigir documentários. Já tinha largado o design. Mas fazia trabalhos como capa de disco de amigos, junto com Hilton Lacerda (cineasta do filme Tatuagem), como da Lama ao Caos, de Chico Science, e a do Mestre Ambrósio, que foi premiada. Como surgiu a cena mangue? Todo mundo era muito jovem, tinha muitas ideias e acho que alguns tinham muito talento. O que eu sentia em Aracaju, sentia no Recife: não havia muitas coisas acontecendo. Por isso, a gente começou a fazer festas para nós mesmos. O sentimento era criar algum tipo de diversão para livrar a gente do tédio. Essas festas cresceram, talvez porque fossem uma demanda, um sentimento compartilhado na cidade. De repente outras pessoas estavam fazendo festa. E aí, saímos da ambição de fazer uma festa e começamos a ter ambição de fazer uma banda, de produzir show e foi desse jeito que aconteceu. Eu já era DJ dessas festas. O mangue começa a ganhar características bem mais importantes quando as bandas surgem. Começa a apresentar uma obra própria e essa obra pede intervenções de outras disciplinas. Era aí que a gente entrava, pensando como seria a imagem, como era o palco, como poderia transformar aquilo num vídeo. Começamos a trabalhar com linguagens mais complexas, criando uma estética e um discurso. Quando você começou a trabalhar como músico? Trabalhei durante muito tempo como documentarista, até que em 1999 eu estava em São Paulo, mas não aguentava morar lá. Resolvi voltar pro Recife. Aqui não tinha trabalhos interessantes. Resolvi arriscar e fazer música. Montei minha primeira banda que se chamava DJ Dolores. Estreamos no Abril pro Rock daquele ano, a repercussão foi incrível. No outro dia saímos nas capas de revistas de música e jornais. Isso permitiu dar outro passo que foi montar uma banda fixa, a Santa Massa. Em 2002 a gente fez a primeira turnê no exterior. Como foi recepção? Boa. Em 2003 a gente lançou um disco na Europa através de um selo inglês e fizemos uma turnê que foram quase 40 shows em dois meses. Foi tipo um recorde. E não era fazendo circuito de bar, mas de festivais importantes da Europa, com direito a ir a Nova Iorque no meio dessa turnê com shows no Lincoln Center. Foi um feito muito grande, mas na época não havia Facebook e as pessoas não ficaram sabendo (risos). Por que Dolores? Por que o nome do escritório de design que eu tinha com Hilton se chamava Dolores e Morales. Como eu gostava muito de Dolores fiquei com o nome, que já me deu muitos problemas. Uma vez, na Cidade do México, uma jornalista ficou brava porque dizia que esse era um nome de mulher (risos). Com a morte de Chico Science, o manguebeat arrefeceu. Como você vê o desenrolar desse movimento? Acho que o que a gente costuma chamar de manguebeat foi uma cena, e uma cena tem um começo, um auge e um fim natural. O mangue explode num momento que tem muita gente em várias áreas – da moda, da música, da dança, das artes plásticas – com algum tipo de inquietude para liberar. O mangue catalisa

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“O mundo é mais inteligente por causa do digital”

Gustavo Maia é um recifense apaixonado por política e um empreendedor incansável. Embora jovem, já teve vários negócios. O Colab, aplicativo que criou com amigos, recebeu o prêmio AppMyCity de melhor app urbano do mundo. Inquieto, disse nesta conversa com Algomais, que planeja introduzir mudanças no produto para ser ago como o Pokemon Go da cidadania. Confira mais na entrevista. Você passou a infância no Recife? Sou recifense, mas aos 5 anos me mudei para São Paulo, com minha família. Meu pai é executivo da PWC e foi transferido para lá. Aos 6, ele foi transferido para os Estados Unidos, Indianápolis. Depois, voltamos para São Paulo, em seguida para o Recife. Foram dois anos fora. Em 1999 fomos para Campinas. Passei um ano e meio e fui fazer intercambio no Canadá. Depois voltei para o Recife para fazer faculdade, publicidade. Entrei na faculdade aos 17 e aos 18 montei um escritório pequeno de design, com amigos, para oferecer pequenos serviços de agência de publicidade. Você nunca pensou em ser um assalariado? Eu cheguei a estagiar, fui diretor de artes, de criação em agência, ainda durante a universidade. Daí fui chamado por amigos da faculdade para ser sócio deles na agência Massapê em 2006. Na época era uma sala em cima de um estacionamento da clínica da mãe de um dos sócios. Reformamos e começamos a crescer. Mas, quando estava no fim da faculdade, não queria mais a publicidade. Fui ser sócio, menos como publicitário, mais como empreendedor. Passei um tempo na agência, depois saí e montei uma agência de marketing digital, a Quick Site, em 2008. Era um modelo para desenvolver sites rápidos para pequenos e médios empresários em 48 horas. Nessa época, 2008, ou você contratava o sobrinho de alguém para fazer o site ou uma agência, o que saía muito caro. A gente entrava com preços baratíssimos, 12 vezes, no cartão. Era legal, mas tivemos dificuldade em escalar. Mas vendemos mais de mil sites. Depois abrimos paralelamente a Quick Solution, que era o braço para fazer portais maiores. Ainda nesse ano, criamos o Quick Político, para desenvolver site para candidatos. Sempre fui apaixonado por política. Fizemos o site de João da Costa, no Recife, e de Elias, em Jaboatão. Em 2008 pegamos o desafio de desenvolver o portal nacional do PSDB, que era algo grande. Nós atendemos bem. Éramos novinhos, mas conversávamos com os ex-ministros de FHC. Foi uma experiência bem legal. Nessa época criamos também um site de compra coletiva o “Gentes Finas”, que faturou R$ 300 mil em 3 meses e fechamos porque houve o pico da compra coletiva, mas em seguida caiu rápido. Foi um negócio bem-sucedido para nós. Nesse meio tempo, montamos um empreendimento em Tamandaré. Nós estávamos sem dinheiro, mas vimos um terreno legal, fizemos um projeto arquitetônico e dividimos o imóvel em flats. Fomos buscar investidores, que foram comprar como investimento para vender depois. Tiramos isso do papel e hoje exitem 10 flats e outras coisas. Quando nasce a ideia do Colab? Em 2010 fizemos várias campanhas para governador, senador, deputados, basicamente em Pernambuco. Em 2011, a Quick recebe um pequeno investimento e montamos um escritório em São Paulo. Aqui fazíamos mais desenvolvimento e lá a parte comercial. Em 2012 voltamos a fazer eleição. Era pré-campanha de Raul Henry, que nem chegou a ser candidato. Ele queria fazer um programa de governo colaborativo, perguntando à população, através das redes sociais, o que ela queria. Fazíamos enquetes no Facebook de Raul, toda semana, com 30 mil a 50 mil pessoas respondendo sobre algum tema da cidade. Na época surge o Ocupe Estelita e os Direitos Urbanos. Estávamos trabalhando para um candidato e construímos esse diálogo entre as pessoas através da rede social. Nessa época Eduardo Campos indicou Geraldo e Raul o apoiou. Aí fomos trabalhar na campanha de Geraldo. Acabado o pleito, começamos a formatar o Colab. Colocamos no papel e o lançamos em março de 2013. Explique o que é o Colab? É uma rede social da cidadania. Conectamos o cidadão com o governo. Víamos o povo cada vez mais na rua querendo uma interlocução maior. E nós conhecíamos os políticos. Trabalhei com muita gente boa, séria, comprometida. Mas o governo é uma máquina gigante, ineficiente, difícil. Ajudamos a construir essa relação de forma estruturada para levar o desejo das pessoas até o governo, de forma que ele possa revolver. Não é uma ferramenta da prefeitura ou do governo, mas da sociedade civil, que disponibilizamos uma estrutura para trazer o governo para dentro. Basicamente é um aplicativo de celular – mas é disponível também em site – no qual você vê um problema na rua, identifica isso com foto e localização. Essa informação vai para um sistema em que a gente coloca a prefeitura para fazer o atendimento. A primeira prefeitura que trabalhamos foi a de Curitiba. A resposta da prefeitura é rápida? Assim que uma pessoa faz uma publicação, a mensagem chega na prefeitura imediatamente. A primeira coisa que a prefeitura faz é dizer que recebeu a demanda, que identificou ser verdadeira, pois tem gente que publica informações falsas. Daí comunica que está mandando para um técnico responsável. Em 95% dos casos, essa primeira resposta é em menos de cinco horas. A prefeitura também pode consultar a população em situações como: Qual a banda que você quer que toque no show que será aberto ao público? Ou onde colocar R$ 1 milhão entre cinco projetos previstos? No passado eram 80 ou 90 pessoas nas assembleias do Orçamento Participativo. Com o Colab, fizemos com 10 mil pessoas participando este ano em Santos (SP). Vocês estão em quantas cidades? Hoje a Colab é uma das ferramentas sociais de relacionamento com o cidadão de Curitiba, Porto Alegre, Teresina, Natal, Recife, Campinas, Pelotas, Santos. São 150 prefeituras no País que utilizam a plataforma oficialmente. Temos pouco mais de 150 mil usuários e uma taxa de resolução muito superior a qualquer tipo de programa. Em algumas prefeituras em que se usa telefone para solicitar serviços,

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Me interesso mais por literatura do que por pintura

Todos os dias, nos mesmos horários, João Câmara labuta no seu ateliê. Ele brinca dizendo que a rotina de expediente de trabalho é um hábito herdado do pai, funcionário público. Talvez isso explique o volume de sua produção tão grande quanto o tamanho dos painéis que caracterizam sua obra. Quadros, aliás, que podem ser apreciados e adquiridos no casarão nas Graças que pertenceu a José Antonio Gonsalves de Mello (autor do clássico No tempo dos Flamengos). Lá o artista recebeu a equipe da Algomais para uma conversa sobre suas influências artísticas, o mercado de arte e a paixão por textos “pedreiras”, como os de James Joyce. Você nasceu na Paraíba e veio para o Recife. Conte um pouco dessa trajetória. Nasci em João Pessoa, em 1944. Quando era menino ainda, nos mudamos para o Rio. Meu pai trabalhava nos Correios e foi transferido para lá. Passamos dois anos e meio no Rio, depois meu pai foi retransferido para o Recife, em 1957. Meu pai é pernambucano e minha mãe, paraibana. Estudei no Salesiano, Nóbrega e fiz Faculdade Católica para psicologia. Por que o interesse pela psicologia? Não sei. Ia fazer medicina, mas achava que requeria muita matemática. Terminei fazendo psicologia, mas nunca exerci porque nesse meio tempo eu também fazia curso livre de belas artes. A medicina escapou de mim (risos). Essa inclinação pela artes plásticas veio desde a infância? Eu desenhava um pouquinho melhor que os outros meninos, mas não exageradamente bem. No Salesiano havia um colega que desenhava bem direitinho e disse que ia fazer o curso na Escola de Belas Artes. Ele perguntou se eu não queria fazer também. Fui, sem muita pretensão. Fiz o exame para desenhar modelos de gesso e fiquei lá três anos. Como eu tinha outras atividades, não dava para cumprir os horários. Fiz algumas cadeiras: paisagem, natureza morta, figura e história da arte. Você faz arte por dois motivos: uma vocação irresistível (porque ninguém é obrigado a fazer isso), ou porque você quer se profissionalizar. Comecei a fazer pintura porque achava bonitinho e depois me profissionalizei. Minha única atividade é a de artista plástico. Algum artista o influenciou? Na época da Escola de Belas Artes convivi muito com Vicente do Rego Monteiro. Fui aluno dele durante pouco tempo na cadeira que ele regia de natureza morta. Mas Vicente viajava muito para a Europa. Com ele teve uma coisa muito boa: os alunos mais jovens levavam as obras para ele dar a sua opinião, era uma espécie de aula informal. Depois tive um bom professor que era Laerte Baldini, um iberoargentino. Conhecia muito a arte e com ele aprendi muita coisa de cultura. Minha formação foi mais ou menos essa. Então o que aprendi foi vendo, olhando, fazendo, experimentando, errando. As pessoas ocupam um espaço privilegiado no seus quadros. A única coisa que sei fazer é figura. Quando eu era estudante de Belas Artes a voga era a pintura abstrata por causa das bienais nos anos 60 e de artistas como Pollock. Todos nós, jovens da Escola de Belas Artes, queríamos ser mais modernos do que o que era ensinado lá. Uma vez peguei uma tela muito grande e gastei uma fortuna das minhas pobres tintas para fazer um quadro abstrato, que resultou num desastre (risos). O professor Baldini quando viu disse: “volta a fazer suas figuras porque você não é muito bom na arte abstrata”. O homem era sensato (risos). Você é conhecido por suas séries de pinturas. Uma delas é Cenas da Vida Brasileira, em que você se inspira na Era Vargas. Por que Vargas? A partir dos anos 70 comecei a trabalhar em conjuntos mais fechados que são séries. A mais volumosa foi a Cenas da Vida Brasileira, que começou em 1974 e concluí em 1976. São 10 painéis de pintura muito grandes que estão no Mamam e 100 litografias. Vargas porque, quando eu era menino, em 1954, estava no Rio quando ele se suicidou. Tenho uma lembrança infantil do acontecimento. É uma série com personagens e eventos políticos, tentei fazer uma espécie de rememoração da minha infância política. Nessa época o País estava sob ditadura. Ainda estava. Era 1974, mas estava em curva descendente, porque aí veio o Geisel e a abertura. Tive alguns problemas, com obras apreendidas, a exposição de Cenas da Vida Brasileira foi monitorada pelo Dops, foi filmada, fotografavam quem ia visitar. Essas coisas. Mas nada muito heroico, viu? E a série Dez Casos de Amor? Enquanto a série sobre Vargas é um discurso visual sobre o estado político e da rememoração, Dez Casos de Amor é uma espécie de teorema em quarto fechado, porque são temas amorosos, sobre a pintura tomada como uma relação amorosa. Depois passei 14 anos desenvolvendo uma série chamada As Duas Cidades, onde retratei o ambiente externo de novo, mas dessa vez, quase sem figuras. São paisagens, o ambiente, os emblemas das cidades de Olinda e Recife. Como é a sua relação com as duas cidades? Tive um ateliê em Olinda em 1965, depois, quando me casei em 1971 comprei uma casa lá. Depois fiz a reforma da casa que virou também um ateliê. Em seguida comprei outra que virou só residência. Esta casa (Casarão que pertenceu a Gonsalves de Mello) veio depois porque estava ficando muito incômodo mostrar minhas obras. Olinda é uma cidade que tem muito turismo. É um aborrecimento, as pessoas batem na porta pra ver os quadros. Transferi as obras para cá para poder ficar mais trancado dentro das minhas coisas. Qual a importância da Oficina Guaianases de Gravura? A experiência na Oficina Guaianases foi importante para nós – um grupo de artistas de diversas orientações estéticas – exercermos a administração e a gerência do trabalho coletivo, darmos perfil profissional e negocial à editora de gravura, trabalhar de forma cooperativa com impressores e colaboradores não artistas. (Conheça a história da oficina Guaianases no site da Algomais http://migre.me/vcrVH) Você publicou livros e tem um texto interessante. Você gosta de literatura? Eu me interesso mais por literatura do

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Dois livros do escritor vão virar séries de Tv

Comissão da Verdade, consultor da Unesco, José Paulo Cavalcanti Filho conta sempre boas histórias dos lugares onde passou. O talento para perceber o inusitado no cotidiano talvez tenha sido um dos motivos que o levou a ser escritor. Nesta conversa, ele conta sobre sua trajetória e a experiência de transpor seus livros para a telinha, um deles é a biografia de Fernando Pessoa. Qual a lembrança que senhor tem da infância no Recife? A vida não é estrada reta, onde você anda sempre em frente sabendo aonde vai chegar. É um cordão sem ponta, em que você, em algum momento, volta para a raiz. No começo você quer conhecer lugares, depois quer só voltar aos lugares que mais gostou. No começo você quer conhecer sons, no fim quer só ouvir a música que gosta. Por exemplo, uma vez por ano faço com minha mulher uma viagem culinária com pelo interior da França. Mas, num determinado momento da vida começo a gostar de tanajura, de bode guisado. Isso não é comida da minha infância, porque sou urbano, mas da infância de meu pai e do meu avó, que são de Ipojuca. Para falar do começo você tem que falar da raiz que está antes, que você herda. Mas passei uma infância como a de qualquer pessoa que nasceu no Recife. Sempre morei em Boa Viagem. Tenho uma irmã que foi campeã sul-americana de natação. Nadávamos mar adentro, até não vermos a praia, só os cocurutos dos edifícios. Hoje apenas doidos fariam isso. Você vai e volta sem uma perna por causa dos tubarões. Sempre quis ser advogado? Queria ser maestro na infância, depois decidi ser diplomata. Aí aprendi várias línguas. Aos 15 anos – idade em que você é um idiota absoluto – queria ser filósofo. Mas com 15 anos você quer ser o maior filósofo do Ocidente de todos os tempos. Eu só lia filosofia. Aí começaram a aparecer textos em grego antigo, aí eu me danei a estudar grego antigo. Fiz vestibular para filosofia, passei, assisti a uma aula. Em seguida, levantei-me, me despedi da classe, avisei que não ia voltar. Fiz vestibular para Direito na Católica, porque meu pai havia ensinado lá. Depois fui proibido de estudar pelo regime militar, porque eu era presidente do diretório acadêmico. Em seguida ganhei uma bolsa para Harvard, mas não passei muito tempo lá porque, no ano seguinte, me deixaram estudar e voltei para cá. Quando o senhor voltou? Em 1970. Fui para a Universidade Federal, me formei e queria ensinar. Foram abertos oito concursos para a Federal, eu me inscrevi em todos. Mas aí o SNI (Serviço Nacional de Informação) cancelou os concursos. Virei advogado por acaso, porque queria ser acadêmico. Trinta anos depois, em 1985, Fernando Lyra (ministro da Justiça do governo Sarney), que eu não conhecia, me convidou para ser seu secretário geral. Ele disse: “não entendo nada de direito, vou fazer política. Meu secretário geral tem que entender de direito e me prometer não se meter em política. E vai ser você”. Aí eu disse: Fernando, eu não quero. Ele respondeu: “se quisesse, eu não lhe convidava”. Insisti: eu não tenho tempo. Ele retrucou: “se você fosse um desocupado, eu não lhe convidava”. Em seguida falei: rapaz, vou perder muito dinheiro. E ele devolveu: “o problema são os que entram aqui querendo ganhar muito dinheiro”. Então coloquei: você fala muito grosso e eu não levo carão nem de meu pai. Se você falar grosso comigo eu lhe dou uma bolacha e vou-me embora. Ele respondeu: “Não. Você me dá uma banana e diz que me dá uma semana para escolher seu sucessor”. Achei engraçado e pensei: não vou brigar com esse homem nunca! (risos) E como foi? Fui ministro da Justiça por uns meses, entre 1985 e 1986. Prometi nunca me meter em política. Não me meti. Ele prometeu não se meter no meu trabalho, não se meteu. O que tenhamos feito de bom e ruim é obra coletiva. Foi um momento único participar do desabrochar da democracia. Liberamos livros, filmes e músicas censurados. Uma vez entrou uma baixinha com cara de japonesa na minha sala. Sem pedir licença. E disse: “o que o senhor tem contra o meu filho da puta?” Assustado, eu disse que não tinha nada. Ela continuou: “o senhor sabe a diferença entre o meu filme passar às 21h30 e às 23h30 na Globo?” Não, respondi. E aí ela explicou: “às 21h30 eu ganho dinheiro, às 23h30 vou à falência. Eu preciso mutilar a obra para tirar esse palavrão para passar o filme às 21h30. Não quero mutilar, mas não quero ir à falência”. Era Tizuka Yamasaki e o filme era Gaijin. Liguei para a censura e pedi liberar o “filho da puta” da Tizuka. (risos). Como foi participar da Comissão da Verdade? Não deveria ter participado. Estava em Gravatá e me liga um cidadão da Casa Civil e pergunta se eu gostaria de participar da Comissão da Verdade. Eu disse não. Ele insistiu: “Mas tem tanta gente que quer”. Eu disse: ótimo. Tem 500 petistas querendo entrar, coloque qualquer um. Ele respondeu: “O que é que eu digo para a senhora presidente?” Respondi: Diga que eu não quero. No outro dia ele ligou: “Ela mandou trocar a pergunta: se ela lhe nomear você renuncia?” Eu disse que não renunciaria. Por que não quis participar? Houve 41 países que fizeram comissão. Nenhum deles fez um relatório além de um ano e meio da transição. Nós fizemos 30 anos depois. E bem ou mal, a transição estava feita, negociada por Tancredo Neves. Há especialistas defensores de que crimes de tortura são imprescritíveis. A critica mais recorrente é que a Lei de Anistia foi feita por um Congresso garroteado, que atendeu a pressão dos militares. Só que existem duas Leis de Anistia, uma de 1979 e outra de 1985, quando já estávamos no governo de Tancredo, que acabou sendo de Sarney. Quem votou foi o Congresso que derrotou Maluf e elegeu Tancredo. Não tinha nenhum

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Tenho projeto de escrever um livro

Conhecido pelo virtuosismo com que interpreta desde frevos, MPB até o Hino de Pernambuco, o músico Cláudio Almeida nem sempre dedicou-se à arte. Durante muito tempo eram os números e não as notas musicais que faziam parte do seu trabalho como economista. Nesta conversa com a Revista Algomais, ele conta como fez essa virada na carreira, suas parcerias com artistas como Spok , Zeca Baleiro e Alceu Valença e até a participação que teve no cinema. Como foi ser criança em Pesqueira? Muito bom. Meu pai, Osvaldo de Almeida, era músico. Tocava clarinete, saxofone e trombone. Mas não queria que a gente estudasse música. Acabei tocando guitarra em conjuntos de iê-iê-iê. Eu gostava de bateria, ele ainda comprou uma para mim. Toquei bateria, um tempo depois. A arte de minha mãe era com as mãos, tudo o que for de bordado, doces, culinária ela fazia. Foi uma das pioneiras que vendeu renda renascença. Chegou a vender uma toalha para a rainha Elizabeth, quando veio ao Brasil. Tive três irmãos. Só o mais velho toca piano, conhece muito música erudita. Seu pai era profissional de música? Não. Ele trabalhava e tocava nas horas vagas, tocava também num programa de rádio famoso. Era muito respeitado. Nunca quis vir para o Recife. A felicidade dele era tocar em Pesqueira. No rádio era líder de audiência por 13 anos. Era solista, tocava clarinete ou saxofone no rádio e trombone no Carnaval. Quando você veio para o Recife e o que mais o marcou? Tinha 18 anos, vim fazer cursinho. Meu pai faleceu em junho do mesmo ano. O que me marcou musicalmente foram as músicas que eu ouvia. A Rádio Jornal do Commercio já era muito boa. Tinha muito status. Ainda está lá um auditório grande. Iam muitos cantores daqui ou mesmo de fora. Tínhamos facilidade de ouvir tudo, de Tom Jobim a Elis Regina e Luiz Gonzaga. Como foi a formação musical? Meu pai sempre me passava as músicas. Eu ia ouvindo, assimilando, sendo influenciado. Ele gostava até de música erudita, mas tocava também músicas populares. Meu primeiro instrumento foi a bateria e eu ensaiava com os meninos da cidade, com uns 16 anos. Mas não tocava em público. Não tive professor de violão, meu irmão começou a aprender, não dava muito para a coisa. Mas eu aprendi muito rápido. Meu pai se admirava como eu estava avançando. Ele vibrava muito no fundo. Ele chorava, quando me ouvia já mais velho. Vim para o Recife estudar economia na UFPE. Passei também na Unicap. Nem esperava, pois não tinha cabeça. Meu pai estava recém-falecido, mas minha mãe me deu força para enfrentar a vida. No Recife, passei 10 anos sem pegar em instrumentos, entre 1969 a 1979, quando comprei meu primeiro violão. Nem o de Pesqueira era meu. Mandei comprar em São Paulo, com o meu salário, e fui buscar no aeroporto. Já estava tocando choro uns amigos.Trabalhei muito tempo em empresa privada, depois em 1985 comecei a compor mais. Por que ficou 10 anos sem tocar? Algo em relação à morte de seu pai? Só se for inconsciente. Mas acho que quando viemos para cá foi para estudar. Estudando e trabalhando não dava para ficar tocando violão. Eu não tinha instrumento, morava em casa de estudante. Não tinha nem clima para tocar. Sempre fui muito dedicado em colégio e faculdade. Ao me formar, logo fui empregado. Trabalhei fazendo projetos para Sudene, BNDES. Por que a opção por economia? Acho que tinha influencia do meu tio, que foi chefe do IBGE em Pesqueira. Era uma pessoa muito culta, apesar de ter apenas o primeiro grau. Teve influência de pesquisas dele. E também tinha jeito para matemática e projetos. Como foi a carreira em economia? Foi boa, trabalhei uns 12 anos em empresa privada. Depois atuei no Condepe e me aposentei no Estado. Ao chegar no Estado, tive facilidade para desenvolver a minha carreira musical. Compus o primeiro frevo de bloco. Após 10 anos sem pegar no violão, lancei no primeiro disco, um compacto, as três músicas que meu pai tinha deixado escritas e fiz um choro, em 1979. Investi também no Carnaval e, como solista de violão, só depois. Meu primeiro disco solo no violão só aconteceu em 1998. Tem algum momento na carreira que deu uma virada? Quando comecei a fazer solos em shows. Quando ninguém falava no Hino de Pernambuco, toquei para 10 mil pessoas no Festival da Seresta, só com o violão. Depois no Teatro Guararapes da mesma forma. Daí nasceu o projeto Pernambuco Imortal, que era para gravar o hino. Aquela história toda começou comigo. Em todos os meus shows eu terminava com um solo do hino. Muito antes daquele projeto que divulgou bastante o hino no Estado. Após assumir esse lado solista, acredito que minha carreira virou. Apesar de não ter estudado, faço arranjos por intuição. Faço em partitura também. O computador me ajudou. Quando tenho dúvida, falo com algum maestro. No meu último disco, uma homenagem a Zé Dantas, todos os arranjos são meus. Entre os cantores com que você tocou, quais o marcaram mais? Cauby Peixoto. Fiz a música Dançando na rua. Fiz o instrumental, um amigo fez a letra, Fernando Azevedo, que é pediatra, autor daquela música do Galo: Acorda, Recife. Acorda. Ele fazia muitos shows comigo. Cauby disse que foi uma das músicas mais bonitas que ele ouviu. Entrou nos supersucessos dele. Isso foi em 1997. Gravei também com Alceu Valença. Geraldo Azevedo também gravou música minha. Zeca Baleiro gravou o primeiro frevo dele através de mim. Escrevi a harmonia e Spok fez um arranjo para sopro. Sugeri ainda colocar uma gaita, e Zeca adorou. É uma música de Nelson Ferreira que ele gosta muito. Tentamos modernizar, trazer uma linguagem nova para o frevo. Como foi a experiência com o Carnaval? Papai já tocava Carnaval, era considerado um dos melhores trombonistas de Pernambuco. Ele tocava nos quatro dias e levava muitos frevos em casa para ensaiar. Meu primeiro frevo, aliás, nunca foi gravado. Cheguei

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As campanhas políticas são machistas

A conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, Teresa Duere, fala à equipe da Algomais sobre sua trajetória social e política. Sua amizade com Dom Helder e a sua experiência de viver no Chile, em anos de ditadura militar no Brasil também entraram na conversa. Recifense, ela foi uma das deputadas estaduais de maior destaque na Assembléia Legislativa de Pernambuco. Como foi a sua infância? A minha infância foi muito boa. Sou recifense com muito orgulho. A cidade ainda era pacífica. As crianças podiam brincar na rua, podiam viver e ser criança. Tinha o Parque 13 de maio, tinha a festa da mocidade… Morei na Av. Visconde de Suassuna. Meu pai era empresário e depois foi político. O único trabalho da minha mãe foi ser voluntária no Banco da Providência com Dom Helder Camara. A senhora teve contato com Dom Helder? Trabalhei nove anos com ele. Eu fui fazer parte de um movimento chamado “Bandeirantismo” que, à época, era uma forma de você dar formação. Quem foi minha chefe foi Zezita Cavalcanti, secretária de Dom Helder. Fui uma das selecionadas para estagiar e lá fiquei trabalhando em uma área que Dom Helder chamou de “Operação Esperança”, que era um movimento de formação de grupos para discutir as questões de direitos sociais, principalmente nas periferias. Depois ele ganhou um prêmio do exterior e quis mostrar que a reforma agrária era possível. Com esse prêmio comprou três engenhos e a partir daí fui trabalhar na zona rural, na questão da reforma agrária, no Cabo. Eu devia ter uns 20 e poucos anos. Como era esse trabalho? Reunião com associações. Trabalhava com eles para a formação da comunidade do engenho, formávamos escola, tínhamos uma área coletiva onde todos tinham que dar uma contribuição. Todo um trabalho de educação social. Esse trabalho influenciou sua carreira? Eu acho que não influenciou. Eu sempre gostei. Eu tenho um compromisso muito grande com a questão social, popular. Achei que o curso de Serviço Social seria o caminho a seguir, e foi. Foi um caminho que me deu muito conhecimento de instrumentos para essa questão. Depois, houve o golpe militar e consideraram que essa área rural de Dom Helder era guerrilha e aí tivemos – eu e Zezita – que sair. Eu fui para o Chile e ela para o México. Eu passei cinco anos fora, de 68 até 73. Como foi essa experiência? Eu trabalhava em uma fábrica de móveis que tinha sido tomada pelos trabalhadores e, à tarde, trabalhava em um projeto de pesquisa e estudo sobre as questões que estavam ocorrendo naquele momento. Era um grupo de intelectuais e eu ajudava como um apoio administrativo. Como era a atmosfera na época? A gente tinha muito receio, porque o governo brasileiro tinha profissionais para ficar nos acompanhando. Não podíamos formar grupos, a não ser que você conhecesse. Havia um isolamento grande pelo medo que tínhamos de se relacionar porque essas pessoas poderiam ser informantes. Não que fizéssemos grandes coisas, mas, por exemplo, íamos para as marchas de Salvador Allende. Sábados e domingos colhíamos vinhas que tinham sido tomadas pelos agricultores. Os estudantes eram convocados e nós íamos, pois não havia máquinas. Nunca me arrependi. Foi uma experiência válida. Como foi a queda de Allende? Eu saí 24 horas antes dele cair. Tinha uma pessoa muito amiga de Dom Helder, que era ministro, e ele me disse: “Vá embora enquanto é tempo. Tem um avião saindo para Buenos Aires, pegue e vá embora”. Pegamos o avião e fomos. Ficamos em Buenos Aires para de lá voltarmos para o Brasil. Mas só pude voltar para o Recife na Anistia, em 79. Enquanto o processo corria, fiquei no Rio de Janeiro. Ainda quando cheguei lá quiseram me prender. Nesse período que fiquei no Rio. Tive apoio do pessoal de Dom Helder para trabalhar, mas sempre quis voltar para Recife. Quando pude voltar, fui falar com velhos companheiros de luta e as pessoas sempre diziam que não podiam fazer nada. A vida é muito interessante mesmo, porque quem me telefonou convidando para voltar foi Gustavo Krause. Ele me disse: “Olhe, sou prefeito do Recife, mas quero dizer a você que se você quiser voltar para o Recife, tenho um lugar”. Eu respondi que não me filiaria ao partido dele, mas ele me deixou à vontade. Até que chegou uma época em que se falava muito dos “Tupamaros de Krause” (risos), que era aquele pessoal mais de esquerda que ele chamou para fazer o trabalho social. Eu era um desses. Construímos várias ruas, fizemos os barracões, grupos de ações comunitárias, feirinhas típicas… Teve um trabalho social muito intenso naquela época. Ele dava autonomia completa. Qual foi a emoção de ter voltado para Recife depois de tanto tempo? Recife é meu lugar, eu amo essa cidade, gosto de Pernambuco. Às vezes as pessoas dizem que se tivessem mais novas iriam embora por causa dos problemas. Se eu fosse mais nova ficaria aqui e não tenho nenhuma vontade sair, a não ser para passear. Tenho que lutar por isso, é minha raiz e meu povo. Voltar para o Recife foi um recomeço de muita coisa e foi interessante porque voltei dessa forma. Depois Krause foi ser vice de Roberto Magalhães. Como você entrou para a vida político partidária? Depois de trabalhar na área de habitação no governo, fui convidada por Marcos Vilaça para a Legião Brasileira de Assistência (LBA). Fui posteriormente ser diretora nacional da LBA no Rio de Janeiro. A intermediação para a carreira política veio através de Marcos Vilaça, que era muito amigo. Ele ficou forçando para que eu me candidatasse e fui a Dom Helder, que me encorajou. Fiquei preocupada com a ligação com o partido de José Mendonça, mas Dom Helder disse que isso não valia de nada. O importante eram meus princípios, convicções e o trabalho que eu iria fazer. Fui e fiquei na suplência de José Mendonça. Sempre ficava desconfiada porque todos diziam que ele era coronel, mas hoje digo que foi um grande

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Houve um empobrecimento da imprensa

Jornalista desde adolescente, Geneton Moraes Neto ficou conhecido na tv por suas entrevistas, nas quais sempre conseguia retirar declarações surpreendentes de personalidades. Egresso do movimento Super 8, enveredou para a produção de documentários abordando temas como o exílio de artistas brasileiros na ditadura ou a visão política de Glauber Rocha. Nesta entrevista ele fala de sua infância em Pernambuco, da carreira e do jornalismo na era da web. Como foi sua infância no Recife? Nasci no Recife, minha família inteira por parte de pai era de agrônomos, veterinários. Não tinha nenhuma relação com o jornalismo. Até hoje eu não sei como fui parar nesse negócio. Todos os filhos dos meus pais, que são cinco, nasceram no Recife e até quando eu tinha os 6 anos, moramos em uma escola de São Bento, que fica em um lugar que foi inundado depois para a construção de Tapacurá. Meu pai era professor da escola, que pertencia aos irmãos beneditinos. Tudo na infância parece maior do que realmente é, mas era uma casa bem grande, tinha uma igreja que, aliás, foi a única coisa que sobrou. Fui filmar lá e a igreja fica submersa a maior parte do tempo. Aos 6 anos, nos mudamos para a Torre, onde minha mãe mora até hoje. Como era o bairro da Torre? Quando a gente chegou lá, a rua não era nem calçada. Muitos pais dos meus amigos trabalhavam na fábrica da Torre. Mas minhas melhores lembranças são do Cinema da Torre. Assisti aos filmes de Elvis Presley, dos Beatles, um faroeste chamado O homem que matou o fascínora, que é um clássico. Um filme que me marcou pelo resto da vida foi um de guerra Fugindo do inferno, com Steve Mcqueen. Lembro que a plateia inteira estava torcendo por ele escapar do campo de concentração. Cinema de bairro naquela época era uma presença muito forte. Era um programa obrigatório ir ao cinema e, às vezes, ficar próximo à cabine para conseguir um frame do filme para ficar olhando na luz e levar para casa uma foto do artista. Também jogava futebol na rua e futebol de botão com os amigos. Tinha um campeonato na rua que era uma sensação, era super organizado. Eu estudava no São Luís e lembro que em 1969, quando eu estava no 3° ano, marcávamos para estudar lá em casa, fechávamos a porta do quarto, tirava os livros de cima da mesa, colocávamos os times de futebol de botão. Meu pai me deu uma bronca histórica. A primeira providência que tomei foi esconder meus times de botão. A primeira vez que fui em um estádio de futebol foi para ver Pelé. Foi na Ilha do Retiro, em um Náutico x Santos, que acabou 2 x 0 para o Santos. Meu pai era torcedor fanático do Sport, mas como era Pelé fomos assistir. Vi Pelé três vezes. Três ou quatro anos depois teve outro jogo contra o Náutico que, na época, disputava os grandes campeonatos. Em 1969, quando a Seleção Brasileira, que viria a ser campeã na Copa de 1970, veio participar de um amistoso contra a seleção pernambucana, fui ao treino no estádio dos Aflitos. Eram meus ídolos da infância. Quando o ônibus chegou, todos corremos atrás. A organização acabou liberando a entrada no estádio e teve uma cena de um vão que dava para ver o vestiário. O pessoal meio que fez uma fila para olhar os jogadores lá dentro. Na minha vez de olhar, Pelé estava nu tomando banho. Essa foi a cena que eu vi: Pelé ensaboado tomando banho (risos). Na infância o jornalismo já o instigava? Não tenho a menor ideia do que me instigou. Acho que é de vocação mesmo. Complicado pra mim seria estudar medicina, engenharia, física, química. Naquele tempo você terminava o ginásio e escolhia o curso científico para quem ia fazer medicina, engenharia, e e o clássico para quem fazia humanas. Por algum motivo achei que devia fazer o clássico. Eu não tinha muita vocação pra a carreira da família, um caminho normal era ser agrônomo ou veterinário, mas eu sempre preferi a cidade. No terceiro ano estava na dúvida entre história e jornalismo. Aí optei por jornalismo . Quatro anos antes, em 1970, quando tinha 13 anos, escrevi umas coisas em casa sem a menor pretensão. Aí uma prima do meu pai era jornalista e conhecia Fernando Spencer, do Diario de Pernambuco e perguntou se eu não queria escrever alguma coisa para o suplemento infantil chamado Júnior. Era feito com colaboração das crianças. Mandei e ela levou pro jornal e foi publicado. Depois eu fiz outras coisas com assuntos como a conquista da lua, a transamazônica. Uma vez fui para o treino do Náutico e tinha Bita que era um jogador super famoso na época e saiu a entrevista com ele. Dois anos jornalistas perguntar para Spencer quem era que escrevia. Disseram: deve ser o pai dele que escreve. Aí me chamaram. Fui pela primeira vez numa redação morrendo de vergonha. Uma das primeiras matérias que fiz o diretor do jornal Antonio Camelo disse você vai fazer uma matéria sobre as condições do Hospital da Tamarineira. Fui, o fotógrafo ficou do lado de fora, eu entrei sozinho. Os pacientes ficavam andando e eu fiquei no meio dos pacientes – e eu até brinco dizendo que ninguém notou que eu não era pacientes – aí perguntei como era a comida eles disseram que era horrível, vem pedra dentro da comida, que é sem gosto. Depois falei com a direção do hospital com o fotógrafo, me apresentei como jornalista, mas a deram outra versão, dizendo que o cardápio era muito bem preparado por uma nutricionista. Aí você já aprende que tem duas versões: a oficial e a dos fatos. A partir dali fiquei fazendo matérias. Não era brincadeira não. Eu era repórter como se dizia da editoria geral, chegava às 14h, o chefe de reportagem te dava uma pauta datilografada com quatro matérias em locais diferentes. Você pegava a kombi do jornal que ia distribuindo a gente. A

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