Entrevistas - Página: 7 - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Entrevistas

"Uma das coisas que literatura faz é criar laços"

Flávia Suassuna, nova integrante da Academia Pernambucana de Letras fala da sua produção literária e conta como seu tio Ariano Suassuna contribuiu para tornar-se escritora. Ela também é professora e analisa o impacto da internet no ensino e afirma que a ficção pode ajudar a reduzir a polarização atual. É comum os alunos de Flávia Suassuna se encantarem com a maneira como ela oferece os conteúdos das suas aulas de História da Literatura. Prova disso é que esta entrevista, que ela concedeu a Cláudia Santos no café de uma livraria no Recife, foi interrompida por uma ex-estudante que não se conteve para abraçar e fazer elogios à antiga mestra. Talvez esse talento se deva à maneira envolvente como Flávia conversa e que pode ter origem no DNA que compartilha com o tio Ariano Suassuna. Além da prosa boa — que pode ser constatada nesta entrevista — a professora também herdou do tio o ofício de escritora e seu trabalho foi reconhecido ao ser recentemente eleita para integrar a Academia Pernambucana de Letras. Nesta conversa, ela fala da sua trajetória pedagógica e literária, da relação com Ariano, do impacto da internet no aprendizado das crianças e na polarização ideológica que, para ela, pode ser revertida com a leitura de romances. Ao se identificar com os personagens, muitas vezes, o leitor, segundo Flávia, desfaz preconceitos e amplia seus conhecimentos. Parafraseando Contardo Calligaris, ela assegura: “a literatura, a ficção, tem uma mágica complementar porque ensina também a identificação como ser humano”. Como surgiu seu interesse pela literatura? Quando eu era muito pequena, as pessoas me perguntavam: o que você vai ser quando crescer? Eu dizia que queria ser mãe e escritora. Não entendia por que todo mundo achava graça da resposta, eu estava falando sério. Talvez tenha organizado isso na minha cabeça a partir da existência de tio Ariano, que era escritor, porque uma menina de 5 anos provavelmente não saiba o que seja um escritor. E como era Ariano como tio? Ele foi perfeito comigo. Um dia papai disse a tio Ariano: tem uma pessoa lá em casa que gosta desses livros que você gosta. Tio Ariano ficou todo entusiasmado e começou a me mandar livros no Natal, no aniversário. Quando fiz 11 anos, ele me deu As Minas do Rei Salomão, um livro de aventura que eu amei. Depois passou a me dar livros que tinham a ver com a minha idade. Foi um orientador perfeito das minhas leituras. O que acho lindo de tio Ariano é que ele é uma pessoa muito forte, muito incisiva, mas nunca me orientou para eu ser armorial, por exemplo. Ele deixou que eu seguisse meu caminho. Perto de morrer, ele disse: “as pessoas vêm me perguntar o que é que eu sou de Flávia. Aí eu digo que eu sou tio e todo mundo diz que você é uma professora muito adorável. E eu fico muito orgulhoso”. Vê que coisa bonitinha! Uma das coisas que literatura faz é isso: criar laços. É você contar e discutir a história de Capitu, ver como cada geração enxerga essa a história, trazer o filme de Capitu, trazer uma adaptação do livro Dom Casmurro. Tudo isso vai criando laços entre as pessoas de uma sociedade. Esse é um dos motivos por que existe essa história da criação de uma identidade nacional com aqueles livros. Nunca conheci um russo, mas eu amo os russos por causa de Tolstói. É nesse sentido que a literatura cria esses laços de identidade e fraternidade mais amplos. Li um artigo do psicanalista Contardo Calligaris, em que ele diz que quando leu O Caçador de Pipas se identificou com o narrador, apesar de o romance se passar num espaço político, social, ideológico totalmente diferente do dele. Calligaris disse também que num documentário sobre o Afeganistão, você aprende muito, mas você aprende a diferença, as particularidades do país. Já a literatura, a ficção, tem uma mágica complementar porque ensina também a identificação como ser humano. Você percebe que uma pessoa que mora no Afeganistão é tão humana quanto você. E a história é muito linda, fala de um menino de 8 anos que viu um amigo sendo violentado e correu. Esse artigo de Contardo Calligaris me bateu muito porque eu pensei a mesma coisa que ele: se eu tivesse 8 anos e visse uma amiga sendo violentada, eu acho que eu correria… Como você decidiu atuar como escritora e professora? Isso foram os desastres da vida porque eu queria ser mãe. Tive três filhos, mas fui abandonada pelo pai deles e precisei sustentá- los. Eu tinha o curso de Letras e me tornei professora por uma necessidade básica de sobrevivência. Acho, inclusive, que ser professora dificulta um pouco ser escritora, porque a gente tem muita coisa para fazer em casa, mas não tinha outro jeito. Somos pagos pela hora dada, mas quando chegamos na sala de aula, já gastamos um tempão preparando a aula, corrigindo trabalhos. Você começou sua carreira como escritora ao lançar Jogo de trevas (1980), que foi o primeiro romance a ser publicado por uma mulher em Pernambuco. Como foi essa produção? Eu ainda era solteira. Esse romance foi publicado pelas Edições Pirata em 1980. Eu tinha um professor maravilhoso chamado José Rodrigues de Paiva e eu fiz uma proposta indecente a ele. Eu disse: se eu lhe der o meu romance pronto, você perdoa o meu último trabalho? Porque eu não conseguia conciliar o trabalho e fazer o romance. Ele aceitou. Dei os originais do meu romance, e ele me deu uma nota, me livrei do trabalho dele e consegui terminar esse livro. Depois participei do concurso literário para marcar os 450 anos do Recife, instituído por Jarbas Vasconcelos, que era prefeito. Eu ganhei e esse foi meu segundo romance chamado Remissão ao Silêncio. Comecei com prosa que exige uma disciplina. Para fazer esse segundo romance, eu saía da minha casa, ia para a casa da minha mãe toda quarta-feira de tarde, deixava meus filhos para poder escrever. Depois passei

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"A produção de roupa como geradora de lixo sempre me incomodou"

Magna Coeli, fundadora da Refazenda conta como a empresa se tornou referência em moda sustentável, a ponto de ser reconhecida pela ONU, e explica o seu processo de fabricação que não produz sobras de tecido. Também fala da relação com o filho, Marcos, com quem trabalha, e das dificuldades de financiamento. Quando adolescente, Magna Coeli costumava usar as sobras dos tecidos que sua mãe, costureira, jogava no lixo. Com os retalhos, Magna fazia peças para ela vestir ou acessórios como bolsas. Tal habilidade e o incômodo pelo refugo da produção de roupas permaneceram até a idade adulta e a impulsionaram a fundar a Refazenda. Reconhecida com várias premiações por sua atuação sustentável, inclusive pela ONU (Organização das Nações Unidas), empresa do setor de moda foi pioneira ao produzir de acordo com padrões de economia circular. Assim como fazia na adolescência, na fábrica Magna não descarta retalhos no lixo: a produção é feita de forma a usar todo o tecido. A sustentabilidade social é outra marca da Refazenda, que faz parceria com cooperativas de rendeiras e bordadeiras de vários estados do Nordeste. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Magna conta a trajetória da empresa, os desafios para gerir um negócio com preocupações ecológicas, as dificuldades em obter financiamentos e a relação com o filho Marcos Queiroz, que é diretor de Soluções da Refazenda. Como começou a Refazenda? Há 33 anos, eu tinha uma confecção com meu ex-marido e com a família dele. Quando resolvi criar a Refazenda, foi uma inquietação ecológica, romântica, exótica, que tinha todos esses nomes, menos sustentável ou economia circular. Era quase fazer um hobby. A produção de roupa como geradora de lixo sempre me incomodou, porque o lixo que mamãe fazia, enquanto costureira, me proporcionava fazer coisas para eu vestir, ou para fazer bolsas. Pensava nessa minha habilidade de transformar ao criar a Refazenda. Eu tinha um olhar muito bom para cor, sabia modelar. Então migrei da tradicional confecção de camisaria e fui fazer uma produção com princípios ecológicos. Daí o nome Refazenda. Gilberto Gil criou a música e me inspirou, como também foi um princípio para esse norte: transformar a fazenda em algo primoroso, mas de valor agregado. Venho de uma família de costureira e alfaiate e a minha grande revolta era o pouco valor agregado nas peças que meu pai e minha mãe faziam. Eu pensava: hei de fazer as pessoas respeitarem quem faz roupas como uma coisa muito digna, muito preciosa. Agora, tudo isso de maneira inconsciente. A empresa começou com uma fábrica ou uma loja? Primeiro foi um divórcio. Na hora da separação, eu poderia ter ido para um setor diferente, mas insisti nesse porque eu tinha o ideal de montar algo que fosse pioneiro. Os primeiros cinco anos foram de consolidação da marca e definição de perfil de produto. Era um ateliê, mas eu me sustentava financeiramente de forma bem austera. Depois, procurei o associativismo, para tentar crescer do ponto de vista da confecção e encontrar aliados com as pessoas que falassem a mesma língua. Foi uma busca inútil, porque o setor de confecção não conversa com o setor de ideias, de utopia. Ele é commodity, fabrica fardamento, roupa íntima e modinha e opta por volume, não por valor agregado. Passei a participar de missões empresariais, conhecer projetos fora até que um dos filhos começou a trabalhar na empresa para me ajudar financeiramente. Quem é ele? Marcos, o mais velho. Ele fazia publicidade e veio para me ajudar financeiramente porque tínhamos crescido um pouco mais, a empresa tornou-se mais complexa. Mas não encontrávamos um ponto de venda para o nosso produto que fosse autoexplicável, tínhamos que concorrer com produtos que não tinham a mesmas características. E aí tivemos que montar loja própria. Isso dá um trabalho danado, fabricar e montar loja própria é desafio para loucos. Chegamos a ter sete lojas, uma em São Paulo. Quando estávamos com quatro lojas, entrou o outro filho, André, que fazia administração, para ajudar na gestão. Também tenho a família desses aliados que trabalham e vieram comigo lá de trás que são tão família minha quanto a biológica. São pessoas que acreditam no projeto, que torcem e estão comigo até hoje. Esse foi um dos pilares que seguraram a empresa. Mas, veio a crise em 2013, a perda do capital foi muito grande, assim como a perda de fôlego para girar essa máquina com as dificuldades que o setor têxtil tem no Brasil, com taxação absurda e nenhum projeto ou diferencial para as empresas inovadoras. A loja de São Paulo ficou aberta até 2016, remando contra a maré porque o custo aéreo do frete aumentou. Tínhamos que trazer parte da matéria-prima de lá, fabricar aqui e levar de volta para lá. Além disso, um de nós três da família teria que morar lá e nenhum quis perder qualidade de vida. Resolvemos finalizar a atividade e investir no comércio eletrônico, que começou em 2012. De lá pra cá, trabalhamos de forma mais enxuta, mas com mais liquidez, porque chegamos a ter dívidas em banco. Tivemos que modificar a estrutura administrativa porque o crescimento não respondeu na ponta pelo varejo que estava trucidado pela taxação. Aí, André saiu da empresa para atuar na construção civil. Já Marcos se transformou num grande gestor e articulador de mídia nessas novas linguagens, coisa que eu estava defasada. Estamos fazendo parte do Instituto Capitalismo Consciente, que é nacional, temos o certificado B, ganhamos premiação na ONU pela prática da economia circular. Isso tudo graças a Marcos, que mostrou a nossa experiência como inédita e precisava ser divulgada. Esse reconhecimento tem sido revertido para a marca e para os negócios? Por um lado, é algo para consolidar e legitimar o produto que tem propósito, tem alcance, longevidade, é um produto com ética. Mas, em compensação, o pouco capital de giro que temos também atrofia porque à medida que somos falados e alcançamos níveis longínquos, não conseguimos acompanhar o escalonamento financeiro na mesma proporção. Quando procuramos outros cases que são semelhantes a nós, ou

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"Temos um robusto ecossistema empreendedor cercado por péssimas estradas"

Conhecido pela determinação de seus empreendedores, o Polo de Confecção do Agreste superou mais uma dificuldade ao atravessar o complicado período da pandemia. Hoje o setor se recupera da crise sanitária e econômica e investe em novas tecnologias, principalmente na venda pela internet e, segundo Bruno Bezerra, presidente da CDL (Câmara de Diretores Lojistas) de Santa Cruz do Capibaribe, são boas as perspectivas para o segundo semestre. Mas o polo ainda enfrenta desafios como os transtornos logísticos provocados pela situação das rodovias na região, o antigo problema do abastecimento de água, além de dificuldades na área da segurança. Outro tema que tem trazido dor de cabeça aos empresários do ramo de confecções no Agreste é a isenção concedida pelo Governo Federal nas importações de compras de até US$ 50. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Bruno Bezerra analisa as dificuldades e os progressos do setor e como o anúncio do PAC e o fato de a governadora Raquel Lyra ser do Agreste e conhecer a realidade local podem ajudar a solucionar os gargalos do setor. Como está a conjuntura atual do Polo de Confecções, neste pós-pandemia? No decorrer de uma jornada empreendedora de aproximadamente 60 anos, um dos grandes diferenciais do Polo de Confecções do Agreste Pernambucano tem sido uma incrível capacidade de adaptação para melhor posicionar-se diante de adversidades e oportunidades. Foi assim durante a pandemia e tem sido assim no pós-pandemia. Este ano, por exemplo, depois de décadas, mudamos os dias de funcionamento do Moda Center, a nossa principal feira, que acontece em Santa Cruz do Capibaribe, cidade-mãe do Polo de Confecções do Agreste. Antes era realizada sempre às segundas e nos períodos de alta temporada (maio, junho e novembro/dezembro) aos domingos e segundas. Atualmente a feira acontece às sextas. Uma mudança necessária para ganharmos competitividade e nos adaptar a uma nova dinâmica logística do mercado, além de promover a qualidade de vida dos nossos empreendedores. Outro ponto relevante no pós-pandemia tem sido a profissionalização do processo de digitalização das empresas do polo. Nossos empreendedores entenderam a importância estratégica de dominar as vendas digitais e aliar o físico com o digital no negócio. Como tem sido esse investimento das empresas nas vendas digitais e quais os resultados? Muitas empresas do Polo de Confecções estão conseguindo um excelente nível de maturidade digital. Isso acontece quando o empreendedor de curiosidade aguçada decide investir tempo e recursos financeiros na preparação das equipes e na adequação da estrutura para dominar as vendas online, além de se manter atualizado com as mudanças que acontecem cada vez mais rápido. Os resultados têm sido os melhores possíveis, sobretudo porque os empreendedores não precisam deixar as vendas presenciais por causa das vendas online. Eles estão entendendo que não é um contra o outro, é um com o outro, é o digital como mais um canal de vendas. Qual foi o crescimento de vendas e/ou faturamento do setor no ano passado e quais as perspectivas para este ano? São períodos complicados para termos como referência, pois em 2021 e 2022 houve uma forte influência da pandemia no ambiente de negócios. Já em 2023 houve uma mudança de Governo Federal, depois de uma das mais polarizadas eleições para presidente da República, o que gerou um cenário de incerteza que praticamente paralisou o mercado. A partir do início do segundo semestre de 2023, começamos a ter mais clareza da situação. Esperamos ter boas rodadas de negócio no mês de agosto e um excelente período de alta temporada nos meses de novembro e dezembro. Qual a perspectiva do setor em relação à gestão da governadora Raquel Lyra, que é do Agreste Pernambucano? A expectativa é a melhor possível. Pela primeira vez na história temos uma governadora que é do Agreste Pernambucano e conhece bem o potencial do Polo de Confecções. Contudo, temos também desafios gigantescos. Se levarmos em consideração que a maior parte dos insumos vem de fora de Pernambuco e a maioria também dos clientes que compram no polo vem de outros estados, podemos afirmar que nosso negócio é essencialmente de logística. Hoje temos no Polo de Confecções do Agreste Pernambucano um robusto ecossistema empreendedor cercado por péssimas estradas de todos os lados (do território pernambucano). O problema do abastecimento d’água que se arrasta por décadas e dificulta a promoção de um real desenvolvimento socioeconômico. Sem falar na falta de segurança que afasta compradores do Polo de Confecções com a violência nas cidades que formam o polo e, especialmente, com os assaltos que acontecem constantemente nas estradas que levam até as feiras de Santa Cruz do Capibaribe, Toritama e Caruaru. O setor já levou essas questões para a governadora? E como o setor avalia o anúncio do PAC que entre outros investimentos prevê adequação da BR 104 (Caruaru - Divisa PB) e a primeira etapa da Adutora do Agreste Pernambucano? Constantemente essas questões são levadas para o Governo do Estado, agora em agosto tivemos reunião com a secretária de Defesa Social para tratar da questão da segurança. A questão da BR-104 em 2024 completará 15 anos. Uma situação lamentável, uma vergonhosa debutante que promove prejuízos ao nosso ambiente de negócios e vem tirando a vida de muitas pessoas com diversos acidentes ao longo de todos esses anos. A questão da água é um apelo de décadas. Durante todo esse tempo nunca desistimos de gritar, por mais que todos parecessem surdos. Como sempre, nos resta continuar trabalhando duro no fortalecimento do Polo de Confecções do Agreste Pernambucano, um dos mais robustos ecossistemas de negócios da América Latina. Por mais que a jornada até aqui diga que não, é nosso dever abraçar a esperança, ainda mais agora com o anúncio do PAC. Vamos seguir cobrando o retorno dos impostos que pagamos, para que nossos governantes façam o que precisa ser feito para melhorar a infraestrutura do Polo de Confecções. Que Deus nos abençoe nessa missão. O setor tem sofrido o impacto do e-commerce internacional que agora tem isenção de imposto de importação em compras até US$ 50? A isenção de imposto

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"Podemos aprender com o mangue a nos adaptar às mudanças climáticas"

Marcus André Silva, Professor do Departamento de Oceanografia da UFPE, alerta que o processo de modificação do clima tem ocorrido de forma mais acelerada do que apontavam as previsões, mas que o Brasil tem potencial para adotar soluções para mitigar os danos do fenômeno, muitas delas baseada na natureza. Diante dos efeitos das mudanças climáticas, que seguem em ritmo acelerado, teremos que encontrar soluções que se adaptem à natureza ao invés de confrontá-la. A recomendação é do professor do Departamento de Oceanografia da UFPE Marcus André Silva. Ele sugere que em alguns lugares do Recife, poderemos não recorrer à fria engenharia que ergue barreiras de concreto para impedir a cheia da maré, mas deixar que a água invada e depois vá embora. “Em Veneza, por exemplo, nas macro-marés, alguns lugares são alagados e todo veneziano sai de galocha”, compara o professor que também é coordenador substituto do Centro de Estudos Avançados da universidade. Assim como Chico Science inspirou-se na riqueza da vida no mangue para produzir a sua arte, Marcus Silva, pelas vias da ciência, nos convida também a aprender com esse ecossistema que convive com as oscilações da maré. Nesse sentido, até a palafita pode se tornar uma boa solução, desde que receba modificações para que se transformar numa moradia digna aos ribeirinhos. Nesta entrevista a Cláudia Santos, o oceanógrafo fala dessas soluções, explica como acontece o complexo processo de elevação do nível dos oceanos e alerta que temos que ser ligeiros em abandonar práticas como o uso de combustíveis fósseis porque o curso das mudanças climáticas está mais adiantado do que mostraram as previsões dos estudiosos. Como se dá o processo de elevação do nível dos oceanos? Não é um processo simples, ele envolve uma série de características físicas associadas à água, principalmente a do mar, e ao processo de mudança climática, que começou a partir da Revolução Industrial. Esse evento provocou o aumento das emissões de gás carbônico na atmosfera, que age como um filtro, impedindo que o calor seja dissipado para o espaço. Isso faz com que o planeta retenha mais calor. O oceano é um elemento importante no balanço da temperatura do planeta. Esses 2/3 de água que fazem parte da superfície da Terra retém 90% do calor que é absorvido da radiação solar. Se o continente não tivesse a parcela de oceano, a temperatura entre dia e noite oscilaria bastante. Um exemplo é o deserto do Saara, que é carente de água. Durante o dia ele chega a quase 50°C e, à noite, a temperatura está abaixo de zero. Enquanto no Recife, às margens do Atlântico, mesmo no inverno, a temperatura ficar abaixo de 20° é muito raro, porque recebemos o calor do oceano. Uma vez que aumenta o calor retido no planeta, a temperatura da superfície do mar também aumenta e aí a água vai expandir, vai haver o processo de expansão térmica, um fenômeno físico. Mas esse fenômeno não acontece apenas na superfície do oceano. Se focarmos na temperatura do Atlântico tropical, por exemplo, ela é mais quente até mais ou menos uns 100m de profundidade. Mas no oceano profundo, a 4 mil metros, as temperaturas caem para 4°C. Essa é uma água mais fria, que vem do Ártico e da Antártica. Nos oceanos há uma circulação que conecta a circulação superficial da água, que é basicamente induzida pelo vento, e a circulação profunda, induzida pelas diferenças de temperatura e salinidade que comandam a densidade da água. Então, se a gente tem uma água gelada mais densa ela vai empurrar uma água mais quente e menos densa. Basta pensar num aquário: se colocarmos água gelada de um lado e água quente do outro e juntarmos essas duas águas, a água gelada tende a circular por baixo e a água quente vai circular por cima. Existe um processo que é a circulação profunda da água do mar que vem dos polos para a região tropical e a água quente vai passar a fluir na superfície ao ser empurrada pela água fria da profundidade. Um processo que é contínuo. Acontece que há um aquecimento dos polos, principalmente do Ártico, que está perdendo massa de gelo, de permafrost, o gelo permanente do Ártico. As previsões apontam que essa água doce, que está aportando do desgelo da calota polar, tem a tendência de enfraquecer a circulação profunda. Ela é doce porque quando a água marinha congela, o sal fica na superfície. E, como eu disse, além da temperatura, a salinidade também aumenta a densidade dessa água e ela afunda, fazendo com que ela seja a bomba, o propulsor dessa circulação profunda. Mas com o aporte de água doce do derretimento da calota das geleiras, a água está menos salina, o que diminui a densidade da água do mar do Ártico enfraquecendo essa circulação profunda. Aí, ocorre o enfraquecimento do que chamamos de Célula de Revolvimento Meridional. Ela conecta as principais correntes num processo em que a circulação superficial da água do mar retira calor dos trópicos e o leva para as regiões temperadas e aos polos. A Célula de Revolvimento Meridional funciona como grande trocador de calor do planeta mas, ao enfraquecer, leva o planeta a reter mais calor na superfície do oceano tropical e diminuir o transporte de calor superficial para as regiões temperadas dos hemisférios sul e norte que tendem a ficar mais frias. Por isso que hoje falamos de mudança climática e não de aquecimento global, porque há uma transformação do clima no planeta todo onde algumas regiões apontam ficar mais frias e, outras, mais quentes. Além disso, essa água profunda também está esquentando, logo também está expandindo. Então, não temos só o processo da radiação e da temperatura da atmosfera induzindo a circulação e a temperatura da superfície do mar mas, também, uma tendência de aquecimento de toda a água do oceano. Isso é um processo lento, que as previsões avaliam começar em 2100 e evoluir ao longo do dos séculos. Então o processo é muito mais complexo do que o

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"Somos uma família que está dentro dos negócios em tempo integral"

Entrevista com MANUELLA MENDONÇA E DIEGO MENDONCA Empresa que começou com uma borracharia em Carpina, hoje ostenta sete operações das marcas Rode Bem, Rode Mais e Rodo Max, que abrangem distribuição no atacado e revenda de pneus e serviços de recapagem. A segunda geração de gestores do empreendimento leva adiante o empreendedorismo do fundador Manuel Mendonça. Tudo começou com uma simples borracharia em Carpina, na Zona da Mata Norte, que em 30 anos se transformou num grupo que hoje conta com 80 funcionários e ostenta sete operações ligadas ao setor de pneus: são três truck centers (que atendem ao segmento de caminhão), uma renovadora (que faz a recapagem), uma distribuidora das marcas Bridgestone e Firestone que atende todo o Estado de Pernambuco, e mais duas revendedoras multimarcas voltadas para o segmento de carros de passeio (car center). Para contar a trajetória de sucesso do grupo proprietário das marcas Rode Bem, Rode Mais e Rodo Max, Cláudia Santos conversou com a segunda geração dessa empresa familiar que começou com o empreendedorismo de Manuel Mendonça. Seus filhos, Diego Mendonça de 32 anos, e Manuella Mendonça de 27, contam como o negócio se expandiu, falam da relação com o pai e a mãe Fabiana, que também trabalha na empresa, e do setor de pneus e dos projetos da empresa. Como começou a Rode Bem? Diego - Ela começou em 1993. Está completando 30 anos. Nosso pai, Manuel, veio do segmento de recapagem de pneu de uma empresa que fechou. Então, ele abriu uma borracharia em Carpina. Na época teve início a importação de pneus usados vindos da Europa que ele comprava e revendia na cidade, tanto pneus de caminhão como de automóveis, e fazia a parte da recapagem. Na verdade, ele levava o pneu numa renovadora que recapava e entregava ao cliente. Manuella – Ele era do administrativo, vendas e compras, mas havia uma pessoa que fazia o serviço de borracharia. O negócio foi crescendo, ele começou revender pneu novo e aos pouquinhos foi evoluindo. Diego – O negócio foi ficando mais estruturado, já não era mais uma borracharia, mas uma loja de pneus e em 1996 ou 1997, ele abriu uma nova loja em Surubim, com um sócio e, como tem esse sócio, não faz parte do nosso grupo e leva outro nome, Siga Bem Pneus. Continuamos evoluindo, nos estruturando e passamos a ter um atacado de pneus em Carpina. Havia os importadores que traziam para o Brasil os pneus novos, meu pai comprava como atacadista na importadora e distribuía em todo o Estado de Pernambuco. Depois passou a fazer também Paraíba e Rio Grande do Norte. Mas, com o passar dos anos, os importadores passaram a vender direto aos clientes. A margem [de lucro] ficou muito espremida. Manuella – Mais ou menos em 2012 ele encerrou o atacado, não era viável mais, e em 2013 a Bridgestone nos procurou – em razão de a Rode Bem ser referência na região – e fechou a parceria para abrir uma loja em Carpina voltada para o público de caminhões e ônibus, a linha pesada de pneus, serviços e máquinas agrícolas. Eles fizeram questão de utilizar o nome Rode Bem Pneus por ser uma marca já conhecida na região. A primeira loja vende pneus no varejo de automóveis em todas as medidas. Depois, montamos essa nova loja com a bandeira Bridgestone/Firestone e depois de uns dois anos, montamos uma renovadora de pneus também da Bridgestone. O trabalho de uma renovadora é industrial? Diego – A renovadora é uma indústria que pega o pneu usado, no final da vida útil, e coloca uma borracha nova em cima. Faz todo um processo para ele “sair novo de novo”, como a gente costuma dizer. O pneu hoje custa em torno de R$ 3 mil dependendo do modelo e da marca e, para recapar o custo é em torno de R$ 700 ou R$ 800. Numa frota de caminhão, que é o nosso principal cliente, o maior custo é o combustível e o segundo é o pneu. Recapando, há uma redução muito maior no custo. Tem muita operação hoje que, se não existisse a recapagem, não se pagaria, inclusive, a borracha que usamos é a Bandag que oferece mais quilometragem que um pneu novo. Imagine o custo de um rodotrem graneleiro, que tem 34 pneus com o preço médio de R$ 2.800 cada. Ao recapar, ele terá um resultado muito considerável. Manuella – Esse serviço da recapagem tem a certificação do Inmetro. E vocês se adaptaram às demandas de uma região agrícola? Diego – Sim. Atendemos tanto a parte do caminhão frotista, caminhão de autônomo, como também o pessoal do agro. Bem, em 2014, começamos a operar no Recife com vendedor externo para fazer negócios, vender, fazer recapagem. Fomos ganhando, com o tempo, espaço no mercado. Até que em 2021 surgiu uma oportunidade de expansão do nosso truck center para Jaboatão dos Guararapes. Inauguramos na BR-101, uma loja grande, perto da Vitarella, que é um foco logístico do Estado. Em 2022 abrimos mais uma loja em Carpina. Tínhamos um concorrente que nos ofereceu a vaga dele, compramos a loja e ficamos com três unidades, duas voltadas para o público de passeio (car center) que é a Rode Mais, aonde a gente começou. Na verdade, Rode Bem é o nome que começou, mas quando abrimos o truck center, em 2013, a Bridgestone queria que tivesse o nome Rode Bem. Então o que era Rode Bem antigamente, transformou-se em Rode Mais. Quando abrimos a unidade em Jaboatão foi como Rode Bem, uma filial de Carpina. Quando surgiu uma oportunidade de uma nova loja em Carpina, compramos e, para não ficar os nomes iguais colocamos como Rodo Max, que é uma loja de pneus e rodas esportivas. Abrimos essa loja em 2022 e agora em 2023 inauguramos uma em Suape, dentro do complexo da E-LOG. Hoje temos três Rode Bem em Carpina, Jaboatão e Suape e uma renovadora que fica em Carpina, mas atende toda a Mata Norte, Mata Sul

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Danilo Cabral: "Estamos resgatando a essência da Sudene"

Danilo Cabral, Superintendente do órgão, fala sobre os projetos para incentivar o desenvolvimento no Nordeste, analisa o impacto do fim dos incentivos fiscais determinado pela Reforma Tributária e garante que o trecho Salgueiro-Suape da Transnordestina será construído. Em menos de um mês à frente da Sudene, Danilo Cabral já deixou patente a prioridade da sua gestão: resgatar a função do órgão de planejar o desenvolvimento do Nordeste. Um papel estabelecido quando a superintendência foi criada pelo renomado economista Celso Furtado, mas que foi abandonada nas últimas décadas a ponto de ter sido até extinta no Governo de Fernando Henrique. Nesta entrevista a Cláudia Santos e Rafael Dantas, Danilo Cabral falou da elaboração do Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste, com a participação dos governadores da região, das consequências do fim dos incentivos fiscais determinado pela Reforma Tributária e garantiu que o trecho Salgueiro-Suape da Transnordestina será construído. O Nordeste continua uma região carente, tanto é que 50% dos beneficiários do Bolsa Família estão aqui. O que prevê o Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste, formulado pela Sudene, para reverter essa situação? Acho que temos alguns desafios que estão postos na Sudene, que ocupou um papel mais relevante quando foi criada, em 1959, por Celso Furtado. Esse protagonismo foi sendo perdido, a partir da décadas de 80 e 90 quando começou um processo de esvaziamento dos órgãos de planejamento mas, sobretudo, no Governo Bolsonaro quando houve uma relação de quase inimizade entre o Governo Federal e o Nordeste. Estamos resgatando a essência da Sudene para ser um grande órgão de formulação e planejamento de políticas públicas para reduzir a desigualdade da região. O primeiro desafio é reposicionar a Sudene como um espaço de diálogo federativo porque se chegou a um ponto de se ter que constituir um consórcio com os governadores, uma instância de governança regional, para poder fazer as discussões e apontar as soluções que eles imaginavam para o Nordeste. Mas tem que haver um diálogo federativo que é o papel da Sudene: coordenar, mobilizar, articular, integrar o conjunto das políticas. Temos um ambiente hoje muito propício a isso. A volta de Lula à Presidência da República permitiu um reencontro do Nordeste com o Brasil. Precisamos voltar a um estágio que vivenciamos, inclusive nos primeiros governos de Lula, quando vimos o Nordeste crescer 53%, enquanto o Brasil cresceu 46% do seu PIB e foi nesse período que vimos a região entrar no processo de industrialização, embora tardio. Vimos um conjunto de políticas para tirar uma marca que foi e até hoje é vista por alguns que insistem em tratar o Nordeste de forma preconceituosa como um problema, o Nordeste da fome, da miséria, da seca. Não somos mais esse Nordeste, nem a Sudene é mais aquela, porque chegou uma nova industrialização, que precisa avançar, e chegou a proteção social com o Bolsa Família. Chegaram a escola técnica no interior, a água com a Transposição, que precisa consolidar. Vimos a energia limpa chegar ao Nordeste, ou seja, temos avanços. Precisamos aproveitar este momento com a eleição de Lula e fazer um novo reencontro do Nordeste com o Brasil, para que a gente possa ter uma nova janela de oportunidades. Quais os desafios para a Sudene voltar a ser um órgão importante de planejamento? Ela perdeu a equipe técnica? Perdeu. A Sudene chegou a ter 3.500 funcionários, tinha escritórios de representação em todos os Estados do Nordeste. Hoje temos 180 funcionários e mais nenhum escritório nos Estados. Tivemos reunião, junto com a Sudeco (Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste) e a Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), com o ministro Waldez Góes [da Integração e do Desenvolvimento Regional] a quem as superintendências estão subordinadas. As três têm o mesmo diagnóstico: esvaziamento, redução de quadro, sucateamento do órgão. Apresentamos ao ministro um pedido de recomposição de quadros. Ele tem sido muito sensível a todas essas questões. É preciso fortalecer o Condel, o Conselho Deliberativo das políticas regionais. Com o Consórcio Nordeste houve um deslocamento do eixo. Por isso, minha primeira agenda foi ir à Paraíba, simbolicamente uma referência a Celso Furtado, mas também conversar com João Azevedo, coordenador do Consórcio, para convidá-lo, em nome de todos os governadores, para a minha posse. Eles fizeram questão de participar. Vamos fazer — temo até usar essa expressão, senão Ariano [Suassuna] se mexe no túmulo dele (risos) — um roadshow, pois as pessoas precisam voltar a conhecer a Sudene. Recebi perguntas do tipo: a Sudene existe ainda? Porque as pessoas não a percebem por trás das obras, como a do Aeroporto dos Guararapes, onde há uma grande reforma feita por um parceiro privado. Mas tem recursos do Fundo Constitucional da Sudene ali. A Transnordestina recebe R$ 3,5 bilhões do Fundo. Quando a gente fala da Stellantis, tem R$ 2 bilhões de recursos de incentivos ali. Voltando ao Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste. O que ele prevê? Resgatamos um plano gestado ainda em 2019, mas ele não teve efetividade até por causa da pandemia. Mas as bases dele foram constituídas a partir de estudos feitos pela própria equipe técnica da Sudene. [A economista] Tânia Bacelar também ajudou na formulação. Fizemos a atualização de alguns dados desse plano, constituímos os conceitos macro do ponto de vista da visão, dos princípios, dos valores, das diretrizes e uma carteira de projetos atualizada com essa nova safra de governadores. Consultamos todos os estados para apresentarem seus projetos para os próximos quatro anos. Um conjunto enorme de projetos foi apresentado. Vamos anexá-los ao plano que está sendo encaminhado para os ministérios da Integração e do Planejamento, e serão incorporados ao PPA, para chegar agora em agosto ao Congresso Nacional. Acho que o plano carece ainda de um amplo debate e é isso que vamos continuar fazendo durante a tramitação dele no Congresso Nacional. Queremos rodar os estados para ouvi-los mais, os municípios, o setor produtivo, as universidades, os trabalhadores. Trabalhamos com uma visão estratégica de futuro que vai até 2027 com um Nordeste inovador, próspero, justo, que valorize e respeite a

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"As autarquias contribuíram muito para a formação no interior, por isso, precisamos de incentivo"

Ana Gleide Leal, presidente da Assiespe (Associação das Instituições Municipais do Ensino Superior de Pernambuco), aborda a importância dessas faculdades para formar profissionais no interior. Embora elas sejam públicas, se esforçam para obter verbas para oferecer cursos gratuitos. Pouca gente tem conhecimento de que autarquias existentes no interior de Pernambuco oferecem ensino superior e muitos professores que atuam fora do Recife foram formados nessas instituições. A qualidade do ensino ofertado por elas foi comprovada por parâmetros como, por exemplo, o selo OAB Recomenda, conquistado pelo curso de direito da Facape, autarquia de Petrolina. Apesar da sua importância, elas enfrentam dificuldades. Isso porque, embora sejam instituições públicas – tanto é que são auditadas pelo Tribunal de Contas de Pernambuco –, não estão incluídas no orçamento nem dos municípios onde estão sediadas, nem do Estado. “Somos da administração indireta desses municípios, por isso temos autonomia de gerenciamento e cobramos mensalidade para nossa manutenção”, esclarece Ana Gleide Leal, presidente da Assiespe (Associação das Instituições Municipais do Ensino Superior de Pernambuco). Entretanto, o pleito dessas autarquias, segundo Ana Gleide, é receber recursos públicos para que possam oferecer o ensino gratuito, principalmente porque a maior parte de seus alunos são oriundos da rede estadual. Nesta entrevista a Cláudia Santos, a presidente da Assiespe explica as características e o trabalho realizado por essas faculdades e as ações realizadas pela associação para que elas sejam reconhecidas como instituições públicas e recebam verbas dos governos. Como é o trabalho realizado pela Assiespe? A Assiespe é a Associação das Instituições Municipais do Ensino Superior de Pernambuco. É interessante que a sigla não tem o “M” de municipais. Não trabalhamos bem no passado para que as pessoas compreendessem o que somos e aí ficou a perspectiva de enxergarem a associação como uma instituição privada. Mas não somos. Somos uma instituição pública, que congrega autarquias que mantêm faculdades. Essas autarquias são da administração indireta de 13 municípios do Estado de Pernambuco. Do mesmo jeito existe a UPE, que é instituição estadual de ensino superior, nós temos 13 instituições municipais de ensino superior. Nós criamos, há mais de 20 anos, a associação que traz a perspectiva de agregar e defender essas instituições e de buscar recursos. Essas 13 autarquias mantêm 19 faculdades e elas estão nos municípios: Petrolina, Araripina, Salgueiro, Belém do São Francisco, Serra Talhada, Afogados da Ingazeira, Arcoverde (que é a mais antiga, criada em 1969), Belo Jardim, Palmares, Garanhuns, Limoeiro, Goiana e Cabo de Santo Agostinho. Temos um total de 14 mil estudantes nessa nossa estrutura. Somos uma instituição pública municipal e fazemos parte do sistema de ensino do Estado e temos um relacionamento com a Secretaria de Ciência e Tecnologia, porque as políticas do Estado para ensino superior passam pela secretaria. As autarquias recebem recursos públicos? Não. As autarquias não recebem recurso nenhum, nem do Estado, nem municipal. Temos uma realidade que nos diferencia das instituições de ensino superior pública: nós cobramos mensalidade para nossa manutenção porque não estamos nos orçamentos dos municípios onde estamos instalados. Esse valor é o que sustenta as nossas instituições. Mas somos da administração indireta desses municípios, por isso temos autonomia de gerenciamento. O que nos diferencia das instituições privadas é que não temos o lucro como finalidade, por isso que nossos valores são bem menores, são valores acessíveis. Mas se o município assumir essas instituições com a folha de pagamento e tudo mais, a oferta dos cursos passa a ser gratuita para os estudantes. É preciso que o Governo de Pernambuco e os municípios nos reconheçam não como uma instituição privada. Essas autarquias são auditadas pelo Tribunal de Contas, temos todas as responsabilidades de um governo municipal, de pagamento de folha, obrigações sociais. Essa lógica já nos diferencia de forma sem igual de uma instituição privada, a diferença é que como autarquia municipal de administração indireta nós temos autonomia. Pernambuco é o único Estado do Nordeste que tem autarquias, instituições municipais de ensino superior, e essa é uma realidade desde a década de 1970, quando se autorizou a criação dessas instituições ligadas ao município. Nesse período de interiorização do ensino superior, as autarquias municipais, por meio de suas faculdades, contribuíram muito para a formação do profissional no interior do Estado, então é graças a essas instituições que temos hoje uma quantidade de professores no interior. Por isso, precisamos de incentivo. Destacamos que no último concurso que a rede estadual ofertou, houve cidades em que 100% dos candidatos eram alunos egressos das autarquias. Na microrregião do Submédio São Francisco, 80% dos professores são alunos oriundos da autarquia que eu presido, a ABCDE/Cevasf (Centro de Ensino Superior do Vale do São Francisco), localizada em Belém do São Francisco, e que tem 47 anos. Existem no Brasil 60 autarquias municipais de ensino superior, dessas 13 estão em Pernambuco, que foram criadas antes da constituição de 1988. Depois, foi proibida a criação de novas autarquias de ensino superior, lógico, a força das instituições privadas tentando frear um pouco a oferta de ensino superior e também pelo fato de que houve um ordenamento sobre de quem era a responsabilidade do ensino por níveis. Então, ao município coube a responsabilidade da educação básica, ao Estado e à Federação coube a responsabilidade do ensino médio e ensino superior. A partir dali tirou-se do município qualquer responsabilidade orçamentária com o ensino superior. Conheci no Rio de Janeiro instituições municipais, nas cidades de Macaé e Itaperuna. Elas foram criadas depois de 1988 e quem as sustentam são os municípios onde foram criadas, por isso todo o ensino é gratuito para os alunos. As autarquias de Pernambuco oferecem somente cursos de licenciatura? Não, nós temos cursos de bacharelados também. Nós tivemos a abertura desses cursos após o incentivo das bolsas que as autarquias receberam do Estado, por meio do Proupe (Programa Universidades para Todos em Pernambuco), no Governo Eduardo Campos. Foram quase 12 mil bolsas para os estudantes e aquilo despertou para as instituições que elas precisavam também fortalecer no interior a oferta de bacharelados. E fizemos isso. Só que nesses

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Roberto Tavares de Melo: "Temos um diferencial que é a entrega rápida"

Roberto Tavares de Melo, Sócio-gestor da Do Mestre, conta a trajetória da empresa pernambucana que atua na fabricação de produtos para a construção civil e concorre com gigantes internacionais do setor. O empresário afirma que entre as estratégias utilizadas estão a conexão com as tendências do mercado e ter frota própria. Ser uma empresa regional e concorrer, com êxito, com gigantes internacionais do setor em que atua é uma proeza no mundo dos negócios. Uma façanha que tem marcado a atuação da Do Mestre, fabricante de produtos para a construção civil, localizada na cidade de Nazaré da Mata. Na concorrência com os grandes players, o sócio-gestor Roberto Tavares de Melo, lança mão de estratégias como ter uma relação mais próxima com o cliente e dar a ele facilidades logísticas, já que os outros fabricantes não oferecem o frete. “No nosso caso, 80% das nossas entregas são feitas por frota própria. Nós sempre dizemos: nosso compromisso é de em 48 horas a mercadoria estar na sua obra”, ressalta. Outro segredo do sucesso da Do Mestre é estar conectada com as tendências do setor de construção civil, por isso, tem investido em lançamentos de produtos impermeabilizantes. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Roberto Tavares de Melo conta a trajetória da empresa, as mudanças e os desafios provocados pela pandemia – que trouxe uma nova clientela e levou à criação de uma horta, diante do temor de haver um desabastecimento de alimentos e afetar os funcionários. Ele também comenta outras ações na área de ESG e a sua relação com os filhos no dia a dia da empresa. Como começou a trajetória da Do Mestre? Nós atuávamos no ramo da construção civil com uma produção de artefatos cerâmicos na cor vermelha, a popular cerâmica ou olaria, como alguns chamam. Fabricávamos tijolos, lajotas, vários itens em cerâmica vermelha, não era cerâmica fina, nem porcelanato. Adquirimos essa empresa, ela não foi montada por nós. Meus três irmãos eram meus sócios e eu era o sócio-gestor da operação. Eles eram investidores, não estavam na operação. Isso foi em 1985, eu ainda era estudante de engenharia e durante esses 15 anos seguimos com uma única atividade. Mas chegamos à conclusão de que tínhamos baixa fidelização dos clientes, sobretudo na indústria da construção civil. Atuávamos com o varejo, mas éramos uma empresa com o perfil de atendimento à indústria, no segmento de médio e alto padrão. Mas nós ficávamos de fora no início da obra dos clientes, que era a parte de fundação, estaqueamento e estrutura. Entrávamos na parte de alvenaria mas, depois, ficávamos fora do acabamento. Ou seja, se uma construção tinha o tempo total de 36 meses, tínhamos uma relação com a obra durante 18 a 20 meses. E aí veio a ideia de que deveríamos fidelizar mais, porque o ativo de uma empresa não são só máquina e capital humano, tem a clientela, é preciso ter o seu parceiro comercial de todas as horas. Isso é muito claro no varejo, que a atuação começa em 2 de janeiro e termina no penúltimo dia de dezembro. Então é uma relação, realmente, duradoura. E aí, nos anos 2000, decidimos montar uma fábrica de argamassa ao lado da outra que já existia. Qual a vantagem da fábrica de argamassa? Porque assim participaríamos tanto da fase de alvenaria – já que fazemos um tipo de argamassa que faz a colagem dos tijolos – depois passamos a fabricar até o reboco para revestir o tijolo, e que vai ser preparado para colocar um novo revestimento seja nas áreas molhadas (como banheiro e cozinha) seja na fachada. E aí nasceu a concepção da empresa Do Mestre no ano 2000. Em 2003 houve a saída dos três sócios investidores, continuei sozinho e em 2019 a empresa de tijolos e cerâmicas vermelhas foi desativada. É um setor que foi me desencantando por várias razões, como baixo valor agregado, além de um somatório de eventos que nos levou a focar naquilo que faz sentido que é a Do Mestre. Hoje é uma empresa que, graças a Deus, obtivemos nos últimos cinco anos uma taxa de crescimento bem interessante. Crescemos mais de 25% o faturamento nesse período. O interessante é que vocês têm concorrentes de peso, marcas de abrangência nacional e até mundial… É uma tarefa hercúlea porque eles são players que têm produção local em Pernambuco e são líderes mundiais. Os dois maiores do mundo no setor estão aqui em Pernambuco e é uma briga grande. Não temos os números, mas o feeling é que a gente vem em terceiro, como o primeiro dos independentes. Qual é a estratégia que vocês utilizam para brigar com esses gigantes? Costumo dizer que um grande player, uma multinacional, tem inúmeras vantagens, eles têm caixa, tecnologia etc., mas têm outras desvantagens como a demora na tomada de decisão, o excesso de níveis hierárquicos, a frieza no relacionamento com o cliente, a dificuldade de aderência ao consumidor. Eu não falo o consumidor final, mas do B2B, o varejista que vai comprar o produto dele. Ninguém sabe quem é o dono ou o gerente dessas grandes empresas. O nordestino sente essa falta de calor humano. E há a questão da entrega logística, que é muito importante nessa família de produtos. Isto porque tanto os varejistas como a indústria da construção não têm frota própria. Os varejistas fazem retirada nas fábricas e dependem de terceiros. As fábricas, por sua vez, não ajudam, normalmente, os clientes, embora haja exceções. Mas é como se elas dissessem: “eu produzo, o produto está aqui pronto para você retirar, mas como você vai retirar é uma questão sua”. O problema é repassado e isso às vezes gera dificuldade, atrasa o processo do cliente. No nosso caso, 80% das nossas entregas são feitas por frota própria. Temos caminhões e uma transportadora também que é coligada a nossa empresa, mas é um outro CNPJ porque é um outro escopo de trabalho. Como trabalhamos com frota própria, temos um diferencial que é a entrega rápida. Estamos sediados em Nazaré

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Camila Bandeira: "Vamos tornar a Fenearte um atrativo turístico"

Diretora-executiva da feira, Camila Bandeira, fala das novidades desta edição do evento, como a realização de atividades em 50 espaços do Recife e de Olinda que dialogam com o artesanato. O objetivo é atrair turistas para as cidades. Também anuncia a realização de um estudo que vai fornecer um diagnóstico do setor. Q uem visitar a 23ª edição da Fenearte este ano, vai poder não só conhecer e adquirir as peças de mais de cinco mil artesãos que vão expor seus trabalhos no Centro de Convenções, mas também participar de uma ampla programação paralela que acontece em cerca de 50 espaços localizados no Recife e em Olinda. As atividades compõem o Circuito Fenearte e vão acontecer em galerias, museus e restaurantes. Entre as atrações estão a Feira de Arte Contemporânea, que acontece no Cais do Sertão, a mostra Tapeçaria Timbi: Bordando as obras do mestre J. Borges no Mercado Eufrásio Barbosa e a Cozinha Fenearte, iniciativa em parceria com o Instituto César Santos, com a participação de 10 restaurantes que vão apresentar um cardápio especial no período do evento. “O público que gosta do artesanato também gosta de gastronomia, de moda, de artes visuais, de artes plásticas. Então, estamos ampliando esse diálogo com essas outras linguagens e para outros equipamentos”, explica Camila Bandeira diretora-executiva da feira. O intuito da inovação, segundo Camila, é transformar a Fenearte numa atração turística. A feira – que este ano acontece de 5 a 16 de julho – é considerada a maior da América Latina, tem investimento de R$ 8 milhões e a expectativa de movimentação financeira superior a R$ 40 milhões. Apesar desses números superlativos, o evento não conta com muitos visitantes de outros Estados e Camila acredita que a Fenearte tem o potencial para estimular o turismo no Recife e em Olinda. A inspiração vem da Fuorisalone, famosa feira de design de Milão que oferece atrativos no entorno do salão onde acontece o evento e que atrai visitantes de outras localidades para a cidade italiana. Camila Bandeira, que também é diretora-geral de promoção da Economia Criativa da Adepe (Agência de Desenvolvimento de Pernambuco) conta, nesta entrevista a Cláudia Santos, as novidades da Fenearte, fala do estudo sobre o setor de artesanato que será iniciado durante o evento e ressalta a importância dos loiceiros (artesão que fazem peças utilitárias de barro), que são homenageados desta edição da feira. Por que, nesta edição, a programação da Fenearte será realizada em outros espaços, além do Centro de Convenções? Identificamos algumas questões que nos levaram para essa tomada de decisão. A primeira delas é que a Fenearte, por si só, apesar de todo potencial, não é ainda um atrativo turístico. São poucos turistas que vêm de fora de Pernambuco para a feira. Olhando para isso, começamos a pensar como que a gente conseguiria dar esse caráter e fomentar mais o turismo. Daí, surgiu a ideia do Circuito Fenearte, no qual estamos expandindo a feira para outros espaços, para atividades relacionadas com artesanato, mas com conexão com outras linguagens. O público que gosta do artesanato também gosta de gastronomia, de moda, de artes visuais, de artes plásticas. Então, estamos ampliando esse diálogo com essas outras linguagens e para outros equipamentos. Acreditamos que , desta forma, vamos tornar a Fenearte um atrativo turístico. A feira, com a comercialização dos trabalhos dos artesãos continua sendo realizada no Centro de Convenções, não haverá nenhum ponto de venda fora dele, mas vamos oferecer uma programação paralela para colocar o artesanato em diálogo com outras linguagens e com isso incentivar o turismo. Que tipo de atrações o visitante vai conhecer nesses outros espaços? A gente vai ter o circuito gastronômico. Alguns chefs, que estarão na Fenearte, inclusive com a aula-show que é oferecida na feira, estarão também nos seus restaurantes, em seus espaços, ativando com prato especial, com horário estendido, com a sinalização de que ali também faz parte do Circuito Fenearte. Além de restaurantes, museus, equipamentos culturais, galerias de arte, espaços de economia criativa das cidades do Recife e de Olinda estarão com programação específica nesse período em que a feira é realizada. Alguns começando antes, outros estendendo até um pouco mais, mas cerca de 50 espaços serão ativados pela Fenearte, provocados para pensarem em programações específicas. Essa iniciativa foi inspirada na feira Fuorisalone, de Milão, onde surgiram essas ativações orgânicas que iam acontecendo ali ao redor do salão principal do evento, segundo eu soube – porque não fui lá ainda – hoje essas atividades paralelas têm tanto poder atrativo quanto o salão. A economia da cidade vive atualmente a partir do que acontece no seu entorno, nas galerias, nos outros equipamentos que são ocupados. Nesta edição, a feira homenageia os loiceiros. Qual a importância deles para o artesanato e para a identidade cultural de Pernambuco? Esse saber tradicional da loiça é milenar, vem dos povos originários, muitas vezes as pessoas nem sabem, mas a própria arte figurativa vem da arte utilitária de pegar o barro da terra e fazer objetos como uma panela. A partir daí, vai-se modificando ao longo do tempo, através das tradições, até chegar no que a gente tem hoje como arte figurativa, arte expressiva, arte contemporânea. Por isso a ideia de homenagear esse saber tão antigo, tão milenar, da raiz de onde vem, por exemplo, Vitalino e Maria Amélia, que são dois artistas renomados por trabalhar com cerâmica. Os pais de ambos eram loiceiros, eles começaram a ter esse contato com o barro e com a cerâmica ao fazerem objetos utilitários. Então, a ideia é homenagear todos esses mestres e mestras que estão espalhados pelo Estado todo. Nessa edição vocês vão realizar um estudo sobre o setor. Qual o objetivo dessa pesquisa e quando os resultados serão concluídos? O objetivo é a gente ter um panorama, um diagnóstico profundo sobre a cadeia do artesanato que vai nos dar subsídios para entender essa cadeia e podermos traçar as estratégias mais adequadas e estruturantes para esse setor. O estudo tem quatro pilares: mercado (olhar para o artesanato a

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"A sanfona de oito baixos está desaparecendo em Pernambuco"

Documentarista e pesquisador critica a falta de espaço para o forró tradicional nas festas juninas do interior de Pernambuco, aponta os novos talentos do baião e defende a implantação de uma política que leve o legado de Luiz Gonzaga às escolas para que essa cultura não se acabe. Apaixonado pelo Sertão, o documentarista e pesquisador Anselmo Alves, há anos tem travado uma batalha em prol das tradições da cultura sertaneja, em especial da preservação da sanfona de oito baixos. Ao longo do tempo, os músicos que tocam o instrumento têm diminuído em Pernambuco, o que pode ser uma sentença de morte para o ritmo que Luiz Gonzaga popularizou. “A sanfona de oito baixos é importante porque é matriz musical do forró, é de onde surgiu o baião”, justifica Anselmo. Nesta entrevista a Cláudia Santos, o documentarista critica a programação do período junino nas cidades do interior pernambucano, onde o forró tradicional não merece destaque. Aponta quem são os novos talentos que bebem na fonte de Gonzaga e defende uma política voltada para difundir o baião entre a garotada de Pernambuco. “Mestre Salustiano falava um negócio fantástico: ‘se o folguedo não chegar na criança, ele morre’. A sanfona de oito baixos não está chegando na criança”. O que você acha da presença do forró no São João de Pernambuco atualmente? No Recife, graças a Peixe (João Roberto, ex-secretário de Cultura do Recife), já há 20 anos, não se permite que o forró de plástico e a dupla sertaneja entrem nas festas juninas, embora já tenha entrado no Carnaval, mas no São João foi a única capital que resistiu em botar o forró autêntico. Nas outras cidades o que se ouve é dupla sertaneja, funk, passinho. Eu não sou contra nenhum desses ritmos, agora o São João é uma festa de tradição, que vem de Portugal, e quem joga o lado profano e belo é Luiz Gonzaga. Essa história começa a ser destruída a partir dos anos 1970, 1980 até os anos 1990, com a antena parabólica. Naqueles anos, os meninos de Serra Talhada – onde eu nasci – não torciam para o Náutico, nem para o Sport, nem para o Santa Cruz. Torciam para os times do Sul do País que viam na televisão e, ao mesmo tempo, assistiam às duplas sertanejas. Para deixar mais distante da juventude o xote, o xaxado, o baião e o arrasta-pé veio a segunda leva com Carla Perez, a sexualização do palco e a dança da garrafa que, há 20 anos, vendia três milhões de discos. Não sou conservador, nem contra a sensualidade do palco. Sou contra a sensualidade chula, ou seja, uma música que descontrói a mulher e enaltece o homem como a letra de uma canção do Saia Rodada que diz “dinheiro na mão, calcinha no chão”. Isso é um estímulo à prostituição. Essa música que se diz forró, não é xote, nem xaxado, nem é baião, só usaram o nome forró. Roubaram, é um estelionato poético. Eu nasci em Serra Talhada, numa vila de 18 ruas, meu tio era músico e passou a adolescência com Moacir Santos (arranjador, compositor, maestro e multi-instrumentista falecido em 2006), que quando estava no interior ia para a casa do meu tio. Conheci muito Moacir Santos. Então eu vivi num ambiente musical e eu ficava encantado quando vovô me levava para a feira, onde eu via um cego tocando uma sanfona de oito baixos. Era uma coisa mágica! Mas imagine se eu tivesse 11 anos hoje, cheio de hormônios, eu ia ver um velho cego, pobre, tocando sanfona de oito baixos, ou uma mulher bonita no palco? Claro que falam mais alto os hormônios do que as harmonias. Então eu acho que existe uma desconstrução muito grande. Pergunta se na festa do peão boiadeiro, lá do Centro-Oeste, o pessoal vai deixar a gente tocar Zé Marcolino, Zé Dantas, Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira? Não vai. Pergunta se no Rio Grande do Sul, que mantém a tradição (e isso se deve muito a Borghettinho (o instrumentista gaiteiro Renato Borghetti), e ao CTG, Centro de Tradições Gaúchas, que foi fundado há 60 anos e hoje tem centros espalhados não só no Brasil, mas no Uruguai, no Paraguai, que preservou a cultura. O axé da Bahia é maravilhoso. Acho Ivete Sangalo maravilhosa, midiática, é uma artista completa, canta aqui, canta em Las Vegas, é aplaudida em todo lugar. Agora o que é que Ivete Sangalo tem para abrir o São João de Caruaru? Toda essa história do baião, do xaxado, dessa festa profana de Gonzaga nasceu com a sanfona de oito baixos. Faço parte de um movimento chamado Respeitem os Oito Baixos. Somos eu, Leda Dias (cantora) e Diviol Lira (acordeonista). O instrumento em Pernambuco é terminal. Há 15 anos que eu luto para que essa matriz musical não desapareça. A sanfona de oito baixos é importante porque é matriz musical do forró, é de onde surgiu o baião. Ela foi trazida pelos portugueses no começo do século passado e chega no Nordeste brasileiro, no Sertão mais precisamente, na época do velho pai de Luiz Gonzaga, na década de 20. Nessa época muda-se a afinação do instrumento que era europeia e fazem uma adaptação para poder tocar o forró. É a chamada afinação transportada. Esse código musical da sanfona de oito baixos é único no mundo. Aqui, em Pernambuco, existem apenas cinco crianças que tocam o instrumento. Há também a Or - questra da Sanfona de Oito Baixos que eu ajudei a construir, são uns 20 instrumentistas experientes que nunca foram à escola de música, grande parte é analfabeta. E a gen - te perdendo tudo isso, porque não houve uma política pública que garantisse uma escola permanen - te da sanfona de oito baixos, como Borghettinho fez no Rio Grande do Sul, a Fábrica de Gaiteiros. Então você acha importante incentivar as crianças? Foi o que Luiz Gonzaga fez aos distribuir sanfonas para a garotada. Cento e quarenta para ser mais preciso. Gonzaga viu Dominguinhos, com 14 anos, tocando

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