Uma pesquisa encomendada pela marca OMO investigou a rotina de 12 mil famílias em 10 países. O resultado? Cinquenta e seis por cento das crianças passam uma hora ou menos brincando ao ar livre. Esse tempo é menor do que o período dado a presidiários para os banhos de sol em cadeias de segurança máxima. Além de acarretar problemas no desenvolvimento das crianças, mantê-las muito tempo em ambientes fechados faz com que percam a relação com a cidade. Perde-se também o sentimento de pertencimento com o local onde vive. Não raro, especialmente os filhos da classe média, mal conhecem o bairro onde moram. Numa crônica publicada na Algomais, Joca Souza Leão destacou o espanto do primeiro encontro de seu neto, Pedro, com o Centro do Recife. "Como os meninos de classe média da sua idade, 10 anos, Pedro só conhecia os caminhos da escola, do clube, um ou outro parque, a praia de Boa Viagem, shoppings, aeroporto e saídas da cidade para o interior e litoral. De carro. E de bicicleta, com o pai, João, em algumas incursões pelas precárias ciclovias domingueiras", contou o cronista. A falta de segurança urbana é um dos principais motivos que leva os pais a resguardarem seus filhos entre quatro paredes. O engenheiro Leonardo Maranhão, por exemplo, diz que costumava fazer passeios com o filho, mas abandonou a atividade há um tempo: "eu poderia correr em um parque com ele. Mas a insegurança não deixa. Ele tem que ficar gradeado". Já a administradora de empresas Silvana Queiroz queixa-se da falta de áreas verdes na cidade. “Acho muito importante o contato com a natureza, porém não é fácil numa cidade como o Recife, com poucas praças e até mesmo porque a parte de areia da praia ficou muito restrita. Os pais realmente têm que ser criativos para estimular esta interação ou buscar alternativas”, lamenta. Mas urbanistas defendem que esses problemas devem ser enfrentados pela população. A arquiteta e urbanista Clarissa Duarte, professora e pesquisadora da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) adverte que quanto mais gente na rua, mais segura ela se torna. Ela destaca o quão necessário é o esforço de todos para mobilizar e causar a mudança de hábito nas crianças. E um ponto de partida é deixar o automóvel na garagem: “se cada um de nós não tiver um pouco de coragem para ‘reconfigurar’ sua zona de conforto e passar a utilizar menos o transporte particular individual, as crianças jamais terão a oportunidade de perceber uma cidade diferente, mais coletiva, mais saudável e divertida”, defende a urbanista que leva seus filhos desde pequenos a pé ou de bike para a escola. Mas, ela mesma admite como foi difícil deixar o mais velho, Vicente, de 9 anos, ir para o colégio, sozinho e a pé, num trajeto de um quilômetro. "Ele me disse: Mãe! Não é você mesma quem diz que podemos ser assaltados em qualquer lugar? Mesmo dentro do carro ou entrando no portão de casa? Eu tô ligado!", relembra a urbanista. "Como o pai já havia concordado, só me restou encorajá-lo e testar a nova experiência urbana, que nada mais era do que a confirmação de que os milhares de dias indo a pé ou de bicicleta, com a nossa companhia, o preencheram de autoconfiança e do desejo de caminhar pela sua cidade". A jornalista Vanessa Bahé é outra mãe que costuma levar o filho Eduardo para a escola de bicicleta, desde o início de 2017. Aos poucos também tem dado mais autonomia para ele nas ruas. “Ele sente na pele a falta de cuidado com o pedestre e ciclista no nosso trânsito. Este ano passei a levá-lo na bicicleta dele, pois está crescendo. Vou ao lado dele na via e, como não temos uma ciclovia na cidade, usamos uma faixa de carro mesmo. Sinto que muita gente respeita quando vê que estou acompanhando uma criança, mas, vez ou outra, alguém buzina para ultrapassar a todo custo”, relata. Apesar dos percalços, Vanessa e o filho continuam usando o modal e acreditam na mudança: “quanto mais pessoas usarem a bicicleta, mais consciência terão. Isso é um processo de construção. Torço para que essa relação carro, transporte público e bicicleta seja saudável e todos se respeitem”. MENOS CARROS Assim como Vanessa, muitos ativistas e urbanistas torcem para que aumente o número de pessoas que levam seus filhos a utilizar as ruas e que esse movimento estimule políticas para assegurar espaços públicos seguros e de qualidade. Uma experiência com bons resultados foi a Ciclofaixa de Turismo e Lazer, projeto da Prefeitura da Cidade do Recife que oferece nos fins de semana e feriados 36,5 km de faixa exclusivas para as bicicletas. A iniciativa, segundo a PCR, conquistou a adesão de uma média de 17 mil pessoas por dia, muitas delas pessoas de classe média que, pela primeira vez, pedalaram na cidade com seus filhos. Na verdade, a dependência dos veículos motorizados, um costume desenvolvido nos centros urbanos dos séculos 20 e 21, diminui a utilização das ruas, dando espaço para as quilométricas filas de carros vistas diariamente no trânsito da cidade. A Nova Agenda Urbana, desenvolvida na Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável – Habitat III partiu com a ideia de promover a mobilidade urbana sustentável ligada às temáticas de idade e gênero, atreladas ao desenvolvimento territorial. Para Clarissa, a chamada mobilidade ativa estimula a humanização das ruas. “Além de ser mais saudável para todos, caminhar ou pedalar oferece a oportunidade de observar, conviver e trocar experiências com pessoas diferentes de si e é uma das principais chaves para a conquista de uma cidade mais justa e sustentável”, observa a urbanista. “Se apenas vivemos limitados aos espaços de nossas casas, condomínios, escolas, clubes e shoppings, não temos a chance de conhecer outras realidades, pessoas de classes sociais diferentes, com necessidades e gostos distintos dos nossos. A rua é o espaço da troca por excelência, e estar na rua (fora de um carro!) nos ensina a ser mais respeitosos e cuidadosos