A fé que cresce nas periferias
*Por Rafael Dantas A Terra de Santa Cruz, nomeada assim pelos portugueses há cinco séculos, vai se tornando cada vez mais uma nação dos evangélicos. A Reforma Protestante, que balançou o mundo também há pouco mais de 500 anos e será celebrada no próximo dia 31, tem uma relação com o fenômeno da transição religiosa do País. Uma conversão muito numerosa, principalmente nas periferias das grandes cidades, que influencia o consumo, a cultura e a política nacional. Uma trajetória costurada por muitos testemunhos de transformações pessoais, mas também de agravadas tensões sociais no debate público. Entender quem são os evangélicos e o que querem não é uma tarefa fácil, mas é necessária para fazer uma leitura do presente e do futuro do Brasil. A multiplicidade de denominações e a diversidade de atuação dos fiéis é uma das principais marcas desse grupo religioso. O que se convencionou a chamar de evangélicos engloba desde igrejas luxuosas, com espaços na TV (ou mesmo donos de grandes redes de comunicação) até pequenas comunidades independentes instaladas nas favelas. O porte dos templos não é nem de longe a maior das diferenças. “Há uma massa bastante distinta dos evangélicos. Inclusive dentro da própria história das religiões, classificar de uma forma uniforme se torna bem difícil. Eu costumo usar esse termo bem no plural, os protestantismos e os evangélicos. A gente tem que entender que existe uma história muito consolidada desses protestantes ou desses evangélicos aqui no País,, que começa ainda no Brasil Colônia”, afirma o historiador e professor da Universidade de Pernambuco, Carlos André Silva de Moura. “Se a gente for tentar fazer uma configuração de quem são esses evangélicos hoje, é uma massa extremamente heterogênea, muito inserida nas periferias das cidades e que está em plena expansão”. Muito fragmentados, esses grupos poderiam ser classificados em três grandes blocos: os protestantes históricos, os pentecostais e os neopentecostais (veja na reportagem A formação do Brasil evangélico). Mesmo entre esses setores há discordâncias e tensões imensas, especialmente envolvendo os neopentecostais. Para o pastor e historiador José Roberto de Souza, há um elemento religioso que unifica esse indivíduo que se denomina evangélico. “É aquele indivíduo que faz parte de uma igreja que professa a sua fé unicamente em Jesus Cristo. Essa pessoa se reconhece como pecadora, que precisa do arrependimento dos seus pecados, que nunca o mérito vai estar nela, mas num Cristo”, afirmou o docente, que é doutor em Ciência das Religiões e professor do Seminário Presbiteriano do Norte. As práticas, ênfases teológicas e a gestão dessas igrejas são muito diversificadas. Há desde as denominações que são geridas com princípios democráticos, regidas por assembleias e com votos paritários dos membros, até instituições com donos, que concentram na família pastoral as decisões e os rumos da comunidade. Dos ultraconservadores aos mais liberais. Os dados do Censo 2022 sobre religião ainda não saíram, mas o histórico de todas as pesquisas anteriores trazem inferências importantes sobre a “conversão” dos brasileiros. O fenômeno religioso identificado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) não é somente do avanço evangélico mas, de longe, é a transição mais notável em andamento no País, que ainda é o mais católico do mundo. “Temos dados de 1872 até 2010. Esses dados mostram que os católicos estavam perdendo 1% por década entre 1872 e 1991. Depois, arredondando os números, começou a cair 1% por ano. Todos os outros grupos vieram crescendo. Os evangélicos, os sem religião e as outras religiões cresceram. Mas o destaque, principalmente nos últimos 30 anos, foi dos evangélicos”, afirmou o sociólogo e doutor em demografia, José Eustáquio Alves. Mesmo sem os números mais recentes, a partir de dados de outros institutos, o pesquisador estima que a queda do número de católicos seja de 1,2% ao ano e que a subida de evangélicos esteja em aproximadamente 0,8% por ano. Ele traça a partir disso que a quantidade de fiéis evangélicos, somando as suas diversas denominações, será superior ao de católicos em 2032. Em menos de 10 anos, os evangélicos se aproximariam de 40% da população brasileira. Publicada em 2020, uma pesquisa do Instituto Datafolha sobre o perfil religioso dos brasileiros indicava que 31% da população já se declarava evangélica. Enquanto isso, 50% eram católicos, 10% sem religião. De acordo com o levantamento, os espíritas compõem 3% da população, enquanto os seguidores da umbanda, candomblé e outras religiões afro-brasileiras representam 2%. Além disso, 2% da população segue outras religiões, 1% se declara ateu, e 0,3% é composto por judeus. Na nota técnica Políticas Públicas, Cidades e Desigualdades, produzida pelo Centro de Estudos da Metrópole em 2019, foi constatado que naquele ano foram abertas 6.356 igrejas evangélicas no Brasil. Isso dava uma média de 17 novos templos por dia. Além do número crescente, os estudos apontam um nível de engajamento muito maior dos evangélicos na prática da sua fé. Eles são mais assíduos nos cultos e celebrações e contribuem financeiramente muito mais para suas comunidades religiosas. AMBIENTE DO FENÔMENO DA TRANSIÇÃO RELIGIOSA José Eustáquio Alves aponta alguns fatores socioeconômicos que contribuíram para um encolhimento do catolicismo e avanço do protestantismo nas últimas décadas. Um deles é o processo de urbanização do País que resultou na explosão das periferias. Enquanto os grandes templos católicos permanecem nas regiões mais centrais ou de ocupação mais antiga, o comportamento empreendedor dessas comunidades religiosas chegava de forma muito mais rápida e adaptada ao contexto dos milhões de brasileiros que deixaram a vida rural para morar no subúrbio das cidades. O avanço econômico, com o crescimento significativo das telecomunicações, é outro fator que ajuda a explicar o fenômeno, pois a igreja evangélica, mesmo sendo minoritária, é muito eficiente no uso das TVs e rádios para propagar a sua fé. Além disso, mais recentemente, também dominou rápido o uso da internet e das redes sociais na propagação das suas pautas e sermões. “A partir da década de 1970, os evangélicos começam a utilizar os meios de comunicação massivos. Surge a ideia de igreja eletrônica. Os televangelistas começam a comprar espaços nas emissoras
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