Francisco Cunha – Página: 3 – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Francisco Cunha

A trágica urbanização brasileira, o Recife e a possibilidade de redenção

O Brasil é um dos países de mais rápida e avassaladora urbanização do mundo. Passou de um percentual de 31% da população urbana (e 67% rural), em 1940, para 84% da população urbana (e 16% rural), em 2010. Como o Censo de 2020 ainda não foi feito, estima-se que o percentual já esteja hoje acima de 86%. Esse fluxo campo-cidade, acentuadíssimo, funcionou, sobretudo para as cidades mais antigas do País, como um fator de desorganização urbana de proporções nunca antes vivenciadas por elas. Rio de Janeiro, Salvador e o Recife, em especial, sofreram demais. O Recife, por exemplo, a mais antiga das três (pois é a capital mais antiga do País, a primeira a completar 500 anos em 2037) e centro regional desde a colonização, teve a sua população duplicada, de 500 mil, em 1950, para 1 milhão de habitantes, em 1970. Do início do Século XX até 1970 este crescimento foi de 10 vezes, de 100 mil para 1 milhão de habitantes. Além de um “tsunami” populacional dessas proporções, como popularmente se diz, “por cima de queda, coice”. Esse fenômeno migratório nacional e regional, digamos assim, foi coadjuvado por outro de proporções mundiais: a fenomenal ascensão do veículo individual motorizado, o nosso querido automóvel que, atuando como uma espécie de “gás” sólido, se expande até ocupar praticamente todo o espaço viário disponível. Atualmente estima-se que os veículos individuais motorizados ocupam, só eles, 80% de todo o espaço viário nas cidades brasileiras (considerando as calçadas como inclusas no espaço viário). No caso do Recife, que passou cerca de 4/5 (ou 80%) de sua história de vida sem veículos motorizados, essas duas “catástrofes” concatenadas contribuem para a frequente conquista periódica do “título” de uma das cidades mais engarrafadas (do País ou do mundo, dependendo de quem “mede”). Isso por se tratar de uma cidade de muitos rios e canais que forçam o trânsito estreitado a passar frequentemente por pontes. Além disso, devido à sua idade, praticamente toda a malha viária da chamada Zona Norte da cidade foi traçada antes da chegada do automóvel (diferente da malha da Zona Sul que foi lançada, praticamente toda ela, quando o automóvel já tinha chegado). Por ela passavam pessoas a pé, montadas em animais ou sobre carroças puxadas a equinos ou bovinos. De repente, tiveram que se adaptar à passagem de veículos móveis de, no mínimo, uma tonelada de peso, em duas mãos. Resultado: as vias tiveram que ser alargadas ao máximo, com as calçadas segregadas nas bordas, de preferência as menores possíveis. O fato é que nenhuma cidade do mundo, por mais desenvolvida e/ ou bem aquinhoada com recursos que fosse, passaria sem sérias consequências por uma conjugação de fenômenos tão poderosa e desorganizadora como a ocorrida. Muito menos o Recife que cresceu sobre um sítio de terras frágeis, alagáveis na planície e “dissolventes” nas encostas dos morros que circundam a planície, em forma de anfiteatro, desde Olinda aos Montes Guararapes, ocupados pelo grosso da população que chegava à procura de chão para erguer suas precárias moradias. Além das encostas frágeis de argila, a população habitacionalmente desassistida ocupou também os piores terrenos da planície, aqueles dos “córregos e alagados” como costumava dizer um folclórico prefeito da capital. Além disso, os recursos passaram a ser escassos para uma cidade que, desde há muito até os dias atuais, passou a constituir-se metade “formal” e metade “informal”. A consequência do ponto de vista urbanístico-administrativo foi uma realidade mais próxima do caótico do que de qualquer outra situação menos desordenada. Esta realidade torna-se ainda mais contrastante quando verificamos que no início do Século XX, até a fatídica década de 1940, o Recife chegou a transformar-se numa cidade que se poderia considerar até organizada. Que o digam os filmes do “Ciclo do Recife”, feitos nas décadas de 1920/30 que retratam uma cidade quase “europeia” com belos jardins (Praças da República, Adolfo Cirne, Derby, Sérgio Loreto, Casa Forte, Parque 13 de Maio etc.), bondes elétricos, pontes de ferro e cimento armado, porto e bairro portuário reformados à moda francesa, praticamente 100% saneada por Saturnino de Brito, com sua praia urbanizada etc. Além disso, com um intenso debate urbanístico instalado entre os formadores de opinião, com o aporte dos principais urbanistas da época (fora os locais como Domingos Ferreira, José Estelita e outros), como é o caso de Nestor de Figueredo, Attílio Correia Lima, Ulhôa Cintra. Até o lendário Agache esteve na cidade (e eu desconfio que Le Corbusier esteve por aqui também, a bordo do Zepellim). Pois bem, o que de fato aconteceu foi que, depois dessa espécie de “visita da saúde” urbanística, a cidade só andou, em se tratando de organização e gestão urbana, e qualidade de vida citadina, ladeira abaixo, não obstante os esforços (que, aliás, não foram poucos) de evitar ou reverter a queda geral de qualidade. Viveram os recifenses décadas de efetiva decadência da qualidade de vida urbana que até pareceu sem remédio… Até que, de onde menos se esperava, surge uma possibilidade de salvação: o Rio Capibaribe, tão maltratado, coitado! Uma pesquisa feita, durante 7 anos, em parceria pela UFPE e a Prefeitura do Recife, concluiu que o Rio era não só o nosso principal ativo ambiental como urbanístico também. Capaz de “recosturar” o fragmentado território recifense, transformado numa “colcha de retalhos” pelos loteamentos que se sucederam sem adequada orientação de desenho urbano mas apenas de legislações sem visão de conjunto… Por conta disso, não é exagerado dizer que o que resultou foi um “quebra-cabeças desmontado” que urge remontar e o Capibaribe pode e deve ser essa “linha”, possibilitando a criação de um parque de 30 km (15 km de cada margem), desde sua “entrada” na cidade pelo Bairro da Várzea, até a sua junção com o Beberibe para, nada mais nada menos, formar o Oceano Atlântico… Esse parque nas margens é capaz de articular um sistema de parques que conectará as principais áreas verdes da cidade e, surpresa das surpresas descoberta pela pesquisa UFPE/PCR: transformar, até o seu aniversário de 500 anos (em

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Walt Disney inventou a Disneylândia, o Recife não precisa inventar nada!

*Por Francisco Cunha Walter Elias Disney (1901-1966), conhecido como Walt Disney, fundou a Disneylândia para dar vida a uma cidade da fantasia, onde todos os personagens e cenários são inventados e se constituem num absoluto sucesso de público e renda há décadas. Já o Recife, não precisa inventar nada porque todos os seus personagens e cenários são reais e pertencem à história que está literalmente em cada esquina do seu Centro. Aliás, desde a pré-história, os depoimentos dos primeiros colonizadores dão conta de que toda a região do delta do Capibaribe era densamente povoada, com diversas aldeias indígenas que ficavam perto dos locais de coleta de alimentos (peixes, crustáceos e demais abundantes frutos do mar, bem como frutas como caju, pitanga, mangaba, todas encontradas em profusão nas matas da planície e na beira-mar). Inclusive, a crônica histórica dá conta de que o próprio Duarte Coelho Pereira, nosso primeiro donatário, teve que expulsar uma aldeia inteira dos índios caetés do alto de Olinda (a “Marim dos Caetés”) para se instalar lá e fundar a nossa primeira capital. A partir da colonização, a relação de personagens notáveis é imensa. Desde os franceses contrabandistas de pau-brasil; passando pelos piratas liderados por James Lancaster; a invasão holandesa, com seu rosário de personagens de todos os tipos, inclusive os mais ilustre deles, Maurício de Nassau; os judeus que moraram na Rua do Bom Jesus e, de volta para os Países Baixos, se perderam, foram parar em Nova Amsterdam e fundaram a colônia judaica de Nova York, a maior do mundo; os heróis da Insurreição e da Restauração Pernambucana; os mercadores que promoveram uma guerra com a “nobreza da terra” de Olinda (só ela, um rosário interminável de personagens), talvez a única entre cidades no Brasil, a “Guerra dos Mascates”; os artistas e artesãos que construíram um dos maiores acervos barrocos religiosos do mundo; os religiosos que povoaram as igrejas e os conventos das mais variadas confrarias e ordens religiosas que imperaram depois da expulsão dos holandeses; os mártires e heróis das revoluções de 1817, de 1824 e de 1848, sem falar das diversas outras menores durante o “Século da Revoluções” (XIX); o naturalista Charles Darwin (que esteve no Recife em 1836); o Conde da Boa Vista (Francisco do Rego Barros), reformador notável do Recife, patrono da vinda de Louis Vouthier (engenheiro revolucionário francês que construiu o Teatro Santa Isabel); Francisco Saturnino de Brito, herói do saneamento nacional, que saneou 100% do Recife na primeira década do século XX; os reformadores dos Bairros do Recife e de Santo Antônio na primeira metade do século XX; sem falar em toda a plêiade de personagens do Império e da República (mulheres e homens públicos, artistas, poetas, empresários) que povoaram o Recife, inclusive a primeira experiência de arquitetura moderna no Brasil com Luiz Nunes, Burle Marx e Joaquim Cardozo); e muitos e muitos outros… Isso tudo, sem citar os ambientes urbanos e edificados com exemplares ainda presentes na paisagem da cidade ou facilmente resconstituíveis pela profusão de imagens ilustrativas (pinturas, gravuras, fotografias), por si sós, cenários que, rigorosamente, nada têm de fantasiosos porque reais. Essa breve relação mostra o pontencial extraordinário que o Recife tem, em especial o seu Centro, para ser mais do que uma cidade da fantasia, uma cidade da história e da cultura, com fantasia, sim, por que não? Com atrações em cada canto, ancoradas na riquíssima história que temos. Para isso, necessário se faz todo um esforço liderado pelo poder público mas que precisa ser encampado e prestigiado pelos que temos conhecimento desta possibilidade e pudemos contribuir com a nossa vontade para torná-la realidade. Nós não precisamos criar nenhuma Disneylândia. Nós já a temos. Só precisamos animá-la e colocar para funcionar. Pode ser um sucesso maior do que sua congênere fantasiosa norte-americana. Um parque temático real: o da fantástica história do Recife! *Francisco Cunha é arquiteto e consultor

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O Recife diante da emergência dos eventos extremos do clima

(Bairro de Coqueiral, na Bacia do Rio Tejipió. Foto: Instituto Solidare / Igreja Batista em Coqueiral) *Por Francisco Cunha Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima), o Recife é a 16ª cidade mais ameaçada do planeta pelas mudanças climáticas provocadas pelo aumento do aquecimento global, tanto no que diz respeito à subida do nível do mar quanto em termos de aumento do volume das precipitações pluviométricas como tudo indica ter ocorrido no mês de maio passado. A análise pluviométrica do que aconteceu, aponta precipitações de mais de 400 mm (mais ou menos 1/4 das precipitações previstas para um ano inteiro na cidade) em quatro dias e de mais de 500 mm (mais ou menos 1/3 das precipitações anuais) em uma semana. Ou seja, em quatro dias choveu 25% do previsto para o ano e em uma semana mais de 30%. Nenhuma cidade do mundo aguenta uma carga dessas em tão curto espaço de tempo sem passar por sérios apertos. Resultado: a catástrofe se abateu sobre o Recife traduzindo- -se na trágica contabilidade de perdas de vidas humanas, nas quedas de barreiras dos morros e nas inundações da planície. A julgar pelo ocorrido recentemente em outras regiões do País, o que aconteceu no Recife não foi um caso isolado de precipitações extraordinárias mas, pelo contrário, a evidência de que eventos extremos do clima estão reduzindo o intervalo de tempo entre eles e ampliando sua frequência. Se isso é verdade, como tudo até então faz crer que sim, a questão relevante que se coloca é a seguinte: como se preparar para enfrentar uma realidade climática radicalmente diferente daquela à qual nos acostumamos ao longo de nossas vidas e a cidade ao longo de sua cinco vezes centenária existência? Outro dia, conversando com o secretário de Segurança Cidadã do Recife, Murilo Cavalcanti, a propósito da velocidade das mudanças que estão acontecendo na cidade de Medellín na Colômbia, em termos de melhoria da qualidade de vida urbana, e as que estão acontecendo na cidade do Recife, as de lá muito mais intensas e aceleradas que as nossas, tive oportunidade de dizer que, enquanto eles foram empurrados pelo crime, tenho a impressão que nós seremos acelerados pelo clima. Ou seja, será a marcha inexorável das mudanças climáticas que farão com que avancemos mais rápida e profundamente na melhoria da qualidade das mudanças urbanísticas assim como o foi a exautão da sociedade com o crime organizado e os desmandos criminosos liderados pelo mega narcotraficante Pablo Escobar que promoveu o turnpoint de Medellín. A partir desta constatação, estamos, portanto, todos os recifenses, cidadãos e autoridades, desafiados a inventar um novo futuro que nos proteja de deslizamentos cada vez mais frequentes dos morros e das inevitáveis inundações da planície pelo aumento do nível do mar. A sorte climática, portanto, está lançada! *Francisco Cunha é consultor e arquiteto

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Uma parte da história do Brasil em cada esquina do Recife

*Por Francisco Cunha Desde que a Prefeitura do Recife anunciou, no final do ano passado, a criação do Programa Recentro e do Escritório do Centro que eu me voluntariei para apoiar esse esforço, mais do que meritório, essencial para o futuro da cidade. Pois acredito piamente que não pode existir cidade minimamente desenvolvida com um centro degradado como está o nosso. Ainda mais sendo um centro de cidade tão importante para a história do Brasil como o do Recife! Comecei propondo um roteiro “recosturador” dos fragmentados bairros do Recife, de Santo Antônio e de São José e guiando diversas caminhadas de reconhecimento pelo território do Recentro. E devo confessar que, mesmo para mim que já caminhei provavelmente milhares de quilômetros pela região, foram inúmeras as surpresas. Eu já havia repetido várias vezes, parafraseando Leonardo Dantas Silva, que “O Recife é o museu vivo da história de Pernambuco”. Todavia, não seria demais esticar a imagem e dizer que o centro da nossa cidade é uma espécie de “museu vivo da história do Brasil”. Se não, vejamos, dentre outras singularidades verificáveis, no interior do território demarcado, encontramos: o local da primeira Sinagoga das Américas (Rua do Bom Jesus); a primeira ponte de sua dimensão no País (a Maurício de Nassau, a do “boi voador”, que tinha pelo menos o dobro do seu atual comprimento); o local do primeiro observatório astronômico do Hemifério Sul, construído por Maurício de Nassau (no atual cruzamento da Rua do Imperador com a Primeiro de Março); o prédio do mais antigo diário em circulação da América Latina (Diário de Pernambuco, na “Pracinha do Diário”); uma dos primeiros edifícios com elevador do Brasil (o “Arranha-céu da Pracinha, também na “Pracinha do Diário”); a única avenida totalmente projetada antes de ser construída do Brasil (a Av. Guararapes, em estilo Art Déco); o local onde funcionou o Quartel General da Quarta Frota da Marinha Norte-Americana na 2ª Guerra Mundial (a Frota do Atlântico Sul, na Av. Guararapes); o local demarcado da eclosão da Revolução Pernambucana de 1817 (onde o “Leão Coroado” furou a barriga do marechal português, atual Edifício Seguradora); o local da chegada ao Continente Americano do primeiro voo a cruzar o Oceano Atlântico (tripulado por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, na atual Praça 17); o local onde se deu o estopim da Revolução de 1930 com o assassinato de João Pessoa, presidente da Província da Paraíba, e candidato derrotado a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas (na antiga Confeitaria Glória, no cruzamento das atuais ruas Nova e da Palma); o prédio onde foi instalada a segunda escada rolante da América Latina (na antiga Viana Leal, na Rua da Palma). E olhem que esses exemplos não constituem sequer a vigésima parte do que já tenho anotado como pontos de interesse histórico do Centro do Recife. Isso sem falar do inestimável tesouro barroco/ rococó das igreja e capelas da região, patrimônio histórico do Brasil e do mundo, com sua impressionante e única cantaria em pedra de arrecifes e suas maravilhosas talhas douradas… É esse tesouro histórico, artístico, cultural e humano que os recifenses temos a obrigação geracional de resgatar, valorizar, animar e restituir à cidade, tornando-o novamente desfrutável para os da terra e os de fora. Vamos nos engajar nesse esforço coordenado que está sendo feito. Estamos devendo isto ao Recife, a Pernambuco e ao Brasil!

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Um roteiro “recosturador” do Centro do Recife

Conforme prometido no artigo anterior (A “Recostura” do Centro do Recife – da edição 190.4 da Algomais), desta vez apresentamos uma sugestão de roteiro “recosturador” para o território do Recentro (programa da Prefeitura do Recife para o desenvolvimento e a gestão estratégica dos Bairros do Recife, Santo Antônio e São José). Trata-se de um roteiro elaborado com base na experiência dos caminhantes domingueiros de terem percorrido milhares de quilômetros em centenas de caminhadas por esses bairros. Uma das diretrizes importantes da proposição é o seu indispensável caráter integrador deste território que, ao longo do tempo, foi sendo “retalhado”, “pregado à cruz das novas avenidas” como a ele se refere o poeta Joaquim Cardoso, notadamente a Guararapes e a Dantas Barreto que “fatiaram” a cidade barroca sucessora da cidade holandesa em, pelo menos, quatro quadrantes. Como isso, o riquíssimo acervo histório e cultural restou fragmentado e dispenso. No roteiro reproduzido acima foram listados 52 pontos de interesse mas, com boa vontade, se chegaria tranquilamente ao dobro ou ao triplo desta quantidade devido ao fato de que, além do centro da cidade ser uma espécie de museu vivo da história do Recife, praticamente cada esquina tem uma história própria para contar. O roteiro proposto, funciona como uma espécie de fio condutor desta integração e foi pensado para ser percorrido via mobilidade ativa (a pé e de bicicleta), de modo a que ao seu final (no Pátio de São Pedro) se tivesse o sentimento de ter feito a “costura” do território tão importante. Inclusive com todo o acervo barroco/rococó, de grande valor histório e artístico nacional e internacional, incluído nele, tanto o existente que sobreviveu às mudanças dos tempos como também com possibilidade de acesso àquele que desapareceu mas deixou o seu registro na forma de imagens como é o caso da Igreja dos Martírios. Derrubada para a abertura da Avenida Dantas Barreto, teve a sua localização descoberta em nossas caminhadas quando nos deparamos com os restos da placa da Travessa dos Martyrios e, com essa pista, conseguimos precisar o local onde ficava. Essa descoberta nos permitiu pensar na possibilidade de usar os recursos da chamada “realidade aumentada” (a mesma tecnologia que torna possível o jogo digital Pokémon) para termos uma ideia de como teria sido aquele determinado local ou imóvel desaparecido com uso do recurso das imagens antigas por sobre a paisagem atual. A seguir fizemos uma montagem ilustrativa justamente com a Igreja dos Martírios no final da travessa por nós “descoberta”. Com um recurso do tipo, poderiam ser “recuperados” os Arcos do Bom Jesus, da Conceição, de Santo Antônio; as Igrejas do Corpo Santo e do Paraíso; além de inúmeros monumentos e locais desaparecidos. Além do oferecimento deste roteiro ao Recentro, já estamos programando nossa próxima Caminhada Domingueira por ele, assim que a pandemia der um refresco. Já estamos ansiosos. *Artigo publicado originalmente na edição 191.4 da Revista Algomais

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Pensar magro em 2016

Quando me perguntam sobre as perspectivas econômicas para o País, digo que, se fosse parlamentar, proporia uma emenda para incluir na Constituição a obrigatoriedade de ocorrência de uma crise intensa, no máximo, a cada 10 anos. Faço essa brincadeira porque, na prática, desde o Plano Real, em 1994, há mais de 20 anos, portanto, que não vivemos uma crise tão extensa e profunda, nem tão exigente para as empresas e famílias, como a atual. E, por conta disso mesmo, ocorreu uma espécie de “surfe na bonança”. As pessoas, de um modo geral, se acostumaram a gerir os ambientes familiares e empresariais com o “vento a favor”, sem grandes restrições externas. E isso, de certa forma, nos desacostumou da austeridade. O resultado foi, com certeza, no âmbito empresarial, um certo acúmulo de “gordura” que agora, na época das “vacas magras”, precisará ser revisto e reorientado. Esse é, certamente, se é que se pode dizer assim, o lado bom da crise: a necessidade de fazer mais com menos. De ser mais consequente, econômico e produtivo, seja do ponto de vista familiar seja, sobretudo, do ponto de vista empresarial. Essa é a própria essência da produtividade: utilizar da melhor maneira possível os recursos disponíveis (financeiros, humanos, materiais etc.), sem desperdício, procurando tirar-lhes o proveito máximo. Se conseguirmos fazer isso, a crise exercitará o seu papel pedagógico e quando ela passar, todos estaremos mais enxutos, mais eficientes, menos perdulários, em suma, mais competitivos. Tanto individualmente quanto coletivamente já que o País também estará mais eficiente e com os pés mais assentados no chão. Com certeza, nada disso é fácil de executar e requer pelo menos determinação, confiança e foco. Determinação para fazer o que precisa ser feito, por mais exigente que seja; confiança na recuperação quando a crise passar, por mais distante que pareça em determinados momentos; e foco naquilo que é essencial à sobrevivência, por mais difícil que seja fazer as escolhas certas. É verdade que se trata de um esforço mais de natureza mental do que de qualquer outro tipo já que para fazer diferente é preciso pensar diferente. No caso, “pensar magro”. Em muitas situações, reaprender a “pensar magro”. É isso aí! Saúde, sucesso e boas decisões “magras” em 2016!

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Estão voltando as flores no Recife

Ao encerrar a palestra deste ano que fiz para os quase 700 clientes e amigos da TGI no evento de lançamento da Agenda TGI 2016, no teatro do RioMar, dia 30 de novembro (ver matéria nesta edição), coloquei para tocar o samba canção Estão Voltando as Flores, de Paulo Soledade, com a finalidade de ilustrar uma sequência de fotos minhas tiradas de flores na cidade do Recife. Com isso, quis potencializar a metáfora da breve primavera (que vai oficialmente até 21 de dezembro) e do verão (22 de dezembro a 20 de março) recifenses, período mais seco da nossa cidade, em que explodem as cores das flores nos espaços públicos ou vistas deles. Ipês (paus d’arco) amarelo e roxo, flamboyants, buganvílias, jasmins-vapor, pau brasil (flor amarela belíssima!) e outras flores de que não sei o nome, são vistas em todos os lugares como, por exemplo, no canteiro da Avenida Agamenon Magalhães, e nos jardins públicos e de inúmeros edifícios e residências. Conta a lenda que Paulo Soledade (1919-1999), paranaense radicado no Rio de Janeiro, compôs a música na cama do hospital em que, convalescente, recebeu do médico a notícia de que tinha finalmente conseguido superar a grave doença de que fora acometido. Daí, a exaltação à vida que encontramos nos versos: “Vê, estão voltando as flores! / Vê, nessa manhã tão linda! / Vê, como é bonita a vida! / Vê, há esperança ainda!”. Com as flores e a música, convidei os presentes a, mesmo no período mas seco e mais quente da cidade, apreciarem como compensação o que a natureza oferece em troca na forma de delicadeza e cores, fazendo analogia com a crise que acomete o País e o Estado, pois deve ser justamente no primeiro trimestre do próximo ano que ela se apresentará mais dura. Deve ser o “fundo do poço” ou o “vale” da crise de que falam os economistas. O mesmo faço para os leitores aqui neste último artigo do ano: vamos olhar as flores do Recife! Elas estão por aí nos surpreendendo quase que a cada esquina. Com a sua visão podemos suportar melhor a secura e as temperaturas mais altas, bem como os efeitos da crise, renovando a energia para o trabalho duro que precisaremos continuar fazendo para sobreviver a ela. Como compôs Paulo Soledade, 2016 não está perdido como dizem por aí: “Há esperança ainda!”. A esperança da superação pelo trabalho e pela visão das flores. Vamos sobreviver! Bom 2016!

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Minhas fotos do Recife e a esperança

Sempre gostei de tirar fotos. No início, usava uma máquina não sofisticada em viagens. Já na era digital, troquei por uma pequena sem filme mas me via invariavelmente entediado e, não raro, exasperado, às voltas com negativos, revelações e álbuns, e, depois, com os terríveis arquivos digitais, sempre desaparecidos em disquetes, HDs, CDs, pen drives e nuvens ermas… Até que, às vésperas de uma viagem ao oriente, recebi um iPhone 4 e viajei com ele e minha câmera digital. A partir dessa viagem, a câmera convencional foi definitivamente aposentada. Mais ou menos na mesma época, o amigo Bruno Queiroz, praticamente me forçou a entrar nas redes sociais alegando, diante da minha desconfiança, que eu tinha muito o que dizer nelas… Primeiro o Twitter, depois o Facebook e, por fim, o Instagram. Isso, aliado ao meu gosto pelas caminhadas na cidade, terminou produzindo o composto que levaria a uma inusitada ousadia: iPhone, fotos de locais e coisas do Recife visto a pé, filtros e publicação no Instagram e no Facebook e amigos virtuais elogiando as fotos postadas e pedindo uma exposição… Até que o amigo de infância, companheiro das Caminhadas Domingueiras e dos livros sobre o Recife, doutor em Física e artista plástico, Plinio Santos Filho, me convida a fazer uma exposição no seu Espaço Vitruvio no Poço da Panela. Com ele como curador e outro amigo de infância, Paulo Gustavo, poeta, mestre em Literatura e recém acadêmico pernambucano de letras, como apresentador, e vou eu fazer uma exposição fotográfica patrocinada pela TGI Consultoria em comemoração aos seus 25 anos de vida. Um alinhamento improvável de eventos e lá está um não fotógrafo (para me autorizar a sê-lo, seriam necessárias dedicação e aplicação que nem de longe tenho), fazendo uma exposição fotográfica… Penso que a principal contribuição da exposição é trazer à luz (não por acaso o título dela é “O Recife Tomado à Luz – Fotografias de um Caminhante”) um Recife habitualmente não visto e concordo plenamente com as palavras de Paulo Gustavo: “O resultado é um diálogo com a poesia silenciosa da cidade. Uma agenda de esperança”. Sim, esperança de uma cidade melhor, cuidada por pessoas que gostem dela, estimuladas por uma beleza incomum que ousei tentar revelar com um iPhone 5S pelas redes sociais. Reconheço que meu mérito é esse: continuar tentando.

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A recostura do centro do Recife (por Francisco Cunha)

D epois da expulsão dos holandeses em 1654, o que restou do Recife ou, mais propriamente, da “Cidade Maurícia” (Mauritiópolis), mandada construir por Maurício de Nassau para ser a capital da dominação neerlandesa no Brasil (os atuais bairros de Santo Antônio e São José), foi uma terra completamente arrasada pela guerra de reconquista (a Ressureição Pernambucana, 1645-1654). E o que a sucedeu foi o que depois viria a ser entendida como a Cidade Barroca, aquela do predomínio das ordens terceiras, confrarias e irmandades religiosas, com seus templos, capelas e pátios, cada um mais caprichado do que o outro, numa espécie de “campeonato” de religiosidade e beleza sacra sob a égide dos estilos arquitetônicos Barroco e Rococó. Praticamente todos os habitantes eram afiliados de um dessas confrarias… Essa atividade foi tão intensa que, ao final do século 18, a cidade arrasada pela guerra havia sido redesenhada e reconstruída tendo como âncoras urbanísticas, justamente, os templos e seus pátios, configurando aquilo que Nestor Goulart Reis, no seu excelente livro Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial, chama, ao comentar um impressionante mapa do Recife de então de “sistema de pátios coloniais, espaços urbanos em frente às igrejas para, além de apoiar procissões de fiéis, fazia ventilar e respirar o espaço urbano”. Esta cidade reconfigurada pelos templos e pelos seus pátios sobreviveu, com acréscimos de outros espaços e outras edificações não religiosas, até a primeira metade do século 20 quando os bairros centrais foram atacados pela tirania da “modernização”, das “grande avenidas”, conforme muito bem assinala o magistral poeta Joaquim Cardozo no seu icônico poema Recife Morto, de 1924: Recife, Ao clamor desta hora noturna e mágica, Vejo-te morto, mutilado, grande, Pregado à cruz das novas avenidas. E as mãos longas e verdes Da madrugada Te acariciam. Cardozo, com base no que viu no Bairro do Recife, na reforma do porto (finalizada em 1917) e a reconfiguração do território que teve seu tecido colonial arrasado e substituído por um traçado inspirado na reforma que o Barão Haussmann promoveu na Paris medieval e o prefeito Pereira Passos promoveu no Rio de Janeiro republicano. Ele anteviu o que aconteceria poucos anos depois em Santo Antônio e São José. Esses bairros foram objeto de uma espécie de “esquartejamento”, justamente em forma de cruz, com a abertura das Avenidas Guararapes e Dantas Barreto como se pode ver pelo mapa feito por Douglas Fox em 1904. O resultado dessas intervenções “esquartejadoras” foi um território desconectado que não consegue ser “lido” pelo transeunte, inclusive com a perda de articulação do extraordinário patrimônio Barroco/Rococó que tanto encantou e encanta os historiadores da história da arquitetura. Agora que a Prefeitura do Recife tomou a histórica decisão de colocar em andamento o projeto Recentro para revitalizar a área central da cidade que já está chegando ao meio século de existência (a primeira capital a completar 500 anos em 2037), é mais do que chegada a hora de cuidar da “recostura” deste território fantástico como museu vivo que é da história da cidade. A alternativa que se presta bem para isso é aquela que, ancorada na nossa experiência de milhares de quilômetros caminhados pela região central, tem como base a Cidade Barroca retratada pelo mapa divulgado por Nestor Goulart. Dos templos e pátios assinados, apenas um (a Igreja e o Pátio do Paraíso derrubados para construir a Avenida Guararapes) não existe mais. E se fizermos um simples exercício de interligação de pontos temos a figura “recosturada” acima. Claro que essa é apenas uma ideia condutora que precisa ser traduzida num roteiro atraente que, além de promover a “recostura” do território fragmentado, seja mobilizador do interesse dos recifenses e dos “de fora” (ou “adventícios” na expressão de Gilberto Freyre) por essa região que tem, praticamente, em cada esquina um registro ainda vivo da história da cidade. Os caminhantes domingueiros estão preparando uma sugestão a ser feita à Prefeitura e ao projeto Recentro. Tudo pelo Centro do Recife vivo, dinâmico, revitalizado, pujante como já foi e tem tudo para voltar a ser. A hora é essa! *Francisco Cunha é arquiteto e consultor empresarial

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A “utopiazinha” de Darcy Ribeiro

Na apresentação anual de lançamento da Agenda TGI, que tive a satisfação de fazer pela 23ª vez na segunda-feira 29.11.21, citei o sociólogo Darcy Ribeiro para fazer uma espécie de contraponto com a crise de desesperança e baixa autoestima que vivemos no Brasil nos dias de hoje. Diz Darcy na introdução do seu livro Aos Trancos e Barrancos – Como o Brasil Deu no que Deu: No dia em que todo brasileiro comer todo dia, quando toda criança tiver um primeiro grau completo, quando cada homem e mulher encontrar um emprego estável em que possa progredir, se edificará aqui a civilização mais bela desse mundo. É tão fácil; estendo os braços no tempo, sinto na ponta dos dedos essa utopiazinha nossa se realizando. Pelo que ele chama de “utopiazinha” vemos como não é tão difícil assim criar as condições mínimas para termos um país decente. Dito assim, deste modo tão desconcertantemente simples, a pergunta imediatava que nos assalta é: por que então não conseguimos? Bem, aí necessário se faz lançar mão da vasta bibliografia que temos de história, sociologia, ciência política… para tentar entender. Confesso que já fui por aí e ainda não consegui. Inclusive por isso, é que me socorro de Darcy, um otimista incorrigível, um “enlouquecido de esperança” pelo Brasil, para tentar uma espécie de “prova pelo absurdo”, que é a luz que a utopia traz. Fugir do emaranhado de impossibilidades do presente para, lançando mão da utopia, do sonho possível, dizer: não percamos a esperança porque o que precisamos, queremos, almejamos, não é impossível como o horizonte turvado do presente pode fazer crer. Aproveitei e citei também a frase do ex-governador Eduardo Campos dita no Jornal Nacional na noite anterior ao seu trágico desaparecimento: “Não vamos desistir do Brasil!”. E para terminar, fui buscar a frase de Victor Hugo: “Nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã”. E é justamente isso que desejo àqueles que não perderam de todo a esperança, não obstante os desmantelos e os descaminhos que trilhamos e, infelizmente, provavelmente continuaremos trilhando em 2022, que não será um ano fácil: que possamos, tão logo quanto possível, retomar o caminho apontado pela “utopiazinha” de Darcy e transformar em “carne e osso” esse sonho realizável. Bom 2022!

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