Capital pernambucana tem destinado R$ 110 milhões anuais na construção e requalificação desses espaços públicos. O interior também investe em áreas verdes
*Por Rafael Dantas
A corrida pela modernidade, por décadas, valorizou o lugar do carro nas cidades. No passado, muitos desses investimentos destruíram espaços públicos, áreas residenciais e até igrejas históricas. No momento atual, especialmente pós-pandemia, ocorre o inverso. Um impulso para valorizar as áreas livres com intervenções focadas nas pessoas. Esse movimento, antes restrito aos países mais ricos, chegou nos últimos anos forte na América Latina e também no Recife, com o chamado urbanismo social. Uma tendência que tem aberto novos parques e praças na capital mas, também, no interior.
Para se ter ideia do esforço desse movimento de volta ao espaço público, por ano, a Prefeitura do Recife tem investido R$ 110 milhões em obras de requalificação e construção de praças ou parques. Cerca de R$ 60 milhões são voltados para as reformas e o restante em novos espaços. No interior, na construção de apenas um novo equipamento, o Parque Esportivo Luiz Carlos de Oliveira, a Prefeitura de Garanhuns investiu R$ 6 milhões. Apesar da Suíça Pernambucana ser conhecida por muitos espaços verdes espalhados no seu tecido urbano, há 80 anos não era construído nenhum novo parque, segundo o poder municipal.
Outros municípios como Gravatá, Caruaru e Belo Jardim também registraram novos projetos de espaços públicos, erguidos pelo poder municipal ou pela iniciativa privada, nos últimos anos.
INVESTIMENTOS NO PÓS-PANDEMIA
“A pandemia consolidou um pouco essa procura pelos espaços públicos, após as pessoas ficarem confinadas por tanto tempo. Mas já era uma tendência, mesmo antes, essa mudança de paradigma nas cidades”, afirma o arquiteto e urbanista Luiz Vieira, professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Ele exemplifica que o Recife, na década de 1980 e 1990, era caracterizado pela construção de condomínios com muros muito altos e cercas elétricas. Além disso, a população foi deixando as ruas com medo da insegurança. Ele considera que a cidade vive um novo momento, de retomada dos parques e praças.
Embora a violência urbana siga sendo um problema no Estado e na sua capital, a maior atenção à segurança e a instalação das ciclovias foram alguns fatores que contribuíram para a reocupação dos espaços públicos. A maior quantidade de pessoas pedalando e usufruindo dos parques e praças contribui diretamente para a redução da sensação de insegurança.
O mesmo movimento tem acontecido em São Paulo, onde uma pesquisa realizada em dezembro de 2020 pela organização SampaPé! e o coletivo Metrópole 1:1 revelou que, após a crise sanitária, 75,6% da população desejava “aumento da arborização das ruas”. Além disso, 68,8% informou o apoio à “criação de mais praças e manutenção das existentes”.
No Recife, mesmo antes da pandemia, essa retomada do espaço público articulado com os ativos ambientais foi discutida na formulação do Parque Capibaribe. Foi nesse projeto, que teve como sua primeira peça o Jardim do Baobá, que nasceu o conceito do Recife como uma cidade-parque até 2037, marco dos 500 anos do município.
Mas foi nos últimos anos que os projetos e planos começaram a ganhar uma musculatura mais clara. O Parque das Graças, que substituiu um antigo projeto rodoviário de vias expressas às margens do Rio Capibaribe, foi emblemático para demonstrar o interesse da população no uso do espaço público. As últimas etapas do parque serão entregues nos próximos meses.
“Esse movimento está crescendo, as pessoas estão querendo espaços públicos e isso vai mudando as cidades. Neste plano que tem a meta de transformar o Recife numa cidade-parque até 2037, quando a capital completará 500 anos, a ideia é trabalhar com as três principais bacias, dos rios Capibaribe, Beberibe e Tejipió, como três zonas-parque, além do Parque Oceânico, na frente marinha, para termos uma rede, um sistema de parques públicos”, afirmou Luiz Vieira. Trata-se do Projeto Recife Cidade Parque, fruto de um convênio da UFPE com a Prefeitura do Recife. O professor explica que cidade-parque não é a construção de um megaespaço como é o Ibirapuera, em São Paulo, mas se trata de uma conexão dos espaços da cidade, com a valorização das ruas e acessos às praças e demais áreas verdes e de lazer.
MUITOS PARQUES EM CONSTRUÇÃO
A população viu nos últimos anos várias obras de requalificação de muitas praças e observa a construção de novas áreas verdes públicas. A secretária de Infraestrutura e presidente da Emlurb (Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife), Marília Dantas, elenca como principais peças nesse novo tabuleiro da cidade o Parque Eduardo Campos, no Pina; o Jardim do Poço, no Poço da Panela; o Parque da Tamarineira; o Parque Linear do Bode, no Pina; o Parque Linear Roque Santeiro, nos Coelhos; o Parque Alagado entre Areias e do Ipsep, entre outros.
“São investimentos altos, que têm a preocupação com a cidade como organismo social. Não é somente fazer infraestrutura urbana, mas uma infraestrutura social. A gente se preocupa com a integração do equipamento, não só a mobilidade mas, também, com a vegetação do local, o conforto, a segurança, para fazer com que as pessoas se sintam cada vez mais acolhidas num espaço urbano”, afirma a secretária Marília Dantas.
Na lista de obras estão também os parques lineares da Rua da Aurora, que terá entregas de novas varandas nas próximas semanas, e o próprio parque linear da orla da cidade, que requalificou quiosques, banheiros e alguns espaços na Zona Sul. “Todas essas intervenções fazem com que as pessoas se aproximem cada vez mais e queiram cuidar dos nossos rios, desejem contemplar a cidade. Então, esses equipamentos oportunizam esse novo conceito. Nosso esforço ao longo desses anos é de tornar o Recife uma cidade-parque”.
O maior de todos os parques será o Eduardo Campos. Só ele ocupará 12 hectares na Zona Sul da cidade, no terreno do antigo Aeroclube. Com investimentos avaliados em R$ 62 milhões, o equipamento contará com pista de cooper; Academia da Cidade; quadra poliesportiva; campo de areia; ciclovia; parcão; área para piquenique; espaço para caminhada às margens do Parque dos Manguezais. Ao redor do empreendimento urbano ficarão também um novo Compaz (Centro Comunitário da Paz), duas creches, uma Upinha e uma biblioteca.
Em Garanhuns, a novidade foi o Parque Esportivo Luiz Carlos de Oliveira. Erguido com R$ 6 milhões oriundos de recursos próprios e emenda do deputado federal Felipe Carreras, o projeto foi construído no terreno de um antigo parque de exposições, doado pelo Governo do Estado, na gestão Paulo Câmara. O parque conta com 15 equipamentos de esportes e lazer, no Bairro da Boa Vista.
“É importante falar da valorização do bairro e do aumento da autoestima daquela população. Há 80 anos Garanhuns não ganhava um novo parque e este investimento resulta em melhora da qualidade de vida para todos que frequentam o novo parque. É saúde preventiva, física e mental, que tira gente das unidades de saúde, tira jovens das ruas e idosos de dentro de casa”, afirmou Ronaldo Carvalho, secretário de Comunicação Social. A prefeitura da cidade do Agreste prometeu também que, em breve, o tradicional Parque Euclides Dourado passará por uma grande requalificação.
O secretário de Garanhuns destacou que investir em parques e novas praças é uma política pública da gestão municipal, pois não se trata apenas de reformar uma praça mas de lhe dar funcionalidades. “Assim, as praças estão ganhando academias de musculação, com professores especialistas, playgrounds, áreas de convivência, paisagismos, pista de cooper, próximas das casas das pessoas. Esta nova concepção está chegando aos bairros e distritos, com várias praças já inauguradas, e muitas outras na licitação, para construção ainda este ano”.
Em Gravatá, é a requalificação dos espaços públicos já instalados que tomou a agenda do poder municipal. Investimentos em revitalização de pintura, implantação de bancos, melhoria na iluminação e paisagismo compõem as iniciativas locais. A cidade possui 23 praças e dois parques. Na atual gestão foi construído o Parque Janelas para o Rio, além das Praça da Cohab 2 e a Praça da Caixa D’água, no Bairro Novo.
CONSTRUÇÃO SOCIAL DOS ESPAÇOS
Luiz Vieira destaca a importância da construção desses projetos serem pactuados com as populações vizinhas, de forma a intensificar o uso do espaço com atividades e desejos que partem dos próprios munícipes. Esse traço participativo da elaboração dos lugares é uma das marcas do urbanismo social que contribui para a apropriação da cidade pelos seus moradores.
“É fundamental que cada espaço público trabalhado envolva a população local, para atender as necessidades da comunidade. Um projeto, por melhor que seja a qualidade arquitetônica, se não tiver o envolvimento da comunidade, não funciona. A população não se identifica, não tem uso, torna-se um espaço abandonado e, por consequência, perigoso. É um tiro no pé”, declarou Vieira.
No Recife, a experiência de construção do Parque das Graças, dos Centros Comunitários da Paz (Compaz) e das intervenções da Secretaria de Inovação Urbana, como no Mais Vida no Morros, já carregavam esse DNA de envolvimento popular na formulação dos projetos. A participação intensiva da sociedade contribuiu para uma mais rápida apropriação das comunidades vizinhas no uso e na preservação dos serviços e espaços.
Marília Dantas considera que na construção dos projetos para os novos espaços públicos, a Prefeitura do Recife tem recebido contribuições da população pelo aplicativo Conecta Recife e também por mensagens de WhatsApp. “A partir dessa abordagem participativa, a gente alcançou um nível muito bom de intervenções e de aprovação do que a gente está entregando às pessoas. Elas usavam esses canais para poder dizer o que elas queriam. A gente pôde ouvir, sentir o que elas estavam precisando”.
Ela avalia que essa proximidade com o desejo da população, desde a formulação do projeto dos espaços públicos, contribuiu para aumentar o acerto dos investimentos, atingindo o que os moradores precisavam e desejavam para os novos espaços públicos que foram construídos em sua vizinhança.
CONTRIBUIÇÃO DA INICIATIVA PRIVADA
Seja como contrapartida dos empreendimentos ou por decisão voluntária de cooperar com o espaço, muitas empresas têm aportado seus recursos na adoção ou mesmo construção de praças e parques no Estado. Em Caruaru, por exemplo, a A&C Empreendimentos está construindo a Praça José Pinheiro dos Santos, que fica na Avenida Brasil, vizinho ao condomínio Reserva Portugal.
“A via é uma importante ligação dos bairros Maurício de Nassau e Salgado com a PE-95, que segue para cidades como Cumaru, Riacho das Almas e Passira. O local foi escolhido por ser uma via de grande fluxo de pessoas e de veículos e também por ser uma área permeada por bairros sem equipamentos de lazer, por isso achamos que a praça será uma grande gentileza urbana e social para todo o entorno”, declarou Cézar Lima, diretor-presidente da A&C Empreendimentos.
Foram investidos pela construtora mais de R$ 1 milhão na praça que tem uma área de 12 mil metros quadrados. O espaço terá uma pista de cooper, quiosques e áreas de convivência. “Desenvolvemos esta gentileza urbana pensando em um local que proporcione lazer, cultura e integração social para uma população tão grande e tão carente no entorno da Avenida Brasil. As comunidades do São João da Escócia e do Loteamento Fernando Lyra serão algumas das beneficiadas com esse equipamento público”, afirmou Cézar Lima.
Em Belo Jardim, foi construído ainda em dezembro de 2020 o Espaço Conceição Moura, um equipamento de convivência, bem-estar e lazer, construído e mantido pelo Grupo Moura e pelo Instituto Conceição Moura. A praça arborizada, conectada aos principais equipamentos culturais da cidade, foi lançada com a proposta de usar tecnologias, como o uso de energias renováveis a mobiliário digital. O espaço tem uma área com cerca de seis mil metros quadrado, sendo vizinho a outro equipamentos culturais do grupo empresarial, como o Cine Jardim, a Escola de Música e a nova sede do Instituto Conceição Moura.
O professor Luiz Vieira destaca que a iniciativa privada tem uma contribuição importante na construção desses espaços. “É importantíssima a participação da iniciativa privada, fazendo a gentileza urbana”, afirmou Luiz Vieira. “Algumas experiências promovem espaços públicos nos próprios empreendimentos, com áreas de transição, áreas semi-públicas, com jardins e árvores. Isso ajuda a cidade a ter mais vida, oferecendo espaços aos vizinhos e moradores”.
A multiplicação de investimentos promete render às cidades que têm apostado nessa trajetória uma maior ocupação das suas populações no espaço público. Os efeitos dessa apropriação vão desde a redução da sensação de insegurança ao próprio cuidado com o bem público, promovendo novas dinâmicas e construindo novas relações dos munícipes na sua vizinhança.
*Rafael Dantas é jornalista e repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)