De saída: Vélez e a crise na educação brasileira

Na semana em que o Governo Bolsonaro completa 100 dias, conversamos com especialistas em educação para comentar o desempenho do ministro que protagonizou as maiores polêmicas das últimas semanas. Em tempos em que a comunidade acadêmica discute o uso de tecnologia na educação, os novos desafios da docência, a necessidade de melhor infraestrutura e gestão na área (entre outros complexos temas), o ministro Ricardo Vélez Rodríguez trata como prioridade questões como a revisão da narrativa do Golpe Militar de 1964 e a censura prévia da prova do ENEM. Sem esquecer a carta aos diretores das instituições de ensino que encerrava com o slogan de campanha presidencial: “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”. Fritado por aliados e opositores e com baixa popularidade, o ministro foi demitido hoje.

O PhD em educação matemática pela Universidade da Califórnia, Luciano Meira, considera lastimáveis os primeiros 100 dias do Ministério da Educação do atual Governo Federal. “Anísio Teixeira, um dos fundadores da ideia de uma educação pública universal no Brasil, já reclamava nos anos 1940 sobre a falta de estratégia de uma política ampla e escalável de transformação através da educação no nosso País. Nós nunca fomos bons no desenho estratégico dos sistemas de educação pública e isso não mudou muito nos últimos 50 ou 60 anos. Mas nós escalamos atualmente para um outro nível. Nós não apenas não temos estratégias, mas os procedimentos mais cotidianos e comuns de operação da máquina pública em que o MEC é responsável estão sem nenhum governo ou gestão”.

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“Nós nos encontramos numa situação lastimável”, afirmou Luciano Meira, sobre a gestão de Vélez Rodríguez.

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O docente citou como exemplos as dificuldades do MEC em conduzir o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), os procedimentos relativos à operação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e a avaliação dos processos de alfabetização. “Nós nos encontramos numa situação lastimável para a qual deveríamos todos nos mobilizar para uma tomada de rumo imediata porque cada dia perdido nessa indefinição, inoperância e, de fato, desastrosa gestão representa muito mais tempo adiante na construção de um futuro cada vez mais longínquo”, propôs Meira.

O professor Armando Vasconcelos, diretor do Colégio Equipe e vice-presidente do Sinepe-PE (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de Pernambuco), ressaltou que Ricardo Vélez Rodríguez não chegou ao ministério por meio de um viés técnico, mas por indicação do guru ideológico do Governo Bolsonaro, Olavo de Carvalho: “Ele é estranho aos melhores quadros educacionais da educação brasileira. Um ilustre desconhecido da comunidade universitária e do próprio MEC”.
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Armando Vasconcelos criticou o desmonte da equipe técnica do MEC.

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Na lista dos “pecados” cometidos por Rodriguez, o diretor afirmou que ele desmontou as melhores equipes técnicas do ministério em três meses, intrometeu-se na instrumentação do ENEM e definiu um método único de alfabetização. “A desmontagem de equipes técnicas é um desastre para o governo e tem efeitos desastrosos como estamos vendo. A interferência no ENEM, levado por critérios ideológicos é típico de uma pessoa sem compromisso com a qualidade da educação do Brasil”, ressalta Vasconcelos, que também faz críticas no campo da alfabetização. “O Brasil passou a adotar um método único de alfabetização e foi na contramão do mundo inteiro, que adota em diversos métodos, de acordo com perfil dos alunos e professores. Isso contraria o que vem sendo adotado nos melhores sistemas de educação do mundo nas políticas de alfabetização”.

Armando lembrou ainda do episódio da carta endereçada aos diretores de escolas, que sugeriu o canto do Hino Nacional e o envio das imagens para o MEC. “Foi ridícula. Recebi a carta, como todos os diretores. Uma carta sem sentido nenhum. Considero fundamental ao novo ministro da educação se comprometa com os novos rumos da educação do Brasil. Aponto como compromisso com novos rumos a implementação da Base Nacional Comum Curricular e a implementação de uma política séria de formação de professores. Temas que o atual ministro não tratou”, concluiu.

Outra crítica do ministro é Karla Falcão, que é historiadora, consultora em educação e uma das lideranças do movimento RenovaBR em Pernambuco. “A escolha de Vélez para assumir o Ministério da Educação foi não somente uma má escolha técnica como também uma incoerência política. O presidente se elegeu falando sobre desideologização da educação, mas indicou um ministro que se apegou a questões narrativas e estéticas, em vez de resolver os problemas reais da educação brasileira”.

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“Não precisa ser situação ou oposição para saber que a mudança no comando do Ministério da Educação é necessária”, afirmou Karla Falcão.

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Karla destacou que de acordo com o INEP, 2,8 milhões de crianças e jovens estão fora da escola e que o Instituto Ayrton Senna apontou que o Brasil tem um prejuízo de R$ 7 bilhões aos cofres públicos por causa da incapacidade de combater e evasão escolar. Problemas que passaram longe da agenda dos 100 primeiros dias do ministro do MEC. “Só 12,7% das crianças mais pobres aprendem o adequado em português no 5º ano, enquanto 86% das crianças mais ricas atingem os níveis adequados de aprendizagem. Isso tem que mudar e Velez já demonstrou que não tem condições de promover essa mudança. Não precisa ser situação ou oposição para saber que a mudança no comando do Ministério da Educação é necessária. Basta ser a favor da educação e do Brasil”.

*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)

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