Maria Fernanda Ziegler/via Agência FAPESP
Uma proteína produzida pelo corpo humano desponta como candidata a novo medicamento para condições que levam à insuficiência renal aguda. Foi o que mostrou um estudo realizado na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em São José do Rio Preto.
Resultados do trabalho, publicados na revista Scientific Reports, indicam que a proteína galectina-1 tem ação anti-inflamatória capaz de minimizar o dano celular causado no rim em situações de hipóxia (falta de oxigênio nos tecidos) e reperfusão (restabelecimento do fluxo sanguíneo), processo lesivo inerente aos procedimentos de transplante e que resulta em insuficiência renal.
“A galectina-1 já é comercializada como proteína recombinante [produzida artificialmente]. Embora ainda não tenha uso clínico, no futuro poderá se tornar uma alternativa ao corticoide para esse tipo de lesão. Mostramos que essa proteína diminuiu marcadores de inflamação como as citocinas, responsáveis por ativar e modular a resposta imunológica. Além disso, houve redução da morte celular e do estresse oxidativo causado pelo dano celular”, disse Carla Patrícia Carlos, primeira autora do artigo.
“O interessante é que a galectina-1 teve ação na diminuição dos marcadores pró-inflamatórios e aumento dos anti-inflamatórios”, disse Carla à Agência FAPESP. O trabalho é resultado do pós-doutorado da pesquisadora com Bolsa da FAPESP.
O artigo descreve a simulação de situações de isquemia e reperfusão realizadas em ratos e em cultura celular que, quando submetidas previamente à administração de galectina-1, mostraram efeito similar ao do corticoide dexametasona.
O medicamento geralmente é utilizado como anti-inflamatório e imunossupressor, podendo apresentar uma série de efeitos adversos, como hiperglicemia e tendência ao diabetes, dependência, vulnerabilidade a infecções e câncer, hipercoagulabilidade sanguínea, entre outros.
No estudo, o grupo de pesquisadores simulou uma situação de hipóxia comum em transplantes de órgãos. Isso porque, a despeito de todos os cuidados necessários para o transplante, quando o órgão é retirado do doador e fica fora do organismo imediatamente entra em isquemia – perda do suprimento sanguíneo por redução do fluxo arterial no tecido e falta de oxigenação (hipóxia).
Já quando o órgão é implantado no receptor e os vasos sanguíneos são “religados”, ocorre o restabelecimento do fluxo sanguíneo (reperfusão) após um período de isquemia. Esses dois processos – que não ocorrem apenas em situações de transplante – geram danos ao tecido que podem levar à insuficiência renal.
A lesão tecidual ocorrida durante os processos de isquemia e reperfusão pode ser muitas vezes irreversível, provocando até a rejeição do órgão transplantado pelo organismo do receptor.
“É por isso que o tempo é essencial em um transplante. Quanto mais rápido o órgão chegar ao receptor, menor será o dano por hipóxia e a inflamação será menos grave. Encontrar alternativas que diminuam esta inflamação, como o uso da galectina-1, são extremamente importantes”, disse Carla.
Outros órgãos
O potencial anti-inflamatório da galectina 1 é objeto de estudo para outras situações patológicas nos demais órgãos. O grupo de pesquisa liderado por Sonia Oliani, professora titular do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Unesp, e com participação de Cristiane Gil, professora adjunta da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), também estudou os efeitos da galectina-1 na uveíte, conjuntivite e dermatite.
“Esse trabalho foi feito no sentido de proteger danos causados por isquemia e reperfusão nos rins, porém, aparentemente, há uma possibilidade de a proteína ser usada como um anti-inflamatório, seja em outras situações ou em outros órgãos. Estamos trabalhando nesse sentido mais amplo”, disse Oliani, coordenadora do estudo.
No trabalho sobre a ação protetora da galectina-1 no sistema renal, a ação da proteína foi comparada à do corticoide. Em testes in vivo, ratos receberam solução intravenosa de galectina-1 30 minutos antes de serem submetidos à isquemia e reperfusão do rim.
Nos testes in vitro, a cultura celular de células humanas do rim (células epiteliais do túbulo contorcido proximal) imersa em solução com galectina-1 foi submetida à situação de hipóxia e reoxigenação.
“O que vimos no modelo animal foi confirmado na cultura celular. Ocorre diminuição na liberação de fatores inflamatórios, o que aumenta a viabilidade das células. Embora a galectina 1 não proteja totalmente o tecido, não há medicamento que promova proteção total. No entanto, essa proteína melhora alguns aspectos importantes da lesão”, disse Carla.
A descoberta de que a galectina-1 protege o rim de inflamações abre caminho para novos estudos. “Nossa pesquisa indica um caminho importante para futuros trabalhos. A ação protetora foi testada, mas podemos investigar sua ação na insuficiência crônica e verificar como o rim reage a longo prazo”, disse Carla.
O artigo Pharmacological treatment with galectin-1 protects against renal ischaemia-reperfusion injury (doi: 10.1038/s41598-018-27907-y), de Carla P. Carlos, Analice A. Silva, Cristiane D. Gil e Sonia M. Oliani, pode ser lido em www.nature.com/articles/s41598-018-27907-y.