*Por Maurício Costa Romão
A Câmara dos Deputados voltou a tratar de mudança do sistema eleitoral brasileiro, desta feita buscando substituir o proporcional pelo majoritário. A mudança seria uma forma de superar as dificuldades causadas para muitos partidos pelo fim das coligações proporcionais e pela instituição da cláusula de desempenho partidário.
Como não há tempo hábil para implementar o modelo majoritário de voto no formato distrital puro ou misto, para viger em 2022, até porque seria necessário delimitar espaços geográficos distritais nos estados da federação, os debates iniciais têm convergido para a modalidade distritão, cuja proposta, aliás, já fora derrotada no plenário do Congresso Nacional, em 2017.
O distritão é uma variante magnificada do distrital puro. Pelo mecanismo, a circunscrição eleitoral seria um grande distrito (o estado, o município). Pernambuco, por exemplo, conformaria um distrito com 25 cadeiras de deputado federal, cuja ocupação dar-se-ia pelos 25 candidatos mais votados da eleição (a chamada “verdade eleitoral”).
O distritão é louvado (1) por eleger os mais votados do pleito; (2) pela sua simplicidade (inteligibilidade); (3) por respeitar a vontade do eleitor; (4) por fortalecer os principais partidos e evitar fragmentação partidária e (5) por impedir transbordamento (spillover) de votos de puxadores para candidatos de pouca dimensão eleitoral.
O rol dos deméritos, todavia, é apreciável:
(a) reduz o pluralismo político do Parlamento; (b) diminui a participação das minorias; (c) tem baixa taxa de renovação da representação, devido ao recall dos atuais eleitos; (d) concentra mais votos e representantes nos partidos grandes; (e) supervaloriza as pessoas famosas (extra partidárias) em detrimento da qualidade da representação; (f) aumenta a personalização da representação; (g) tem baixa accountability (pouca ligação entre o parlamentar e as bases eleitorais); (h) relega partidos a plano secundário; (i) estimula competição entre correligionários de um mesmo partido e (j) favorece a influência do poder econômico.
Um argumento de convencimento expressado por alguns parlamentares é o de que o distritão seria implantado agora, mas como transição para o modelo distrital misto, que vigeria a partir de 2030. No mecanismo misto o eleitor vota duas vezes e uma parte dos parlamentares é eleita pelo sistema majoritário-distrital puro e a outra parte pelo proporcional de lista fechada. Um dos modelos mais complexos em uso nas democracias contemporâneas.
A justificativa de que o distritão seria um aprendizado para o distrital misto não se sustenta. São dois sistemas que guardam entre si enormes diferenças. E tem uma questão lógica: se o distritão não serve para ser permanente, por que submeter o país a essa traumática temporariedade?
Ademais, o argumento da transição pressupõe que o distrital misto é superior ao distritão – a ponto deste servir apenas de trampolim para aquele – ou ao proporcional de lista aberta – a ponto de este ser substituído por ambos. Todos os sistemas eleitorais têm vantagens e desvantagens e é sempre controverso se falar de superioridade de um sobre outro, pois “nenhum sistema de voto é justo, perfeito, ideal” (“Teorema da Impossibilidade de Arrow”).
Note-se, enfim, que a proposta de mudança de modelo eleitoral ressurge de forma flagrantemente casuística: “facilitar a vida de partidos nanicos” (Poder360, 24/02/21). O propósito explicitado é o de desfazer o regramento constitucional de 2017, que diminui a fragmentação partidária e imprime qualidade ao sistema político.
Uma propositura vazada em tais desígnios não pode prosperar.
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Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br