Indicadores econômicos positivos contrastam com taxas em queda de aprovação do Governo Lula
*Por Rafael Dantas
O Governo Lula se aproxima dos 500 dias de gestão, que serão completados nesta semana. Após um primeiro ano de crescimento da aprovação, 2024 tem se mostrado desafiador para o petista. Os números levantados pelos institutos de pesquisa, em queda, indicam um divórcio – ou ao menos um afastamento – do desempenho econômico do País com a popularidade dos chefes do poder executivo. Um novo cenário socioeconômico e tecnológico que não parece ser um fenômeno apenas brasileiro. O assunto foi um dos destaques do Painel Mensal da Agenda TGI em abril.
Essa conexão entre a política e a economia ficou evidente a partir de um episódio de 1992, quando o economista e marqueteiro James Carville criou o slogan “É a economia, estúpido!”. Na ocasião, a campanha de Bill Clinton conseguiu habilmente aproveitar a recessão nos Estados Unidos na época para vencer George W. Bush, então presidente norte-americano. No entanto, mais de 30 anos depois, a máxima parece ter perdido a força.
“A interferência da economia na eleição de governantes é uma coisa já estabelecida na literatura, na evidência, desde aquela famosa frase do James Carville. Há um entendimento geral de que realmente ela é um dos fatores mais importantes na influência do voto do eleitor. Recentemente tem-se observado alguns desvios desse pensamento. Esse foi um primeiro divórcio, que a gente observa empiricamente, entre a economia e a aprovação do governo”, analisa o economista Maurício Costa Romão.
De acordo com a pesquisa recentemente divulgada pela CNT (Confederação Nacional do Transporte) e pela MDA, a aprovação ao desempenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou uma queda de 4,5 pontos percentuais em comparação com o levantamento anterior, publicado em janeiro. Atualmente, o índice de aprovação do presidente à frente do governo situa-se em 50,7%, contra os 55,2% registrados em janeiro. Em paralelo, a desaprovação do petista também cresceu em um patamar semelhante, passando de 39,6% em janeiro para 43,7% em maio – uma oscilação de 4,1 pontos percentuais.
Apesar dessa queda, os principais indicadores econômicos do País seguem com números positivos, principalmente em relação às expectativas para o quadriênio de gestão do Governo Lula 3. O Boletim Focus – publicação que apresenta previsões de economistas e analistas de mercado ao Banco Central – desta semana indicou um crescimento do PIB em 2024 de 2,05%. Em dezembro de 2022, esse documento previa um avanço de 1,8% para este ano. O indicativo, portanto, de crescimento acima do estimado. O mesmo estudo, por exemplo, avaliava que o desempenho da economia em 2023 seria de 0,63%, enquanto que a atividade do ano passado foi de 2,9%. Um número muito discrepante.
ALÉM DO PIB
Além do PIB, outros indicadores-chave para compreender a saúde econômica do País são os dados relacionados a emprego e desemprego, além da inflação. Sobre a geração de novos postos de trabalho, no acumulado do ano de janeiro a março de 2024, o saldo foi de 719.033 empregos, marcando um aumento significativo de 34% em comparação com o mesmo período do ano anterior. O número reflete uma tendência positiva no mercado, que é um sinal da recuperação econômica.
No trimestre até março de 2024, a taxa de desemprego no Brasil atingiu 7,9%, marcando um declínio significativo em comparação com períodos anteriores. Os dados, provenientes da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), revelam que este é o menor índice registrado para um trimestre encerrado em março desde 2014, quando situou-se em 7,2%. “Pela régua do desemprego, estamos num período de menor índice desde o Governo Dilma”, afirmou o consultor Francisco Cunha durante o Painel Mensal da Agenda TGI.
A inflação, que é um dos grandes monstros que assombram a economia brasileira há décadas, está também sob controle. O Boletim Focus publicou nesta semana que o IPCA (Índice de Preço ao Consumidor Amplo) em 2024 deve ficar em 3,72%. O indicador está quase 1% inferior ao de 2023, que fechou em 4,62%, que já havia sido o mais baixo desde 2020.
“A inflação foi o calcanhar de Aquiles da economia brasileira desde os anos 30 do século passado. Isso fez um empobrecimento muito grande de parte da população, deteriorando o poder de compra das pessoas. Um dos grandes méritos da gestão atual foi conseguir manter a inflação sob controle, com taxas ao redor de 4% nos últimos anos. Isso é fundamental para a estabilidade econômica do País”, avalia o economista Sandro Prado, professor da Universidade de Pernambuco. “Para o Brasil continuar expandindo sua riqueza, é fundamental manter a inflação sob controle e promover o crescimento econômico”. Um fator que pode interferir na aprovação, no entanto, é quando olhamos especificamente para a alta de preço nos alimentos. Em 2024, alguns produtos básicos da alimentação apresentaram aumentos significativos.
Um recente relatório publicado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que é mais conservador sobre o crescimento do PIB brasileiro em 2024, projeta um avanço de 1,9%. O relatório revela, no entanto, que é justamente o consumo da população o principal responsável pelas melhorias nesse indicador. “Impulsionados pelo crescimento robusto do emprego, os aumentos do salário mínimo e a diminuição da inflação, espera-se que os gastos das famílias sejam o principal motor do crescimento, especialmente em 2024”, afirma o documento.
Sandro Prado destaca, por exemplo, que o crescimento do salário mínimo além da inflação é outro fator econômico que tem historicamente uma relevância na aprovação dos seus governantes. No último ano do Governo Bolsonaro, o salário mínimo era de R$ 1.212 e passou para R$ 1.412, em menos de um ano e meio. A proposta para 2025 é de alcançar R$ 1.502, um incremento de 6,37%, que representa 2,6% acima da inflação.
Mesmo reconhecendo os avanços do governo nessa gestão, Sandro acredita que na microeconomia, na distribuição de renda e na melhoria dos indicadores do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) há um espaço para entender de forma mais direta a população. “O PIB, que é um indicador macroeconômico, é muito importante, agora ele precisa de uma distribuição de renda. Então, é dessa distribuição de renda que vem justamente a melhoria das condições de vida da população, e isso é medido por outro indicador, que é o Índice de Desenvolvimento Humano. O IDH é fundamental.” O indicador lembrado pelo economista, além da renda, destaca dados de saúde e de educação da população e o IDH do Brasil situa-se na 89ª posição no mundo.
NÃO É SÓ A ECONOMIA
Com o tema A economia piorou ou está no meio de uma turbulência?, no Painel Mensal da Agenda TGI, o consultor Francisco Cunha aprofundou a análise do cenário econômico e também da aprovação do governo com mais indicadores. Mesmo nas áreas de maior sensibilidade e investimentos do Governo Lula 3, a opinião da população apresenta uma tendência negativa. “Existe uma dissintonia da realidade econômica e da percepção da opinião pública, medida pelas pesquisas, sobre a realidade”.
O consultor destacou indicadores como a queda de incerteza da economia e o aumento da confiança da classe empresarial do País. Numa análise do crescimento previsto do PIB no quadriênio 2023 a 2026 – quadro de tempo do atual mandato presidencial – é de 9,1%. Um salto considerável em relação aos 6,3% previstos inicialmente. “Quando olhamos a economia, podemos inferir que, do ponto de vista das condições positivas, está num patamar superior ao período anterior. O Fundo Monetário Internacional prevê que o PIB do Brasil será o 8º do mundo em 2024”, destacou Cunha.
Para compreender o cenário desse descompasso entre a economia e a política, Francisco Cunha lembrou também que nos EUA há uma situação semelhante. Apesar do crescimento do PIB e da redução da inflação, a aprovação de Joe Biden está ainda mais baixa que a do presidente Lula no Brasil.
“Não podemos dizer que a economia brasileira está excepcionalmente boa. Mas quando vamos para a avaliação do governo, como na última pesquisa do Datafolha, os brasileiros afirmam que veem piora da economia, da inflação e do desemprego. Há uma queda da percepção de que a economia vai melhorar também muita expressiva. Imagina-se que o desemprego vai aumentar. Há um descasamento da realidade econômica e a avaliação dessa realidade e do governo”, afirmou o consultor.
Na última estimativa do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), por exemplo, o consultor destaca que apenas a avaliação da educação do Governo Lula é positiva. O pior indicador, por sua vez, seria a inflação. “Mesmo no que diz respeito ao combate à fome e à pobreza, que é uma característica bem marcante do atual governo, que tem colocado em prática políticas públicas nessa direção, a percepção de ruim e péssimo é maior do que os que avaliam como ótimo e bom. A economia parece não ser mais o que define, em última análise, a avaliação do governo. Existem agora outros fatores atuando também. Sou levado a acreditar que muito se deve à radicalização da questão política”, sinaliza Francisco Cunha.
DISPUTA IDEOLÓGICA, REDES SOCIAIS E ELEIÇÕES NA POLARIZAÇÃO
O fenômeno do distanciamento entre a economia e a aprovação do governo carece de uma análise mais ampla do que está acontecendo no mundo, segundo Maurício Costa Romão. Além do Brasil e dos Estados Unidos, outros países estão vivendo situações semelhantes de alcançarem bons indicadores econômicos e resultados rarefeitos de popularidade dos seus governantes.
“O fato é que é preciso uma grande investida acadêmica e empírica nesse novo normal. O que está acontecendo em alguns lugares é que o governante tem mantido um razoável desempenho na formulação de seus projetos e no atendimento de algumas demandas da população e, no entanto, não é aprovado à altura do que se imagina que está acontecendo”, aponta Romão.
O analista destaca que em 2022, quando Lula saiu vitorioso, o pleito foi marcado como uma escolha entre rejeições. A eleição do petista se deveu em parte à preferência em relação a viver um novo mandato de Jair Bolsonaro. Romão considera que essa parcela do eleitorado é mais sensível à criticidade do governo atual e tem um comportamento mais “líquido” de mudar de opinião diante do distanciamento das suas expectativas. Outra leitura está relacionada à polarização.
Em especial neste ano, quando acontecem as eleições municipais do Brasil, os analistas indicam ser um período de maior tensionamento entre a situação e oposição. Uma dinâmica que dificulta a aprovação de projetos, mesmo de interesses mais amplos do País, como aconteceu no ano passado, quando o Congresso Nacional votou a aguardada Reforma Tributária.
Na pesquisa da CNT/MDA, por exemplo, em paralelo à oscilação negativa da avaliação do Governo Lula nos últimos trimestres, há também um crescimento daqueles eleitores que afirmam ser de “direita”. Em 10 meses, a população brasileira que se define como de direita cresceu de 24% para 31%.
A imersão da sociedade nas redes sociais, fenômeno que não é mais tão novo, é outra justificativa para a manutenção da maior dificuldade dos governantes em busca de alavancar sua popularidade. No estudo do CNT/MDA, por exemplo, 85,6% dos respondentes afirmaram acessar alguma rede social. Nesse âmbito, questões em geral mais ligadas aos costumes, impulsionadas pelos algoritmos das plataformas digitais, acabam dominando o debate público e muitas vezes contendo fake news. Neste mês, por exemplo, desinformações sobre o show de Madonna no Rio de Janeiro e do atendimento às enchentes do Rio Grande do Sul respingaram sobre o Governo Federal.
Ao se aproximar das eleições municipais, o Governo Lula, mesmo com indicadores de aprovação superiores ao do seu antecessor e até acima de outras lideranças do mundo ocidental, tem mais motivos para se preocupar. O pleito de outubro, considerado como uma prévia do cenário político nacional, promete mês a mês sacudir o debate público. A economia segue como uma temática relevante para qualquer governante, mas as pesquisas indicam que há outros campos mais subjetivos a serem compreendidos. Com tantos sinais desse novo mundo tecnológico e mais ideológico, multiexplosivo em suas tensões, seria uma estupidez pensar que é apenas a economia quem dita as cartas.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Gente & Negócios e Pernambuco Antigamente (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)