Dominguinhos, o homem que se fez música - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Dominguinhos, o homem que se fez música

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O dia 23 de julho de 2013 anoitecia em sua lenta caminhada para o fim. Antes de se esvair, no entanto, levou consigo, aos 72 anos, a vida de José Domingos de Moraes, o Dominguinhos, reconhecidamente o sanfoneiro mais importante do Brasil. Não há como duvidar. Quem o viu tocar, sabe que em suas mãos a sanfona se refestelava, como que sentindo estar em braços aconchegantes e bem junto ao peito de um homem em paz com a vida.

Quais teriam sido os pensamentos de Dominguinhos nas horas que antecederam sua viagem para a eternidade? Os médicos diziam que ele estava minimamente consciente.

Como a pergunta ficará para sempre sem resposta, o importante é saber que ele protagonizou uma história que merece ser contada.

Muito cedo, como é comum a todo grande talento, o menino José Domingos de Morais foi seduzido pela música. O pai, afinador de acordeons e um músico mediano, lhe deu de presente uma sanfona de oito baixos, instrumento que iria ser a trilha sonora de sua vida. O resultado é que aos 6 anos de idade, junto com dois irmãos ele já tocava e se apresentava nas feiras livres e portas de hotéis de Garanhuns buscando algum dinheiro. Era o trio Os Três Pinguins, em que, no início, ele tocava triângulo e pandeiro.

Ocorre que o menino queria mesmo era tocar acordeom, e para isso praticava o instrumento exaustivamente, até tornar-se, como de fato se tornou, um exímio músico. Àquela altura, passara a ser conhecido como Neném do Acordeom. Caminhava a passos largos para ser o Dominguinhos e até o imponderável ajudou. Providenciou um encontro com Luiz Gonzaga, que estava hospedado exatamente no hotel Tavares Correia, onde o trio sempre tocava. Por obra do acaso, porém, os meninos, que sempre tocavam na porta, foram convidados, exatamente naquele dia, a tocar no interior do hotel. O já consagrado Luiz Gonzaga ficou tão impressionado com a desenvoltura do menino, que o convidou para ir ao Rio de Janeiro. A viagem só se realizou muitos anos depois, porque Neném do Acordeom viera estudar no Recife.

O mal, contudo, veio para o bem.

Corria o ano de 1954, e a família enfrentava dificuldades, levando o pai de Dominguinhos a procurar Luiz Gonzaga, no Rio de Janeiro. Naquele dia, Neném do Acordeom, tão logo chegou, recebeu de presente uma sanfona não de oito, mas de oitenta baixos. Desde então, passou a frequentar a casa do Rei do Baião e a acompanhá-lo em shows, ensaios e gravações.

A vida começava a lhe sorrir.

Nos anos que vieram, Neném do Acordeom, passou a participar de programas de rádio e se apresentar em casas noturnas, aprendendo outros estilos de música, como o chorinho, samba, bossa nova, forró, xote, jazz e outros ritmos da época.
Neném do Acordeom viveu até 1957, quando foi rebatizado pelo próprio Luiz Gonzaga com o nome artístico de Dominguinhos. Fez então sua primeira gravação profissional, tocando sanfona na música Moça de Feira, com o famoso padrinho artístico.
Definitivamente sua vida mudara. Agora, não mais havia a vida pacífica de Garanhuns. A partir daquele momento, ele experimentaria uma vida intensa.

Assim, já naquele ano e no seguinte, integrou a primeira formação do grupo de forró Trio Nordestino, e se casou com sua primeira mulher.

Ainda em 1958 deixou o Trio Nordestino e continuou a se apresentar em emissoras de rádio e casas noturnas, até gravar seu primeiro disco, o LP Fim de Festa, em 1964, e em seguida outros dois. Em 1967 voltou a fazer parte do grupo de Luiz Gonzaga, com quem viajou pelo Nordeste.

Foi em uma dessas turnês que conheceu uma cantora também pernambucana, Anastácia, conhecida como a Rainha do Forró, com quem compôs mais de 200 canções, inclusive Eu Só Quero um Xodó, um de seus maiores sucessos. A parceria durou 11 anos, e quando desfeita levou a Rainha a uma atitude plebeia. Inutilizou quase 200 fitas cassete contendo melodias inéditas de Dominguinhos. Revelou-se, em 2013, arrependida do que fizera, ao infligir tão doloroso castigo à música brasileira.
No final dos anos 1970, Dominguinhos conheceu outra cantora, Guadalupe Mendonça, com quem se casou e viveu o resto da vida.

Mas, voltando à música, sua integração ao grupo de Luiz Gonzaga lhe deu reputação como músico e arranjador, aproximando-o de artistas consagrados da bossa nova e da MPB, o que lhe possibilitou trabalhar com músicos do quilate de Nara Leão, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Elba Ramalho, Chico Buarque e Toquinho.

A gratidão é a memória do coração, ensinou Antístenes, um grego que viveu quase 500 anos antes de Cristo, e Dominguinhos sempre foi grato ao seu padrinho e benfeitor. Em nome dessa gratidão, no fim de 2012 se dedicou ativamente às celebrações dos 100 anos do nascimento de Luiz Gonzaga. Naqueles dias, durante um show realizado em Exu, no dia exato do centenário, Gilberto Gil comentou que Dominguinhos “teve a herança do Gonzaga, que ele incorporou, através das canções, dos estilos, o gosto pelo xote, xaxado”.

Pois é, o menino de Garanhuns se realizou. Ganhou fama, ganhou prêmios e deixou uma obra inscrita, para sempre, na música brasileira.

Em 2002, foi o vencedor do Grammy Latino com o CD Chegando de Mansinho. Cinco anos depois, tempo em que não lançou nenhum trabalho solo, voltou a gravar e foi agraciado no Prêmio TIM (2007) como Melhor Cantor Regional. Mas não ficou por aí. Em 2007, concorreu ao 8º Grammy Latino com mesmo álbum na categoria melhor disco regional e em 2008, foi o grande homenageado do Prêmio Tim de Música Brasileira. Em 2010, foi o vencedor do Prêmio Shell de Música, e em 2012, conquistou novamente o Grammy Latino: Melhor Álbum de Raiz Brasileiro, com o CD e DVD Iluminado.

Sua discografia é vasta, bastando dizer que são cerca de cinquenta discos plenos de beleza e melodia, como Quem me Levará Sou Eu, Querubim, Isso Aqui Tá Bom Demais e Gostoso Demais.

A morte, no entanto, insensível como é, cumpriu sua lastimável missão. Primeiro agravou o já precário estado de saúde do músico e, por fim, o levou naquele dia sombrio típico de São Paulo. Seu corpo foi enterrado primeiro no Recife e, depois, por imposição da família e desejo do próprio quando em vida, dois meses depois, em sua Garanhuns natal.

Por tudo que ele foi, sempre que você ouvir uma sanfona tocada com o virtuosismo de um mestre, lembre-se de Dominguinhos, e ele, como dizia em uma das suas canções, “estará de volta para o seu aconchego”.

Volte sempre, Dominguinhos. Aconchegue-se.

[Por Marcelo Alcoforado]

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