Federalismo, paradiplomacia e os entes estaduais (por João Cumarú)
*Por João Ricardo Cumarú S. Alves O sistema federalista brasileiro não é algo novo, mas em boa parte do seu desenvolvimento histórico funcionou de maneira excessivamente centralizada na figura do governo federal. A Constituição de 1988 trouxe uma nova tentativa de fortalecer o modelo federalista no país, principalmente ao conceder maior espaço e poder aos entes subnacionais. No entanto, essa descentralização e ganho de capacidade de decisão política em áreas diversas não vieram atreladas à transferência de autonomia financeira e tributária. O limite dos atores subnacionais sempre esteve ligado à economia, uma vez que até hoje a agenda fiscal e tributária ainda é centralizada na União. Esse sempre foi o maior ponto de debate e limite da pressão de prefeitos e governadores sobre o governo federal, de tal maneira que a agenda do pacto federativo está em evidência desde o início dos anos 2000. Essa disputa interfederativa ganhou novos contornos com o governo de Jair Bolsonaro, ultrapassando as fronteiras nacionais, ou seja, a crise entre os entes federativos passa a ser também uma crise de representação do papel do Brasil no sistema internacional. O que vemos é um movimento de protagonismo e autonomia cada vez maior dos governos subnacionais na tentativa de superar entraves e dificuldades de diálogo com o governo federal. Esse novo contexto em que se destaca o papel de estados e municípios como atores e sujeitos de direitos e obrigações no esquema federativo e das relações internacionais, reflete-se em diversas searas, seja na econômica, ambiental ou social. Entre os reflexos dessa realidade está o surgimento de consórcios interestaduais nos últimos anos. Chegamos a um nível de articulação inédito de estados e municípios no federalismo brasileiro. A dinâmica de interação entre os estados do país já vinha vivenciando novas experiências federativas, com a existência desde 2016 do bloco regional Brasil Central, reunindo os estados do cinturão agropecuário da região Centro-Oeste, além de Rondônia e Maranhão; e o Consórcio Amazônia Legal, em 2018, integrando estados da região amazônica. No início de 2019, dois novos Consórcios se formaram: o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste; e o Consórcio de Integração Sul e Sudeste, congregando os estados dessas duas regiões. Uma das rotas de fuga para ação de estados e municípios é por meio da paradiplomacia, ou seja, a promoção de relações diplomáticas por entes subnacionais. Essa dinâmica ocorre em um momento em que, como resultado de uma radical mudança de rumos da política externa brasileira, nos distanciamos de parceiros comerciais essenciais para a economia brasileira, como a China e países árabes, rompemos com a política de cooperação Sul-Sul, nos afastamos e passamos a questionar a legitimidade de organismos multilaterais (do Mercado Comum do Sul, o Mercosul, à Conferência das Partes das Nações Unidas, passando pela saída da União das Nações Sul-americanas, a Unasul) e nos aproximamos de países com baixo potencial comercial, como a Hungria, Israel e Polônia. Diante desse cenário, não somente os estados brasileiros passaram a procurar novas formas de integração internacional, como também outros países antes parceiros do Brasil, fundos de investimentos e agências de cooperação passaram a buscar diretamente os estados e municípios para dar prosseguimento a projetos já estabelecidos, buscando novas formas de integração e cooperação. A paradiplomacia no Brasil tradicionalmente retratou a atividade externa de governadores e prefeitos como uma atividade amigável ao governo federal, não sendo vista como um movimento de contraposição. Hoje, entretanto, passamos por um momento de inflexão, no qual a paradiplomacia está inserida em um discurso de confrontação com o governo federal ao mesmo tempo em que é vista como uma saída para a superação de dificuldades financeiras e falta de investimentos, por exemplo. Olhemos agora para duas agendas que caracterizam muito bem essa nova conformação do federalismo e da paradiplomacia no Brasil. Meio ambiente A agenda ambiental é fonte de grandes embates e discussões desde o ano que passou e que polariza os governos subnacionais e o governo federal. Certamente, as questões relacionadas à política climática são ilustrativas de como estados e municípios acabaram por assumir maior protagonismo. Diversos destes buscaram fortalecer suas políticas públicas e estabelecer o diálogo com instituições multilaterais e fóruns internacionais como a US Climate Alliance (grupo formado por 24 estados norte-americanos que surgiram também diante de dificuldades de desenvolver a pauta climática com o governo Donald Trump); a Under 2 Coalition (organização composta por mais de 220 governos subnacionais que juntos representam 43% da economia mundial), que no Brasil conta com a participação dos estados de São Paulo, Pernambuco, Mato Grosso e Amazonas; e o ICLEI (Governos Locais pela Sustentabilidade) na América do Sul, uma rede de 75 associados, entre cidades e governos estaduais sul-americanos, dedicados ao desenvolvimento sustentável, focando no impulsionamento de políticas e ações que promovam o estabelecimento de uma economia de baixo carbono. Importante destacar também o papel de diferentes agências de cooperação e fomento de governos estrangeiros como a Agência de Cooperação GIZ, do governo da Alemanha, e a Agência Francesa de Desenvolvimento, AFD. Esses espaços são instâncias alternativas para que os entes subnacionais ratifiquem o compromisso com a causa ambiental, com a redução das emissões de CO2, e o estabelecimento de parcerias que permitam ampliar a capacidade dos estados na adaptação e mitigação dos impactos do aquecimento global. Olhemos agora para alguns episódios que ocorreram ao longo de 2019. Pernambuco, por exemplo, conseguiu elaborar seu primeiro inventário de gases de efeito estufa [1] a partir de uma cooperação com a Under2 Coalition e outros parceiros, com financiamento do Ministério de Meio Ambiente Alemão. Na 11ª Semana do Clima de Nova Iorque, em setembro, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, liderou uma articulação junto aos governos subnacionais brasileiros, atuando como representante dos 9 estados do Nordeste e o Espírito Santo, para levar a mensagem de comprometimento com a superação da emergência climática [2]. Além disso, diante da retirada da candidatura do Brasil para sediar a 25ª Conferência do Clima da ONU em 2019, ONGs, comunidade científica, movimentos sociais, governos e o setor privado e público brasileiro decidiram realizar
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