“Energias renováveis são necessárias, mas não podem ser implantadas a custo da Caatinga e das comunidades”

Secretária de Meio Ambiente, Ana Luiza Ferreira, explica a estratégia do governo para unir sustentabilidade e desenvolvimento econômico, fala da meta de reviver 80 nascentes de rios e das políticas para evitar a desertificação do semiárido e priorizar a justiça climática nos projetos energéticos. (Foto: Tarciso Augusto)

Ana Luiza Ferreira, a secretária de Meio Ambiente, Sustentabilidade e Fernando de Noronha, embora jovem, já tem uma longa carreira na iniciativa privada e em órgãos de fomento. Foi estagiária no Citibank, atuou no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), passou pela Endeavor e trabalhou em consultoria com captação de financiamento no Banco do Nordeste e no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento). Ao ser convidada pela governadora Raquel Lyra para assumir a Semas, aceitou o desafio com o objetivo de trazer um olhar da nova economia sustentável regenerativa ao Estado.

Nesta conversa com Cláudia Santos, ela aborda os programas governamentais: PerMeie (Plano Pernambucano de Mudança Econômica-Ecológica), que tem o objetivo de redirecionar a economia para um desenvolvimento inclusivo e sustentável, e o Plantar Juntos, que tem a meta de plantar quatro milhões de árvores. Ana Luiza também falou sobre as ações para o semiárido, que vão contar com recursos do Fundo Caatinga e do programa Floresta Viva Caatinga, divulgados na COP 28.

A secretária ressaltou também sua preocupação de que os projetos de energias renováveis não sejam instalados sem a chamada justiça climática. “Comunidades produtoras, muitas vezes, estão deixando a vocação de produção rural para arrendar uma terra para torres eólicas. Se eu tiro essas pessoas dessas atividades, quem vai plantar com sustentabilidade, de forma agroecológica?”, preocupa-se a secretária que abordou ainda as políticas relacionadas à elevação do nível do mar, ao hidrogênio verde e à descarbonização.

Na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 28), Pernambuco lançou, junto ao Consórcio Nordeste, uma proposta de criação de um Fundo Caatinga nos mesmos moldes do Fundo da Amazônia. Como estão as articulações nesse sentido?

Já tínhamos o Fundo Caatinga e, na COP, a governadora lançou o programa Floresta Viva Caatinga, assinando junto com Aloizio Mercadante (presidente do Bando Nacional de Desenvolvimento), um protocolo de intenções de R$ 60 milhões – R$ 30 milhões não reembolsáveis do BNDES mais R$ 30 milhões do Governo do Estado – exclusivamente para o recaatingamento (restauro florestal na caatinga). Ou seja, além do fundo que já existia, entre as iniciativas do Governo junto ao Consórcio Nordeste e ao BNDES, temos o Floresta Viva Caatinga.

O fundo e o programa são duas iniciativas que estamos amadurecendo com carinho, porque sabemos do potencial de capital ambiental e cultural no nosso semiárido. Para além do capital monetário, são necessárias pesquisas que nos deem mais clareza para usufruir melhor dessa área, quantificando, por exemplo, o potencial da caatinga para sequestro de carbono.

Esse potencial é significativo, mas sempre foi subestimado, desacreditado ou negado, porque a caatinga era vista como um bioma pobre, sinônimo de escassez e, na verdade, é o contrário. Ela é rica em biodiversidade, com potencial enorme de explicar para o Brasil e para o mundo a resiliência, palavra da ordem em discussões referentes à adaptação às mudanças climáticas. Há um bioma mais resiliente do que a Caatinga que, com pouca água consegue manter sua biodiversidade e sua vida?

Esses recursos já chegaram? Como está a implementação dessas iniciativas?

Os encaminhamentos para o contrato já estão em curso por meio de reuniões com o BNDES. O protocolo assinado exige revisão da Procuradoria Geral do Estado e do jurídico e, com isso, já concluímos a viabilidade do programa. Agora estamos nas tratativas para destravar a fonte orçamentária. Está caminhando bem.

Mas, o Fundo Caatinga, além de Pernambuco, depende dos outros estados que compõem o Consórcio Nordeste. Estive com o Governo da Bahia, que preside a Câmara Técnica de Meio Ambiente, e com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para tratar do tema. A ministra propôs a criação do Fundo Biomas e tivemos a ideia de tornar nossa iniciativa um fundo bioma, mas começando pela Caatinga.

Ano passado, com o início da gestão de Raquel Lyra, na reforma administrativa, aumentamos mais uma secretaria executiva e passamos de três para 10 gerências técnicas. Nessa estrutura, com uma nova visão de economia regenerativa, criamos gerências gerais de instrumentos econômicos verdes, de projetos especiais e a ESG.

Desenhamos, ao longo do ano, dois grandes programas do meio ambiente de Pernambuco, em que todos os nossos projetos se encaixam em um ou em ambos. Um deles é o PerMeie (Plano Pernambucano de Mudança Econômica-Ecológica), cujo grande objetivo é fazer um redirecionamento do vetor de desenvolvimento de Pernambuco, reforçando que a política econômica do Estado não pode existir sem o olhar sobre a sustentabilidade, e a política da sustentabilidade não pode existir sem um olhar sobre desenvolvimento econômico, investindo, assim, num desenvolvimento que seja, de fato sustentável, regenerativo.

E o outro grande programa é o Plantar Juntos, que tem um foco menos econômico e mais de restauração ambiental, com uma meta ambiciosa de plantar 4 milhões de árvores por meio de um amplo programa de conscientização da sociedade em todos os biomas. Então, muitas das nossas iniciativas têm, tanto a etiqueta do Plantar Juntos, quanto a etiqueta do PerMeie, mas algumas são mais direcionados a um ou a outro.

Quais as medidas adotadas pelo Governo do Estado para evitar a desertificação do semiárido?

Numa iniciativa conjunta Semas e Sdec (Secretaria de Desenvolvimento Econômico), relacionada ao PerMeie, com foco econômico, mas de extrema importância no combate à desertificação, contratamos um mapeamento e planejamento estratégico para a transição de Pernambuco de uma economia tradicional para a economia regenerativa. Esta nova economia do mundo afirma que a restauração florestal vai caracterizar a nova construção civil enquanto atividade que emprega muita gente com baixo nível de formação técnica.

Como transformar isso em realidade? Teremos fontes que financiem pessoas para plantar árvores e manter a floresta em  pé?

Isso não é utopia, existem fundos internacionais que podem  e querem pagar para isso. O primeiro passo é mapear o nosso  potencial. O mapeamento será realizado pela Ceplan Consultoria, liderada por Tânia Bacelar e Paulo Guimarães, e um segundo momento será em parceria com profissionais liderados pelo  economista Alexandre Paiva, com experiências em Barcelona e  Amsterdã, cidades que têm esse viés da economia a partir da  sustentabilidade. Isso já está contratado, o produto final vai ser  entregue em junho deste ano, já estamos na fase de entrevistas,  com as oficinas programadas, lideradas por esse time. A consultoria está fazendo, inclusive, o plano de ação para a transição. 

No âmbito do Plantar Juntos, estou contratando, por meio de  edital, nove organizações de reconhecido trabalho no Estado,  com projetos que vão beneficiar 212 famílias, restaurar 58 hectares, reviver 80 nascentes de rios. Oito dessas associações estão  na Caatinga, então é uma resposta direta à desertificação. Além  disso, demos continuidade à implantação de diversos viveiros  municipais financiados com recursos do Fundo Estadual do Meio Ambiente. São oito viveiros de mudas no semiárido com capacidade para 50 mil mudas cada, criando a rede de reflorestamento  e fomentando o mercado de mudas, que exige cuidado e precisa  ser remunerado, para prover serviços ecossistêmicos aos cidadãos. 

Assim, temos diversos projetos dentro dos programas PerMeie  e Plantar Juntos, com milhões de reais destinados para a agroecologia, a fim de transformar as práticas em ações resilientes e  sustentáveis. Temos uma preocupação com o impacto social e  ambiental das energias renováveis porque a forma como tal energia é feita pode ameaçar a Caatinga. As energias renováveis são  necessárias mas não podem ser implantadas a qualquer custo,  a custo da Caatinga e das comunidades produtoras que, muitas  vezes, estão deixando a vocação de produção rural para arrendar  uma terra para torres eólicas, por exemplo. Enquanto Estado, precisamos agir como articulador para zonear o que deve ser destinado para isso ou qual é a forma justa, socialmente e ambientalmente responsável, para ter energia renovável.

Essa questão da justiça climática vem sendo um assunto muito comentado nacional e internacionalmente. Que tipo de problemas são detectados no Estado quanto à energia eólica?

Quando a gente fala de energia eólica, existe uma preocupação ambiental mas a balança tem pesado mais para a preocupação social. Ou seja, a preocupação vai desde a necessidade de esclarecimento científico sobre os impactos na saúde física e mental da população até a escolha e regulação de empresas que não pratiquem contratos jurídicos abusivos e injustos, porque, se o produtor rural não planta a cidade não janta, daqui a pouco não respira. Então, se eu tiro essas pessoas dessas atividades para implantar energias renováveis, quem vai plantar com sustentabilidade, de forma agroecológica?

Já em relação à energia solar, a preocupação mais forte é o impacto ambiental para evitar que haja destruição da Caatinga ao instalar placas solares. É possível evitar isso com mapeamento das áreas que têm um nível de desertificação avançado, direcionando a implantação para áreas de menor impacto ambiental. A governadora decretou e iniciou reuniões com um grupo de trabalho formado por membros do governo; CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente); membros da academia com estudos focados nesses impactos; Fetape (Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco), que tem um olhar de quem está na ponta; Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica); Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar e Fotovoltaica) e produtores rurais.

O objetivo desse grupo é propor uma regulamentação legitimada por todas as partes afetadas. O Ministério Público também vem acompanhando isso, inclusive, em outros Estados, já há ações nesse sentido.

Sobre transição energética, uma questão muito comentada é o hidrogênio verde. Em outros Estados, como o Ceará, já há projetos nessa área. Aqui em Pernambuco, como estão as iniciativas?

O governo teve uma postura de análise crítica e tomada de ações com relação a esse tema ao longo do ano passado e, na COP, lançamos nossa estratégia estadual do hidrogênio verde, cujo diferencial em relação a outros Estados e até a outros países, está na justiça ambiental e climática como prioridade. Nosso hidrogênio verde vai entregar uma solução para reduzir a emissão de gases de efeito estufa garantindo a justiça no território.

A ida à COP 28 e o fato de o Brasil sediar a conferência da COP 30 despertou nosso olhar para o fluxo de recursos que, por um tempo, foi simplificado em vir dinheiro dos grandes países desenvolvidos, que precisavam mitigar suas emissões, para os países em desenvolvimento, e isso não foi suficiente. É preciso garantir que o dinheiro chegue aos territórios por meio de um fluxo de governança com impacto nesses locais. Enquanto não houver responsabilização em chegar aos territórios de forma justa, não haverá efetividade nos projetos.

Assim, nossa estratégia tem esse viés de beneficiar Pernambuco, sua competitividade, a indústria local, deixando riqueza nos territórios, com justiça e redução de desigualdade. A planta experimental do projeto já foi anunciada e os próximos passos estão sendo implementados pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico e consistem em trâmites, protocolos de intenção e tratativas com as empresas interessadas.

E em relação ao litoral pernambucano, o Recife principalmente, há o problema da da elevação do nível do oceano. Quais as estratégias do Governo do Estado?

Temos uma gerência geral costeira e oceânica que tem uma política para mitigar a erosão da costa já existente, o aumento do nível do mar, e fazer as barreiras de contenção de forma ambientalmente sustentável. Mas é necessário olhar para as ações humanas que provocam a erosão.

Tivemos recentemente uma reunião na CPRH para a instalação desse olhar específico sobre o recenseamento ambiental da área costeira, que requer uma atenção especial por ser extremamente visada pela atividade econômica imobiliária. Mas, antes de tudo, é preciso preservar o valor fundamental da sustentabilidade.

O governo passado fez um plano de descarbonização. Ele é utilizado na atual gestão?

Sim. Quando assumi a secretaria, recebi da governadora a missão de entender todas as políticas que aconteciam na pasta, o que precisava ser continuado e fiquei muito feliz com isso, pois como cidadã, sempre lamentei quando políticas boas eram descontinuadas somente porque podia ser a marca do governo anterior. A diretriz que recebemos foi de que não temos tempo a perder e precisamos aproveitar o que estava bem encaminhado.

Esse plano de descarbonização foi feito por uma equipe técnica competente, financiado com recursos da União Europeia, executado pela GIZ (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit) em parceria com o Coppe-UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e USP (Universidade de São Paulo). Ele está relativamente pronto, mas tem uma modelagem com premissas que precisam ser constantemente revisadas.

Para implementar, as ações precisam ser feitas por todo o governo e impactar o setor produtivo do Estado. Em novembro do ano passado, apresentamos o plano para o primeiro escalão do governo e definimos que a coordenação da execução precisaria passar pela Seplag (Secretaria de Planejamento), porque é ela que monitora com a SAD (Secretaria de Administração), por exemplo, ações como a troca da frota e uso de combustíveis renováveis. Ela que pode também planejar com a Secretaria de Mobilidade ações relacionadas à mitigação.

Você veio da iniciativa privada. Como se sente fazendo parte de um órgão governamental?

Para mim é um presente, uma grande oportunidade estar aqui neste momento em que, finalmente, se enxerga o valor econômico do patrimônio ambiental, quando o meio ambiente assume protagonismo no mundo, no Brasil, no Governo Federal e na gestão de Raquel Lyra, que tem uma sensibilidade enorme para a causa ambiental e cobra resultados. Nesta gestão, a maioria de nós não se preocupa se determinada iniciativa foi da Secretaria de Meio Ambiente ou de outra, facilitando a ação conjunta.

Inclusive, estamos numa ação com a Secretaria de Educação que sugeriu introduzir o Plantar Juntos Educação em toda rede pública do Estado. A ideia é transformar o projeto ambiental num projeto pedagógico com o plantio e crescimento das árvores monitorado pelos alunos por meio de um app, identificando, no bioma, áreas que precisam ser restauradas, as sementes e os cuidados ideais. O Plantar Juntos também está aliado ao Morar Bem, plantando mudas e construindo, com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, conjuntos residenciais mais verdes. É educação com meio ambiente, com desenvolvimento econômico, com habitação. Em todas as secretarias, há essa facilidade, sem fatiamento político.

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