O mundo mudou. Hospitais, bancos, até mesmo os museus se transformaram ao longo do tempo. Conectadas e formatadas para o homem do século 21, as instituições estão em constante transformação, respondendo aos anseios de uma sociedade líquida, como prenunciou Zygmunt Bauman. A escola, justo o ambiente em que estão os nativos digitais, foi um dos poucos espaços a resistir a mudanças. O design ambiental das classes e a dinâmica das aulas, em muitos colégios, ainda são semelhantes ao de décadas atrás. Mas, o cenário começa a mudar.
“Como metáfora, o nosso modelo de aprendizagem faliu. Essa organização onde as pessoas pensam estar 'transmitindo conhecimento' e outras absorvendo informação para reter a aprendizagem foi criada no século 19. Vieram da biologia e termodinâmica da época. Construída sob uma pedagogia do século retrasado, com base nas ideias que circulavam na época”, constata Luciano Meira, PhD em educação matemática, mestre em psicologia cognitiva e professor da UFPE. O especialista faz uma verdadeira conclamação para destruir esse modelo: “Infelizmente a aula ainda se sustenta sobre essas metáforas. A ideia é detonar isso, ver o que sobra e construir outras coisas no lugar. Não é para abandonar a escola. O que não funciona é a aula. Ela é que faliu, a escola não”, defende o educador.
Muitos alunos e mestres concordam, porém, que várias características da escola brasileira atrapalham o nascimento de uma nova dinâmica de aula. Entraves, que vão dos extensos currículos à arquitetura das classes, impedem que a aprendizagem saia do modelo tradicional baseado no monólogo do “professor detentor do conhecimento” e ouvido por “alunos desprovidos de saber”. Por isso, a simples introdução de ferramentas tecnológicas não será capaz de modernizar o aprendizado, nem estimular os alunos. “Todo processo de aprendizagem é dialógico, sustentado por diálogos. Sem eles não há aprendizado possível, não há transformação. Queremos implantar inovação nos ambientes escolares. Colocar tecnologias digitais, sem mudar os arranjos sociais que sustentam esse lugar não transforma nada. A missão da escola não é ensinar, é criar ambientes de aprendizagem”, sinaliza Meira.
Na contramão dessa tendência, o comportamento do professor como único detentor do conhecimento é apontado como um dos obstáculos para transformar a prática da sala de aula. Uma deficiência que tem origem na própria formação dos docentes no Brasil, na opinião do professor Mauro Alexandre, do Colégio Fazer Crescer. “As metáforas da transmissão do conhecimento talvez fizeram sentido no século 19. Mas a aula faliu porque o aluno não é o mesmo, ele está no século 21", alerta. "Esse é um desafio do professor, mas somos formados desse jeito tradicional. A nossa universidade é baseada nisso. No dia a dia percebemos que os alunos são antenados e já chegam sabendo até mais que a gente. O desafio do professor é potencializar isso. Provocar ainda mais, para que eles usem as ferramentas digitais para aprender e não encarar o professor como o Google Humano”.
Para a superintendente pedagógica da Secretaria Estadual de Educação, Maria Medeiros, além de repensar o processo de formação dos docentes, é necessário investir na educação continuada. “O formato da aula deve e pode ser repensado cotidianamente. Estamos num processo constante de mudança e esse movimento de atualização deve ser permanente. O docente precisa entender as novas tecnologias na perspectiva de enriquecer as práticas pedagógicas e melhorar a aprendizagem. Nessa interação, o professor promove protagonismo e leva o estudante a pesquisar”.
INFRAESTRUTURA. A infraestrutura e os artefatos disponíveis para alunos e docentes é outra barreira a ser derrubada. Não basta oferecer novas tecnologias para eles, mas mudar o que Luciano Meira denomina de “cenários”. Para exemplificar o salto que precisa ser dado na escola, Meira recorreu a uma parábola muito em voga entre os pensadores pedagógicos: se uma pessoa do século 19 entrasse hoje num centro cirúrgico, ela encontraria um local totalmente diferente dos hospitais de sua época. No entanto, se visitasse uma sala de aula, o ambiente não causaria nenhum estranhamento, porque não sofreu alterações significativas ao longo dos séculos.
O especialista lembra que o bloco de cirurgia transformou-se no ambiente moderno que é hoje graças a um grande esforço para se pensar na estrutura desse espaço, a partir das necessidades médicas, auxiliadas pelas tecnologias que foram surgindo em cada tempo. “A biomedicina e engenharia médica cuidaram de desenhar as áreas do hospital para a cirurgia na medida que esse negócio evoluía. Não existe esse desenho para sala de aula. Quais os instrumentos, equipamentos, artefatos desenvolvidos para ela?”, problematizou.
Os tablets, smartphones ou notebooks que estão sendo usados hoje por alunos e professores, por exemplo, não foram desenhados para a sala de aula, mas para o mercado. Utilizando a comparação com o bloco cirúrgico, os robôs e maquinários para diagnóstico ou mesmo para cirurgias, com tecnologia de ponta embarcada, usados pelos médicos geraram inclusive um segmento especializado, o da engenharia biomédica, que cuida da concepção desses equipamentos.
Muitas instituições de ensino, em pleno século 21, sequer estão conectadas à web. Segundo informações do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), 22% das escolas públicas não têm qualquer tipo de acesso à internet. O problema maior está concentrado nas áreas rurais, onde apenas 13% possuem conexão. Mesmo nos colégios conectados, há alguns contrassensos. Em Estados, como Pernambuco, foi proibido o uso de smartphones nas salas de aula e em bibliotecas das escolas.
Apesar desses entraves, o uso dos celulares na classe, a inclusão de games e das redes sociais nas avaliações e compartilhamento de conhecimentos são alguns dos novos cenários que já começam a surgir. “Considero que jogos contribuem para a interação. Muitas vezes um aluno é tímido e ao jogar começa a se socializar mais com outros colegas. Acho que os games precisam entrar na educação e sala de aula de maneira mais incisiva”, sugere o aluno do Colégio Equipe Thiago Barros.
Mas o estudante ressalva que mudanças simples podem ser um bom começo. É o caso, por exemplo, da disposição das carteiras em sala de aula, que há mais de um século costumam estar enfileiradas e em direção ao professor. Um formato que não estimula o diálogo. “Gostaria de ter mais aulas com as cadeiras dispostas em círculos para debater mais com os colegas, trocar ideias. Isso coloca o aluno como protagonista”.
Uma experiência que vem ganhando destaque no meio escolar são as aulas e competições de robótica. Estimulados, os estudantes aprendem com mais facilidade o conteúdo de matérias como a tão temida matemática. Isso porque eles conseguem por em prática os conceitos da disciplina. “Quando construímos um robô precisamos muito dos conhecimentos de matemática, como cálculos para colocar um sensor diferente do outro, ou ângulos para fazer uma rampa para o robô subir. A gente aprende se divertindo. E o mais mais legal: fazemos na prática, montamos o robô, testamos os programas e botamos para funcionar”, diz a aluna Maria Eduarda Barbosa, estudante da Escola Rodolfo Aureliano, da Rede Municipal do Recife.
Para Eduardo Carvalho, que é diretor da ABA Global Education e Harvard Advanced Leadership Fellow, já existem muitas experiências bem sucedidas no exterior em que o Brasil pode se inspirar. “Temos a cultura de pesquisar o que existe de ponta em educação no mundo. Participamos de redes globais, temos parceiros internacionais, e trazemos para cá inovações, com exemplos de pioneirismo no Estado e no País."
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INOVAÇÃO PASSA PELO CURRÍCULO.
Entretanto, não há inovação com currículo engessado. Na opinião da aluna do Ensino Médio da Escola Estadual Cícero Dias, Victória Pinheiro, uma das dificuldades de inovar é a rigidez curricular que inibe os educadores de propor novidades. “Por que o Estado amarra as grades curriculares? Quando o professor começa a modificar alguma coisa na dinâmica da aula ele já é questionado”.
Quem concorda com a provocação da aluna é a professora da UFPE Patrícia Smith, Ph.D. em Educação pela University Of Newcastle Upon Tyne. “Estamos com o currículo e com práticas absolutamente conceituais. Não há espaço para experimentação, para fazer uma aula diferente ou testar novos equipamentos para ver o que pode dar certo na escola”.
O tema, aliás tem sido muito debatido ultimamente no País entre profissionais de educação que foram convidados pelo MEC a discutir o projeto de uma nova Base Nacional Comum Curricular. O objetivo é definir o que ensinar em cada etapa da trajetória escolar (educação infantil, ensino fundamental e médio).
Outra novidade veio no mês passado, quando o ministério lançou, por meio de Medida Provisória, um novo currículo para o ensino médio. De acordo com o MEC, os currículos serão organizados por cinco áreas de conhecimento: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. O currículo fica assim mais flexível e abre a porta para o ensino técnico. O novo formato teria como meta priorizar a interdisciplinaridade e a aplicação dos conhecimentos no cotidiano dos alunos.
Especialistas como Patrícia Smith defendem a prioridade da mudança curricular, mas ressaltam que ela não é suficiente para modificar a qualidade do aprendizado no País. “A primeira coisa, de verdade, a se fazer é modificar o currículo. A segunda coisa é transformar a escola em um espaço de aprender e não em um espaço de ensinar”, alerta.
Enquanto essa transformação toda não acontece, Luciano Meira sugere que as escolas experimentem “pílulas de inovação”. Ou seja, que as pequenas mudanças não fiquem confinadas em turmas especiais e escolas de referência, mas que as práticas inovadoras sejam experimentadas por todos os alunos nas redes de ensino.
E Pernambuco tem características que podem facilitar essa disseminação. Afinal, é o berço de um dos grandes pensadores da pedagogia mundial, Paulo Freire, e também de um forte parque de tecnologia, o Porto Digital. Não por acaso, algumas experiências da “escola do futuro” já ganharam as salas de aula. Alguns desses cases serão apresentados na próxima edição.