Nesta reportagem da série Era uma vez uma ferrovia, o destaque é a articulação política suprapartidária de Pernambuco para manter o trecho Salgueiro – Suape da Transnordestina. O senador Humberto Costa é um dos integrantes e assegurou que o compromisso do presidente Lula é trabalhar para garantir o ramal.
*Por Rafael Dantas
A insatisfação é o sentimento que tomou os poderes Executivo e Legislativo de Pernambuco após o abandono da conexão Salgueiro-Suape da Transnordestina. Nessa locomotiva política de defesa dos interesses públicos da região estão parlamentares da Assembleia Legislativa, da Câmara Federal e do Senado, além do Governo do Estado e da Amupe (Associação Municipalista de Pernambuco). O imbróglio envolvendo a almejada ferrovia conseguiu unir no mesmo vagão uma frente ampla de partidos políticos que prometem até judicializar a questão caso não consigam garantir a construção do ramal pernambucano.
Após a primeira reportagem da série Era uma vez uma ferrovia, foi criada na Assembleia Legislativa a Frente Parlamentar em Defesa da Ferrovia Transnordestina em Pernambuco. Em breve será anunciada uma audiência pública para tratar da mobilização em torno da defesa da complementação do trajeto de Salgueiro até Suape.
“Estamos conversando com a bancada federal. Faremos reuniões com as pessoas que defenderam a ferrovia no Governo passado e com quem está responsável por essa pauta na nova gestão de Raquel Lyra e vamos articular reuniões com o Governo Federal e seus ministérios no sentido de garantir a retomada das obras no ramal de Pernambuco”, articula o deputado João Paulo (PT), presidente da Frente. João Paulo revela que já teve reunião com a Fiepe (Federação das Indústrias de Pernambuco) e a frente vai articular também a participação com os prefeitos dos municípios que serão beneficiados pelas obras e operação da ferrovia.
Outro integrante da Frente Parlamentar, o deputado Renato Antunes (PL), defende que a pauta da Transnordestina é suprapartidária. Ele considera também que caso não haja avanço pela via administrativa e política, os deputados pretendem judicializar esse processo, questionando o aditivo assinado pela TLSA e a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). “Essa é uma temática que não tem bandeira partidária, não tem ideologia. Toda a Alepe está mobilizada para a Transnordestina ser priorizada. A Frente Parlamentar é um colegiado de deputados que defendem a mesma ideia. Um dos nossos intuitos é fortalecer esse debate junto ao Governo do Estado e ao Governo Federal. Pelo que vi, é uma prioridade do Governo Raquel Lyra, que já esteve em Brasília tratando dessa pauta. Agora esperamos que o presidente, que é pernambucano, trate Pernambuco com deferência, para que seja realmente construído o eixo Salgueiro-Suape, que é fundamental para escoar cerca de 30 milhões de toneladas de carga por ano”, afirma o deputado Renato Antunes, que esteve em Brasília nesta semana tratando de três pautas, uma delas é a da ferrovia.
O senador Humberto Costa (PT) ressaltou a diferença entre os portos de Suape e de Pecém e sinalizou que o Governo Federal está engajado para o projeto ser viabilizado também no ramal pernambucano. “O Porto de Suape tem condição de ser um instrumento fundamental no escoamento da produção e, inclusive, tem um potencial para ser muito maior do que o porto do Ceará. O Governo Federal também está empenhado na obra e não há qualquer concordância com a possibilidade de o trecho que vai até Suape não fazer parte da Ferrovia. O nosso compromisso e o do presidente Lula é trabalhar para garantir o ramal”.
ALTERNATIVAS DE LUTA PELA FERROVIA
Questionado se a Frente Parlamentar defenderia o retorno do trecho Salgueiro-Suape à TLSA ou se os parlamentares defendiam que outra empresa assumisse o projeto, João Paulo disse que a preocupação dos deputados é que a ferrovia seja construída, independente de qual seja a empresa executora. “Quem vai definir a empresa é o Governo Federal. Nossa preocupação é no sentido de discutir alternativas para viabilizar a rota até o porto de Pernambuco que, segundo especialistas, pode perder importância, caso fique de fora da malha ferroviária. A ausência da ferrovia impede seu desenvolvimento e reduz sua competitividade. O apoio político por Suape em nosso Estado é unânime. Vai da Federação das Indústrias a sindicatos”.
O deputado federal Augusto Coutinho (Republicanos) considera que a alternativa à TLSA, que já declarou não ter interesse em Pernambuco, já foi costurada e se chama Bemisa. “A alternativa está feita, posta, acertada. Precisa ser executada. Quando a concessionária TLSA começou a demonstrar que não queria fazer o ramal para Pernambuco, fomos ao ministro para encontrar uma alternativa. Dissemos que Pernambuco não poderia ser prejudicado. Foi encontrada a Bemisa, que explora minério de ferro e é a viabilidade econômica da ferrovia. Agora é preciso consolidar esse acerto para que a empresa toque esse investimento no trecho Salgueiro-Suape”. Coutinho afirmou que o próximo passo é da governadora Raquel Lyra alinhar com a Bemisa a continuidade do que foi acertado no ano passado. O projeto prevê investimentos de R$ 10 bilhões no empreendimento, incluindo a ferrovia, o terminal de minérios de ferro em Suape e melhorias para a mineração no Piauí.
Também integrante da Câmara Federal, o deputado Pedro Campos (PSB) destacou o papel integrador regional da ferrovia para justificar a defesa por Pernambuco e defendeu uma atuação da bancada do Nordeste nesta pauta, por meio de uma frente parlamentar regional, que já foi requerida. “A Transnordestina é uma obra essencialmente de integração nacional. Não há integração nacional se algum dos Estados contemplados no projeto original for excluído. Pernambuco, Piauí e Ceará devem estar unidos nesse diálogo e na luta por essa obra, que é tão estruturante e estratégica para o desenvolvimento regional. A bancada do Nordeste deve convergir forças para defender a conclusão do projeto original em sua integridade, incluindo o ramal Salgueiro-Suape. Existem várias alternativas para viabilizar o financiamento dessa construção, que precisam ser discutidas em maior profundidade”.
O deputado informou que no último dia 15 de março foi protocolado, na Câmara Federal, um requerimento para a recriação da Frente Parlamentar em Defesa do Nordeste, após a assinatura de apoio de 200 deputados e 4 senadores. “Os interesses de Pernambuco e do Nordeste estarão em pauta na Frente e vamos trabalhar para garantir a efetividade dessa obra, que tem grande importância para o nosso Estado e região”, defende o parlamentar.
Em nota, Márcia Conrado, presidente da Amupe, que tem como associados os 184 municípios do Estado, afirmou também estar comprometida pela construção do ramal pernambucano da ferrovia até Suape. “A Amupe informa que buscará meios e mecanismos, por intermédio de sua atuação político-institucional, para não deixar Pernambuco fora da Transnordestina. Lutaremos pela construção do eixo da ferrovia de Salgueiro, no Sertão, até o porto de Suape, no litoral Sul, na cidade do Cabo de Santo Agostinho. Obras estruturais de grande porte, a exemplo da Transnordestina, fomentam o desenvolvimento regional e geram dinamismo na economia pernambucana e nordestina”.
ARTICULAÇÃO DO GOVERNO DO ESTADO PELA FERROVIA
Enquanto as bancadas da Câmara, Alepe e do Senado fazem suas articulações, o secretário de Desenvolvimento Econômico, Guilherme Cavalcanti, afirma que o Governo do Estado atua em diferentes direções para garantir o investimento para Pernambuco. “Estamos atuando em algumas frentes. A primeira e mais fundamental é restabelecer a dimensão da Transnordestina enquanto política estratégica de longo prazo de desenvolvimento regional. Para isso, a governadora tem se articulado com todas as nossas lideranças políticas e empresariais. A segunda frente é na apresentação de argumentos ao Governo Federal que fundamentem o pleito de Pernambuco para que nosso ramal não seja relegado a segundo plano e para isso estamos pleiteando que sejam asseguradas as condições básicas para a retomada da construção do ramal Salgueiro-Suape de pleno direito e com viabilidade” declarou.
O secretário informou ainda que o Governo do Estado está pressionando o Governo Federal para que seja definido qual o modelo do desenvolvimento logístico da região e qual a decisão de destinação dos ativos e direitos resultantes da desistência da TLSA de operar o ramal de Pernambuco conforme projeto original. “Definido o modelo e assegurada a destinação dos ativos e direitos, podemos costurar com novas linhas. Sem, naturalmente, tirar da mesa a opção do Governo Federal destinar recursos e esforços para que ele próprio conclua o ramal em tempo equivalente ao ramal que vai até Pecém. Opções existem, elas precisam agora ser pactuadas e executadas”.
Para o avanço de uma alternativa para construção do ramal de Pernambuco, Guilherme elenca algumas condições prévias que são necessárias. “A primeira é a regulamentação do direito de passagem em legislação federal. A segunda, a disponibilidade imediata dos ativos devolvidos pela TLSA sem precisar aguardar encontro de contas. A terceira é a conclusão dos processos de licenciamento que estão a cargo de órgãos federais para os trechos 08 [que compreendem a zona rural dos municípios de Bonito, Palmares, Água, Preta, Gameleira e Catende, na Zona da Mata] e 09 [municípios de Gameleira, Ribeirão, Escada, Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho]; conclusão de eventuais desapropriações que estão à cargo do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). A quarta, a garantia de condições isonômicas ao novo concessionário no acesso a fundos constitucionais. A quinta, a garantia de fornecimento de brita e dormentes pelas fábricas da TLSA instaladas em Pernambuco. Por último, a definição pelo Governo Federal do modelo de concessão do trecho devolvido pela TLSA”. (Leia a entrevista completa com o secretário no site: algomais.com/especial_ferrovia_4).
O QUE DIZEM O MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES E A ANTT
Questionamos o Ministério dos Transportes por meio da assessoria de imprensa sobre a remoção do trecho Salgueiro-Suape do projeto da Transnordestina, solicitando um posicionamento acerca desse abandono do trecho pernambucano. O Ministério dos Transportes respondeu que: “A retirada do trecho Salgueiro-Suape do contrato de concessão possibilitou a continuidade das obras e redução do prazo para o início da operação da ferrovia, comparativamente ao cenário da caducidade do contrato de concessão. A decretação de caducidade foi recomendada justamente pelo atraso da obra. Quanto ao trecho Salgueiro-Suape, o Tribunal de Contas da União determinou, e assim consta no termo aditivo da TLSA, que o trecho permanecerá sob a responsabilidade da atual concessionária até que possa ser repassado para uma nova concessão. Além disso, o Ministério, por meio de sua vinculada, a Infra S.A., irá estudar quais são as possibilidades para a melhor destinação”.
A reportagem da Algomais questionou também a justificativa técnica para a opção pelo Ceará (cujo trajeto é mais distante em torno de 100km) e, sendo uma concessão, se o interesse público não deveria prevalecer. Por meio da assessoria de imprensa, o ministério respondeu que “O interesse público será atendido com a conclusão das obras e o início da operação da ferrovia na direção de qualquer um dos portos”. E informou ainda que: “Houve uma repactuação contratual, com a concessionária manifestando interesse na repactuação do trajeto para o porto de Pecém. Sugerimos o contato com a empresa para saber os motivos que levaram à escolha”.
Na primeira reportagem da série Era uma vez uma ferrovia, a empresa justificou a opção por Pecém explicando que houve uma “minuciosa avaliação técnica e comercial de cargas origem x cargas destino realizada por consultoria internacional”. O referido estudo, no entanto, nunca foi tornado público.
No ano de 2020, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) apresentou proposta pela caducidade do trecho concedido à TLSA. O então Ministério da Infraestrutura solicitou à Infra S.A. realizar o referido estudo em parceria com a consultoria internacional McKinsey sobre cenários alternativos à caducidade do negócio. Solicitamos essa pesquisa à Infra S.A., principal acionista do bloco público da Transnordestina.
A Infra SA respondeu pela assessoria de imprensa que: “Os estudos foram contratados pela então Valec e não estão disponibilizados para o público em razão de conter informações estratégicas e comerciais do empreendimento e negócio TLSA, Infra S.A. e demais stakeholders, conforme previsão legal (Decreto n° 7.724/12, Lei n° 13.303/2016 e Lei n° 6.404/76).“
O Ministério dos Transportes também respondeu pela assessoria de imprensa informando que: “Mesmo que a contratante seja uma empresa pública – a antiga Valec; atual Infra S.A., após incorporação da EPL –, os referidos estudos contêm informações consideradas estratégicas e comerciais do empreendimento e negócio Transnordestina Logística S.A., da Infra S.A. e demais acionistas/partes interessadas. Desta forma, eles têm caráter sigiloso e não estão disponíveis ao público. Cabe ao Estado respeitar e preservar as informações, dada a sua relevância econômica e devido à natural disputa entre empresas concorrentes que atuam no mercado. Tal medida se baseia no Decreto n° 7.724/12 e nas leis n° 13.303/2016 e n° 6.404/76.“
A redação da Algomais também procurou a ANTT, questionando qual o embasamento técnico dessa decisão por Pecém se há um conjunto de indicadores mais favoráveis ao trecho pernambucano. A agência reafirmou por meio da sua assessoria de imprensa que em 2020 propôs à União a decretação da caducidade do Contrato de Concessão da Transnordestina Logística S.A. (TLSA). “Após tratativas internas sobre essa temática, o Ministério da Infraestrutura, atual Ministério dos Transportes, interrompeu o processo até que fosse concluído o estudo que tratou da avaliação de alternativas à caducidade do contrato da referida ferrovia. Dentre as alternativas, prosperou aquela que atestou a viabilidade econômica do empreendimento, a partir da cisão do trecho entre Salgueiro/PE e Suape/PE. Desse modo, o Ministério dos Transportes, em sua atribuição de definir diretrizes de políticas públicas, determinou a cisão do trecho ferroviário compreendido entre Salgueiro/PE a Suape/PE. A ANTT, por sua vez, procedeu ao atendimento dessa determinação, consolidada no 1º Termo Aditivo ao Contrato de Concessão da TLSA”.
A Infra S.A., estatal que é acionista minoritária do empreendimento, com 36,47% do capital social constituído da Transnordestina S.A., foi questionada pela Algomais se a retirada do ramal pernambucano não geraria um prejuízo ao interesse público do projeto, visto que atendia inicialmente a Suape e a Pecém. A empresa respondeu que a decisão da cisão do trecho é “um desdobramento dos estudos e das tratativas empreendidas pelo então Ministério da Infraestrutura, na gestão anterior, em conjunto com a ANTT e então Valec, hoje Infra S.A., junto ao Tribunal de Contas da União, com vistas a equalizar a concessão, evitando os prejuízos de eventual caducidade, de forma a permitir um adequado direcionamento de recursos públicos e a retomada de ritmo de avanço das obras”.
A Infra S.A. respondeu também que o Ministério dos Transportes segue em diálogo com o Governo de Pernambuco, autoridades políticas e representantes do setor produtivo para dar o encaminhamento mais célere e mais adequado ao interesse público, de forma que o empreendimento seja concluído e entre em operação.
Tanto o Ministério dos Transportes como a ANTT foram questionados também sobre se havia alguma trava jurídica no aditivo ao contrato de concessão da TLSA que impediria nos próximos anos que outra concessionária assumisse o ramal Salgueiro-Suape, como tem sido noticiado na imprensa. Ambos negaram esse entendimento.
“O 1º Termo Aditivo ao Contrato de Concessão da TLSA não trouxe dispositivos que compactuam com períodos em que nenhum outro investidor possa assumir a obra ou operação ferroviária do trecho. Ademais, o Termo Aditivo constituiu a obrigação da Concessionária zelar pela integridade dos bens integrantes do trecho Salgueiro-Porto de Suape, mantendo-os em perfeitas condições de funcionamento e conservação, até a sua entrega à nova concessionária”, explicou a ANTT.
INVESTIMENTOS PARA A TRANSNORDESTINA
Além do estudo da McKinsey, outra pergunta em aberto é em relação ao montante de recursos públicos envolvidos na Transnordestina. O Ministério dos Transportes informou que “o orçamento previsto pela concessionária foi de R$ 12,7 bilhões na data-base de agosto de 2022”. O orçamento é anterior à repactuação que ocorreu em 23 de dezembro de 2022, quando foi assinado o 1º Termo Aditivo e não separa quanto desse valor é público e quanto é privado.
Perguntamos à TLSA qual seria o volume de recursos públicos e privados aplicados no investimento restante para conclusão das obras. A empresa respondeu apenas que o montante total já aplicado foi de R$ 7 bilhões. Sobre o futuro, indicou que “o restante está sendo estruturado entre a TLSA, o acionista CSN e o Governo Federal visando finalizar e colocar em operação a ferrovia”.
O Ministério dos Transportes informou que não faz a gestão das fontes de recursos do projeto e sugeriu contato com a ANTT para tais informações. Solicitamos a mesma informação, de quanto foi o aporte público e privado nas obras da Transnordestina, à ANTT, mas não obtivemos resposta até o final da apuração da reportagem.
A Infra S.A. informou que realizou aporte de R$ 1,1 bi na Transnordestina S.A. entre os anos de 2011 a 2016. A empresa, no entanto, destacou que “a obra da Transnordestina é executada com investimento privado, por meio de concessão, apesar de contar com recursos públicos sob a forma de financiamento e de participação no capital social: ou seja, recursos que depois retornam aos cofres da União, devido ao pagamento de financiamentos contraídos pela operadora e em forma de lucro compartilhado com os acionistas do bloco público.”
Além da Infra S.A., também compõem o bloco acionário público o Fundo de Investimento do Nordeste (FINOR) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Social, que também realizou aportes por intermédio de suas subsidiárias FINAME e BNDESPar.
É intenso o esforço para colocar a locomotiva da ferrovia até Suape de volta aos trilhos, que parece ter descarrilado após o aditivo assinado em dezembro. Mas há muito caminho ainda a percorrer. Como são muitos agentes envolvidos nos investimentos, obras e na regulação da concessão, não é fácil a compreensão da execução desse projeto que começou há algumas décadas e ainda tem alguns anos à frente para ver as primeiras cargas transportadas. Se elas virão à Suape é a grande dúvida ainda não esclarecida dessa história.
*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafaeldantas.jornalista@gmail.com | rafael@algomais.com)
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