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Ninho de Palavras

Ninho de Palavras

Bruno Moury Fernandes

Espinhas

E se não tivesse acenado para mim, da janela do seu apartamento, quando passei em frente ao seu prédio, naquela manhã de terça-feira? Eu estaria longe de qualquer risco, mas não teria vivido, aos 16 anos, meses de intenso prazer. Ela morava no primeiro andar de um prédio caixão, numa rua movimentada, em Boa Viagem. Eu morava em outro prédio, uma quadra adiante. Todos os dias passava na frente da sua casa, mas nem a conhecia. Nunca tinha notado, sequer tinha visto aquela morena de lábios carnudos. Mas neste dia escutei um “Ei, gatinho!”. Gatinho é foda, odeio isso. Mas me vi a procurar de onde vinha aquela doce voz. “É comigo mesmo?”, pensei. Olhei para cima e lá estava Débora com aquele sorrisinho escroto de canto de boca, fazendo assim com o dedinho, me chamando para subir. “Olhe que eu subo, viu!?”, respondi. “É para subir mesmo”, ela gritou. Obedeci.
Casada, logo vi pela aliança na mão esquerda. Nem me conhecia. Mas disse que me via passar todos os dias. Era o trajeto do meu colégio. Ela era muito gostosa. Estava com uma blusinha, dessas de ficar em casa, sem sutiã, com os peitos agudos, como se estivesse com frio. Bronzeada, a marca do biquíni se confundia com o fio estreito da peça que usava. Não era magra, mas também não era gorda. Tinha carne. Muita carne. Jamais perguntei-lhe a idade. Mas certamente não tinha menos que 35. Corpo escultural, tipo sedutora mesmo. Já experiente e, eu, um pivete de 16, em plena ebulição hormonal. Pediu que eu deixasse a mochila do colégio no sofá. “Quero te mostrar meu quarto”. Puxou-me pelas mãos. Não tinha trocado mais do que duas palavras. A casa era bagunçada, pequena. Sentou-se na cama, de frente para mim. Estava no comando, dando ordens, ensinando-me tudo. Só quando terminamos me dei conta do perigo.
Mesmo assim, passei seis meses da minha vida nessa rotina de, pelo menos duas vezes por semana, visitar minha “professora”. Até que um dia, a placa de “vende-se” na janela do seu quarto. Dona Sheila, uma senhora de seus 70 anos, vizinha de Débora, chegava com sua cesta de frutas. “Seu parque de diversões já se mudou, garoto”. “Bem feito, a casa caiu pra ela!”, disse a velha que ainda alfinetou, cortando meu coração: “De todos os que vinham aqui, você era o mais jovem”. Calei-me e fui embora.

Foram seis meses intensos. Mas Débora não foi leal aos meus sentimentos. Sua chama não era só minha e do seu marido. Era de muitos. Sequer se despediu. Aos 16 anos eu pensava que Débora e minhas espinhas eram eternas. Estava hipnotizado e viciado. Agradeço todos os dias por ter sido convocado por aquele furor uterino numa manhã ensolarada de 1990.
Para minha surpresa, encontrei-a numa livraria, em Casa Forte, dias atrás. Acenei de longe, mas não me reconheceu. Ou fez de conta que não. Sei lá, já se foram 25 anos. Deve estar beirando os 60. Usava um vestido longo com estampa florida, rosto envelhecido, magra, cabelo curto, e certo ar de tristeza. Claro que o tempo também chegou para Débora – e para mim -, mas ainda se percebe as curvas generosas que a natureza lhe emprestou. Segurava a mão de uma lindo garotinho que aparentava ter 6 anos e lhe chamava de “vó”. Tive vontade de ir lá e, respeitosamente, dizer o quão grato sou. Mas achei inapropriado. Fiquei com medo de ouvir um “Débora não, por favor, dona Débora. De onde lhe conheço?”. As espinhas cicatrizaram. O tempo voou. Eu era apenas um fedelho sortudo a se divertir. E Dona Débora era apenas Débora, a adúltera que me abduziu.

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