Fernando Japiassú lança novo álbum Confraria da Toca

O disco estará disponível em todas as plataformas digitais no dia 10 de janeiro. O trabalho é resultado de cinco anos de produção no estúdio Toca do Japi e traz instrumentalismo de músicos consagrados, além de interpretações de cantores como Almério, Isabela Moraes, Silvério Pessoa, Maciel Melo e Josildo Sá.

O tempo traz mistérios. Cura, refaz, movimenta. Em cinco anos, de 2013 a 2018, parte da obra de Fernando Japiassú, paraibano radicado no Recife, teve dias imersos no estúdio Toca do Japi para a produção de arranjos, texturas e canções que fizeram gerar o Confraria da Toca, primeiro álbum do compositor. Persona ativa na vida cultural pernambucana desde os anos 1980, participando de bandas e produções musicais, Japiassú escolheu deixar o relógio correr solto e apostar na leveza de se fazer arte, sem preocupações comerciais, permitindo-se surpreender com o que o processo de feitura de um disco reservava, como em tempos antigos e menos apressados. A cada faixa, coincidências, magias, participações improváveis ou não, ou qualquer acontecimento misterioso, que faz de Confraria da Toca um álbum de celebração, gravado vagarosamente e que sugere uma audição igualmente atenta. “O esforço e o saber, de nós e de algo além de nós, se unem pelo prazer de ser o dom, o som e voz”, diz letra da música de abertura, que traz o mesmo título do disco e que saúda Olorum (considerado nas religiões de descendência afro como o senhor supremo do destino), pedindo bênçãos, abrindo caminhos para que, a partir dali, só entre quem de bem é, ressaltando um trabalho poliafetivo, vestido por parcerias e boas amizades.

Por isso, não é difícil perceber, que Confraria da Toca é um trabalho de um compositor que derrama generosidade ao redor, convida instrumentistas e intérpretes para entrar na roda e reforça o poder da produção coletiva. Assim, consegue trazer para a obra uma cena musical Pernambucana produtiva, que transpassa movimentos e gêneros, de forma diversa e empolgante. Desta forma, ouve-se interpretações potentes de Riá, Almério, Isabela Moraes, Edilza, Zé Brown, Josildo Sá, Ska Maria Pastora, Zé Cafofinho, Maciel Melo, Mazo Melo e Silvério Pessoa. Na instrumentação, além da banda base, “o tripé que sustenta a Confraria”, estão os amigos-músicos que se reúnem há mais de cindo anos com Japiassú todas as segundas-feiras (Augusto Silva, bateria; Fernando Azula, baixo, Gilberto Bala, percussão), o disco conta ainda com as participações de instrumentistas respeitados como Lucas dos Prazeres, Reppolho, Maestro Spok, Pepê da Silva, Raminho da Zabumba, Danilo Mariano, Henrique Albino, Cláudia Beija, Nívea Amorim, Rodrigo Barros, Deco do Trombone. “De repente, quando vi todo esse pessoal junto, percebi que na verdade a gente tinha conseguido fazer um registro da atual cena musical pernambucana, guardadas devidas proporções como aconteceu quando Carlos Fernando fazia o Asas da América, registrando muita gente que fazia música entre 1970 e 1980 aqui”, reflete.

Incomum ao mercado, o artista Fernando Japiassú, que assina o disco, é guitarrista, invertendo o formato mais comum do cantor. Apesar de não colocar a própria voz em nenhuma das faixas, Japiassú é autor por completo, por participar ativamente de todos os momentos e processos. Ao convidar o amigo e baterista Augusto Silva para assinar a produção musical do trabalho – onde a ideia inicial era um songbook – decidiram produzir cada música intuitivamente, convidando outros artistas que sentiam encaixar perfeitamente nas canções. “Íamos escutando as músicas e imaginando quem poderia cantar ou tocar determinado instrumento. Era uma espécie de namoro. Enviávamos a música, definíamos o tom e, de acordo com as agendas, íamos marcando as gravações das vozes e instrumentos”, conta, dando a entender o processo minucioso e nada apressado da produção, que teve ainda a participação luxuosa de Antoine Midani e André Dias na mixagem e masterização, respectivamente, dando o toque final na qualidade do disco.

A Confraria da Toca

Estar com Fernando Japiassú, Fernando Azula, Augusto Silva e Gilberto Bala reunidos é a certeza de muitas histórias contadas. Todo o processo de criação do álbum passa pelas segundas-feiras nas quais, até hoje, o quarteto se reúne quase que religiosamente no estúdio Toca do Japi, em Aldeia, Camaragibe. Com um quinto elemento quase sempre presente, Renato Bandeira, a banda tem base afetiva familiar. Dizem sem pestanejar que se amam. E nem precisa dizer, basta observar como se olham, como tocam juntos e como a afetividade sustenta o trabalho musical. Mas todos, sem exceção, exprimem admiração pelos mistérios que traz Gilberto Bala. O percussionista, ogã feito no Candomblé, é livre para seguir intuições e sugerir levadas, mesmo que a princípio pareçam absurdas. “Certa vez, do nada, Bala chegou no estúdio e me pediu uma bacia de alumínio. Disse a ele que não tinha. Mas ele, com insistência quase infantil, continuou me pedindo. Frisei mais uma vez que não tinha, mas me lembrei que há poucos dias havia ganho uma bacia de bronze antiga, na qual minha avó dava banho nos netos. Entreguei a ele e dali começou a fazer um som. Prontamente, Azula ligou os microfones e captamos tudo. Dias depois, num churrasco, mostramos a Renato Bandeira que imediatamente pediu um violão e gravou por cima. Um resultado incrível, e que faz parte do mistério que cultivamos e que acreditamos ser o jeito mais prazeroso de se fazer música”, conta.

Faixa a faixa por Fernando Japiassú

1) Confraria da Toca (part. especiais: Riá e Pepê da Silva)

Gilberto Bala é ogã e ele sabe colocar paisagens na música de forma marcante. Sempre nos chega com coisas curiosas, como a história da bacia, que dá a paisagem dessa música. Até a forma como Renatinho (Bandeira) gravou o violão foi misteriosa, porque após gravar, mesmo no ar-condicionado, suava como se estivesse com uma entidade. Depois disso, passou mal e comeu arroz com as mãos… bem estranho e apenas observamos. No dia seguinte, peguei a música e coloquei a letra. Sinto que foi uma música psicografada desde o começo.

2) Logoff (part. especial: Almério)

Fiz esta música anos atrás. É sobre aquela história em que você está na internet e aparece no chat uma pessoa que sumiu da sua vida há tempos, puxando uma conversa como se tivesse te visto ontem. Tem uma pegada interessante, porque é um tipo de “baião disfarçado”. Tivemos muita dificuldade de gravar a zabumba, porque não é uma zabumba qualquer. Até que alguém disse: só tem uma pessoa no mundo que pode fazer essa zabumba da melhor maneira, Raminho da Zabumba. Dito e feito, sem dificuldade alguma. E aí a gente percebe como o instrumentista é desvalorizado no Brasil, se comparando, por exemplo, aos bluzeiros nos Estados Unidos.

3) Balada do Amado Ausente (part. especiais: Almério e Renato Bandeira)

Na edição do disco “Confraria da Toca” havia muita coisa que cortamos, mas que eu gostava muito. Entre elas, a viola de Renato e o aboio de Almério. Fiquei com pena daquilo não entrar no disco e comecei a mexer com o sampler. Depois, chamei Bala para fazer as percussões nesta base que eu tinha sampleado, com a direção de Augusto Silva. Quando mostrei a Almério, pedindo permissão para colocar a voz no disco, ele disse que não lembrava que tinha gravado aquilo (risos). Balada do Amado Ausente é uma introdução para a música seguinte, Vagão.

4) Vagão (part. especiais: Maciel Melo e Julio César Mendes)

Vagão era o nome de um bar que tinha no bairro do Espinheiro. Paulo Valença escreveu a letra em um guardanapo para entregar a uma moça que estava sentada em outra mesa. Como ele não entregou a poesia, guardei o guardanapo e tudo acabou em um baião-rock, interpretado com primor por Maciel Melo.

5) Só Um Beijo (part. especiais: Maestro Spok e Zé Cafofinho)

Fiz essa música para um espírito como o de Zé Cafofinho, num clima de brincadeira, com uma pegada mais popular (não gosto do termo “brega”). Como Cafofinho mesmo disse, uma música de bêbo, de farra. Tem também o sax de Spok, que dá uma verve gafieira. E ainda a participação do cavaquinho de Pepê, o que completa a festa.

6) Quem Sabe Como a Gente Mudou? (voz: Edilza Aires e Zé Brown)

Acho que o disco, até aqui tem uma pegada nordestina muito forte. E aí entra essa, que é mais soul, black music e fala sobre fim de relacionamento. Há muito tempo que essa música havia sido pensada para Edilza. Fizemos o contratempo com Brown, o que casou perfeitamente. Quem colocaria os sopros seria Leo Gandelman, contudo por conta de agenda, não foi possível. Mas é quando digo que o que não dá certo, dá certo! Convidamos Henrique Albino que fez o grande diferencial, trazendo uma sonoridade bem nordestina. Fiquei bem feliz, pois gosto de fazer música que não pareça com nada. Albino tirou a canção da prateleira da black music.

7) Todo Santo Dia (part. especial: Josildo Sá e Ska Maria Pastora)

O ska é um estilo de música bem difícil de se tocar, tanto que a gente decidiu gravar com uma banda de ska mesmo, para ter verdade, principalmente na junção da bateria com o baixo. Há mais de 10 anos que os caras tocam juntos. Josildo Sá topou na hora cantar e, apesar de ter sua carreira formada no Samba de Latada, gostou do desafio de sair da zona de conforto.

8) Canção em preto e branco (part. especiais Isabela Moraes e Lucas dos Prazeres)

Essa música surgiu a partir de um sonho que Azula teve, em que voava e via lavadeiras à beira-rio. Tem uma pegada mais política por conta da temática: as pessoas trabalhando para as outras, geralmente negros para brancos. Foi muito legal encontrar Isabela, uma força artística inigualável. Tínhamos mudado o tom da música para o que imaginávamos ser o dela, mas no final das contas, o tom era exatamente o mesmo do sonho. Fomos apresentar a música a ela numa casa que tinham cachorros e eles estavam super agitados. Mas, magicamente, quando apertamos o rec para registrar, os cachorros calaram. Na passagem, a gente faz uma homenagem à Iemanjá, por conta desse mistério sempre presente no disco todo, atrelado à religião de Bala. E é muito especial perceber como o canto conduz ao mar e leva a uma ciranda na faixa seguinte.

9) A Ciranda (part. especiais Mazo Melo e Reppolho)

Creio que A Ciranda foi umas das minhas três primeiras músicas da vida. A voz de Mazo tinha um timbre perfeito para o que pensávamos. Queríamos colocar um trompete, mas que fosse alguém que conseguisse desde uma embocadura meio frouxa, como cirandeiros da beira de praia, até a sofisticação da pegada de Ibrahim Maalouf. E só tinha um cara aqui para fazer: Fabinho Costa. Interessante que mostrei a música para algumas pessoas na França e me perguntaram se era Ibrahim tocando (risos).

10) Aos que Esperam (part. especiais: Silvério Pessoa e Renato Bandeira)

Junto com A Ciranda, é também uma das minhas três primeiras músicas. Foi uma das primeiras que a gente gravou para o disco e que já tinha a cara de Silvério, cogitada lá atrás a entrar em um dos discos dele. É uma música que também tem essa pegada de baião meio rock progressivo, parceria minha com Danilo Portela, parceiro antigo, do meu tempo de banda (A Banda).

11) Babel

Um bônus track, onde a letra não é inteligível. Tem várias letras, mas você não consegue entender nenhuma. “Deus castiga os homens fazendo com que não mais se compreendam pois a força dos homens está em sua comunicação”. A fiz pensando nesse momento atual: todo mundo tá falando e ninguém consegue escutar o que outro fala.

Ficha Técnica:

Gravado no estúdio Toca do Japi

Produção Musical: Augusto Silva

Técnicos de Gravação: Fernando Azula e Joel Lima

Mixagem: Antoine Midani

Masterização: André Dias (Post Modern Mastering)

Produção Executiva: Laura Proto

Projeto Gráfico: Vicente Simas

Arte da capa: Antoine Dumézy

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