*Por Rafael Dantas
Nesta semana, a Algomais está tratando sobre a internacionalização das carreiras e dos negócios. Afinal, o trabalho remoto abriu os horizontes para quem deseja trabalhar em uma cidade e viver em outra, independente do local do mundo em que se esteja. Um dos nossos entrevistados foi o advogado Gustavo Escobar, do Escritório Escobar Advocacia. Atualmente morando em Lisboa, ele segue liderando os negócios da sua empresa que tem sede no Recife. Uma transição que aconteceu ainda antes da pandemia.
Confira abaixo essa conversa sobre a experiência de Gustavo de atravessar o oceano e continuar com os negócios no Brasil.
Sua decisão de fazer essa mudança aconteceu antes da Pandemia. Atualmente como funciona seu escritório com pessoas trabalhando dos dois lados do oceano? A pandemia consolidou esse modelo de trabalho a distância internacional?
Sim. Mudamos para Portugal ainda em 2018. Antes de nos mudar preparamos toda tecnologia no escritório para que pudéssemos fazer as reuniões remotas. Então, quando o cliente queria uma reunião, ele entrava em nossa sala de reunião em Recife acompanhado de um advogado da área em que seria atendido e eu entrava pelo sistema de videoconferência, direto de Lisboa. Além disso, a cada dois meses eu viajava para Recife e passava 10 ou 15 dias na cidade e fazia as reuniões mais delicadas e estratégicas pessoalmente. Isso tudo funcionou muito bem até março de 2020, quando chegou a pandemia e levou ao fechamento do escritório, colocando toda nossa equipe em home office.
Embora tivéssemos toda estrutura, uma equipe experiente e, mesmo antes da mudança, o hábito de trabalhar de qualquer lugar do mundo, enquanto viajávamos, sempre havia certa resistência ou inabilidade de alguns clientes em fazer reuniões on-line. Era comum ir a São Paulo e voltar no mesmo dia ou se deslocar a outras cidades do interior de Pernambuco para atender a clientes, o que levava a uma perda de tempo e maior custo para todos. Sem dúvidas a pandemia representou uma mudança nisso. Passamos dois períodos de 8 meses sem ir ao Brasil e todas as nossas reuniões passaram para o formato on-line. Isso serviu para nos mostrar como é possível e eficaz um novo modelo. Também facilitou a aceitação das reuniões on-line e, sem dúvidas, vai tornar os deslocamentos ao Brasil menos frequentes do que antes.
Como tem sido a operação, o cotidiano, do escritório remotamente?
Sobre o funcionamento do escritório com pessoas em países diferentes ou em home office, existem alguns desafios. A integração e relação com a equipe precisa de foco constante. Rotinas de reuniões internas devem ser criadas e respeitadas. Além disso, todo o controle da gestão precisa estar muito bem “nas mãos”. A vantagem é que, de fato, a tecnologia hoje ajuda muito. Temos 90% da nossa operação a nossa disposição, em tempo real, no celular. Ainda sobre isso, um ponto fundamental são as pessoas. Faz toda diferença ter um time tecnicamente preparado e socialmente positivo, engajado e responsável. Depois de muitos anos, alguns erros e muitos acertos, demos sorte de conseguir contar com pessoas de caráter, comprometidas e bem competentes. Isso ajuda muito!
Quais foram suas motivações e quais os desafios de fazer essa migração?
Foi um mix de motivos. Estudo e capacitação, qualidade de vida e exploração de um novo mercado. Eu e minha esposa viemos nos capacitar. Ela fez uma especialização em Direito Tributário e eu acabei fazendo duas: uma em Propriedade Intelectual e outra em Proteção de Dados. Meu filho havia sido aprovado para cursar direito na Universidade de Lisboa, então, juntando motivos pessoais, acadêmicos e profissionais, decidimos todos vir juntos e fazer essa experiência, aproveitando ainda para “tirar umas férias” do Brasil que anda tão complicado.
Os principais desafios foram a expectativa de adaptação dos filhos, o que ocorreu melhor do que esperávamos e, sem dúvidas, como explorar um novo mercado em Portugal, mantendo a qualidade e responsabilidade com tudo que temos no Brasil. Acredito que, após três anos, podemos dizer que esses desafios foram superados, embora estejamos sempre atentos, monitorando e reavaliando tudo constantemente.
Para o mercado de trabalho local, observando do ponto de vista das empresas em Pernambuco, e global, como essas experiências contribuem para o desenvolvimento dos profissionais e para a competitividade das próprias empresas?
Vou falar um pouco do meu setor que é serviços jurídicos, mas posso dizer que há grandes descobertas e oportunidades em muitas áreas. Descobrimos que poderíamos advogar aqui em Portugal por haver um convenio entre a OAB e a Ordem dos Advogados portuguesa. Ao chegar aqui, enxergamos oportunidades de atuação que, talvez, não fossem tão evidentes naquela altura se tivéssemos ficado no Brasil. Falo especificamente da atuação na área de Proteção de Dados. Em 2018 ninguém falava sobre isso, mas na Europa o Regulamento Geral de Proteção de Dados – RGPD já era uma realidade. Decidimos estudar essa nova área e nos capacitamos muito para que, quando a LGPD entrasse em vigor no Brasil, pudéssemos atender o mercado que se abriu. Esse é um exemplo concreto que aumentou a capacitação da nossa equipe, melhorou a competitividade do nosso escritório, pois saímos na frente nessa área, e, como resultado, gerou um incremento interessante de faturamento em plena pandemia.
Outro diferencial competitivo que acabamos agregando ao nosso negócio foi justamente ser uma base na Europa para investidores brasileiros. Já tínhamos boa experiência no atendimento aos estrangeiros que investiram no Brasil na época de crescimento e desenvolvimento durante o governo Lula. Naquela altura a Europa estava em crise e muitos europeus viram no Brasil, que até então crescia bem, uma alternativa. Com a mudança das coisas – recuperação da Europa e crise no Brasil –, surgiu um fluxo invertido, ou seja, cada vez mais brasileiros investindo e mesmo imigrando para Europa. E Portugal, geralmente, é o destino ou pelo menos a porta de entrada mais natural. Assim, ter um escritório em Lisboa é algo interessante. Isso traz mais segurança ao clientes e também facilita muito a integração com outros prestadores de serviços e nos deixa mais próximos às oportunidades de investimento além mar.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)