A reforma tributária, principal agenda econômica do Governo Federal no primeiro semestre de 2023, tem problemas de compreensão na análise do advogado Luiz de França, além de ser alvo de muitas disputas. Nesta entrevista, o sócio da França Advogados, escritório com bases no Recife e em São Paulo, que é pós-graduado em direito empresarial e em direito tributário, aponta os efeitos práticos esperados na economia, caso a reforma seja aprovada, e explica porque considera difícil a inclusão da revisão do imposto de renda da pessoa física neste momento.
Quais os principais problemas da legislação tributária atual que a Reforma Tributária deveria buscar resolver, na sua opinião?
Há um problema de compreensão do que seja uma reforma tributária. Enquanto os Estados Federados e a União discutem como ficará o financiamento da dívida pública pelos serviços que se desejam implantar, o contribuinte quer simplificação e o fim de bitributação em impostos da mesma natureza como IPI e ICMS, que são faces da mesma moeda, ou seja, o comércio praticado pela indústria e as demais situações equiparadas. O que leva a um acumulo de crédito pelas saídas e uma enorme engenharia para pagamento dos mesmos.
Outro ponto, na mesma linha é a dupla função do PIS e COFINS e da CSLL que terminam por somar-se a contribuição do custeio para o INSS. Em tese, todos são para seguridade social, mas o PIS e a COFINS são – na prática – instrumentos de política fiscal
A boa reforma deve visar a uniformização dos tributos acima apontados e a uniformidade de legislação do ICMS com o IPI e o PIS e a COFINS criando um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) federal/estadual. O ISS e demais tributos municipais devem ter uma legislação única e uniforme. Isso é o que se discute hoje no projeto do economista Bernardo Appy que integra hoje o governo federal, com função dentro do Ministério da Fazenda.
A reforma em discussão tem como objetivo também a redução de tributos ou apenas a simplificação?
Simplifica. Não há reduções. Haveria se na junção do IPI e do ICMS, por exemplo, fossem extirpados – de ambos – a figura da antecipação fiscal que termina por duplicar a obrigação de pagamento. Em alguns casos, o crédito antecipado, não pode ser utilizado pelo revendedor, o que gera acumulo de crédito e “malabarismos”fiscais numa tentativa de desovar estes créditos, na medida em que eles não podem ser “comercializados” no mercado, a exemplo dos precatórios e dos direitos creditórios que – de quando em quando – entram em politicas de parcelamento especial ou de transação individual.
Quais os principais efeitos práticos para a economia na aprovação de uma reforma tributáriano País?
Ela poderá desoxigenar as legislações estaduais conflitantes e permitir que haja uma simplificação no fluxo com o fim das antecipações e cobranças internas por ficções jurídicas dos impostos como no caso do ICMS, IPI, PIS e COFINS.
Há muitos comentários sobre o cálculo do imposto de renda, que hoje atinge mesmo uma população com rendimentos bem limitados. Esse é um tema que pode entrar na pauta da Reforma Tributária ou ela tratará primordialmente das questões de maior interesse das pessoas jurídicas?
A questão ai é a regressividade. O imposto sobre a renda, por uma conjugação de fatores – deixou de ser progressivo e passou a ser regressivo. Ou seja, a ausência de correção da tabela do imposto, a supressão de uma série de deduções ou sua limitação (despesas com educação por exemplo) levam a uma regressividade.
Para se ter uma ideia disso, um aposentado que trabalhe de carteira assinada para não perder benefícios da legislação como 13º e férias remuneradas tem contra si o débito do INSS no salário (mesmo já estando aposentado) e sem descontos termina por sacrificar integralmente o 13º salário no pagamento do IRPF (imposto de renda pessoa física), a partir de uma faixa salarial de 5.000,00 Reais/mês, somados os rendimentos da CTPS e da aposentadoria. As grandes empresas e corporações por poderem ajustar as declarações da sua atividade operacional e se valerem de precatórios, direitos creditórios e base de calculo negativa do IRPJ e CSLL, muitas vezes tem base negativa na apuração dos impostos.
Isso sem falar nos prejuízos operacionais e nos ganhos das operações financeiras do setor de finanças que somente se submetem ao IOF, o que gera seguramente a quebra do paradigma do Imposto sobre a Renda na sua característica central que é a disponibilidade jurídica e econômica para quem paga mais, a chamada progressividade.
Mas mesmo assim, é irracional obrigar o segmento produtivos recolher 43% de seu resultado com PIS/COFINS/IRPJ e CSLL, mas isso não pode justificar as deduções ínfimas para os contribuintes pessoa natural/física.
Pelo que está visto no campo da reforma atual, como ideação, estes temas não estão em discussão e a reforma perderá uma grande oportunidade. Mas, confesso que este ajuste não é tao simples em função das partilhas constitucionais obrigatórias entre União, Estados e Municípios quando o assunto são impostos.
Em relação aos Estados, como Pernambuco, e aos municípios, há algum ponto de maior preocupação da reforma? Existe risco de perda de arrecadação ou a reforma tem a perspectiva de redistribuir melhor o recebimento dos tributos?
Três aspectos aí. Primeiro, o Estado de Pernambuco tem campo para promover por si só um ajuste importante. Incentivos fiscais em vigor até 2032 podem e devem ter sua relação revista.
Antecipações internas, simplificação das obrigações acessórias são a mola mestra que deve ser perseguida pelo atual secretário da fazenda, além de uma maior previsibilidade nos lançamentos contra os contribuintes, que hoje quase em sua totalidade estão ao crivo da subjetividade do auditor.
Por outro lado, uma reforma no processo administrativo fiscal e a criação de um código Estadual de Defesa do Contribuinte podem colaborar para uma maior arrecadação com a definição de critérios mais previsíveis que indiquem o abuso no lançamento do Estado e promovam de forma perene uma arrecadação menos dependente de outras fontes de receitas primárias e derivadas e reduzam a litigiosidade dentro do Tribunal Administrativo do Estado de Pernambuco, vinculado à Secretaria da Fazenda.
Olhando pelo ângulo do fisco, os outros dois aspectos: a questão do destino como fonte de arrecadação do ICMS e a possibilidade de uma politica de incentivos fiscais uniformes nos critérios de concessão que permitam aos Estados do Norte e Nordeste promovem o equilíbrio e a quebra da desigualdade social, que são pressupostos previstos na nossa constituição federal.
Por fim, não há tributo que se sustente, se as unidades federadas não puderem ir “fundo a fundo” na busca de recursos internos e internacionais, o que implica num score de endividamento, com critérios objetivos, que permitam aos Estados, captarem recursos de fora, independentemente de sua origem, para inovação, meio ambiente e desenvolvimento urbano.