Convidado para registrar a história de 100 anos do Grupo Cornélio Brennand em um livro, o premiado escritor paulista Ignácio de Loyola Brandão fugiu dos moldes convencionais de uma produção institucional e fez um resgate profundo da memória de toda a família Brennand. A narrativa, construída a partir dos relatos de familiares de maneira cronológica, revela muito da história da economia pernambucana. As duas trajetórias, inclusive, estão intimamente imbricadas desde o tempo dos engenhos de açúcar, no início do século 20.
O primeiro encontro entre Loyola e Cornélio Coimbra de Almeida Brennand aconteceu no célebre Sobrado da Várzea do Capibaribe, nas terras dos engenhos Santos Cosme e Damião e São João. Discreto, após muita insistência dos filhos para publicar a obra, o patriarca iniciou uma longa narrativa sobre os primeiros 100 anos dos negócios da família. “Cornélio é um cavalheiro. Me recebeu no Recife, ao lado de toda a família, em almoço que tinha todas as comidas típicas pernambucanas e suco de pitanga, vindo das frutas colhidas nas pitangueiras que o próprio patriarca plantou”, detalha o escritor de 80 anos de idade e 52 de profissão.
Tudo começou em 1917, na Várzea do Capibaribe, quando Ricardo Lacerda de Almeida Brennand, pai de Cornélio, se deu conta de que o açúcar não tinha mais o valor de outrora e deveria investir em outros segmentos. Após convidar o irmão, Antônio Luiz, para produzir cerâmica, iniciou o primeiro negócio da família Brennand, a empresa R.L. de Almeida Brennand & Irmão, conhecida como Cerâmica São João. Foi assim, de geração em geração, com o compromisso de acompanhar as mudanças do mercado, que os negócios passaram pelos ramos da porcelana fina, azulejos, embalagem de vidro, siderurgia, setor sucroalcooleiro, produção de cimento e, chegando ao século 21, pelos segmentos de energia elétrica, vidros planos, novamente cimento e desenvolvimento imobiliário, com empreendimentos por todo o Brasil.
Segundo Ignácio de Loyola, o que mais chamou sua atenção foi o dinamismo na forma de enxergar o mercado, o espírito visionário, a sensibilidade de perceber o tempo certo de mudar de ciclo e os métodos inovadores que permeiam todos os negócios dos Brennand. “Impressiona a forma como eles percebem a realidade e a necessidade de inovar sempre. Modificaram o velho conceito de azulejo, que antes era utilizado apenas em banheiro e hoje é decorativo. Estão sempre dentro de um circuito atual”, relatou o escritor.
“A característica de inovar existe desde quando Francisco do Rego Barros de Lacerda, há 100 anos, foi buscar maquinário para os engenhos nos EUA e voltou com a casa de ferro, pois não queria as casas coloniais, queria algo diferente. E até hoje essa modernidade continua na família, eles sempre foram modernos”, comenta, ainda, Loyola. O escritor lembra das entrevistas que fez com o artista plástico Francisco Brennand, irmão de Cornélio. “Ele contou que, na época artistas, não tinham credibilidade alguma perante a sociedade, mas o pai, Ricardo, apoiou o filho na escolha desde o início e, por insistência do pintor pernambucano Cícero Dias, enviou Francisco para estudar na Europa”, completa.
Loyola lembra que Cornélio Brennand, homem de pouca aparição, o advertiu sobre a questão da exposição da família na obra: “Você deve contar a história de um grupo, de negócios, das empresas. Não das pessoas, da família”. O autor, no entanto, confessa no próprio livro que, ao tomar conhecimento de memórias marcantes, não resistiu a uma pequena desobediência. “É impossível escrever a história de um grupo sem falar das pessoas. No livro eu não entro em detalhes, mas coloco várias histórias que acabaram sendo aceitas”, revela.
A cada um dos filhos de Cornélio, Loyola fez a pergunta: “O que aprenderam com seu pai? O que aprenderam com o seu avô, seguindo a história, as trajetórias, as experiências?”. De acordo com ele, as respostas foram basicamente: “O respeito pelas pessoas independentemente da posição social”.
Um dos trechos mais interessantes da trajetória da família Brennand, para Ignácio de Loyola Brandão, foi o olhar de Ricardo Lacerda de Almeida Brennand sobre a Praia do Paiva. Segundo ele, no intuito de extrair matéria-prima para as suas indústrias, o empresário soube que lá havia argila e, em setembro de 1953, conseguiu comprar 8 km do litoral. Os filhos o criticaram bastante, mas o instinto de empreendedor garantia um bom negócio: “O senhor Ricardo tinha uma visão extraordinária e comprou o sítio, mesmo que por um preço exorbitante. A argila acabou rapidamente, mas ele sabia, desde aquela época, que o Recife iria crescer para aquele lado. E cresceu! Onde hoje é a Reserva do Paiva. Aí eu me pergunto: de que material é feito um empreendedor?”, indaga o escritor.
Para a produção da obra, a pesquisadora Terezinha Melo entregou ao escritor um material histórico e iconográfico sobre o grupo com mais de mil páginas, entre entrevistas, documentos antigos, recortes de jornais, mapas e fotografias. “O bom foi que na pesquisa da Terezinha havia muitos acontecimentos e relatos dramáticos que eu poderia dar emoção. Eu não queria fazer um livro chapa branca”, conta Loyola. “A história do grupo teve altos e baixos e eu gostei muito de conhecer os limites, as impossibilidades e que nem tudo é sucesso. No fracasso você dá a volta e passa por cima”, diz.
Na obra, o escritor traçou uma estrutura separada por época. A primeira versão do livro, segundo ele, tinha quase o dobro do tamanho da que foi publicada. “No meu trabalho literário, eu escrevo o texto e deixo na gaveta. Depois volto, releio e vou limpando, selecionando. Ai vou fazendo cortes, até fazer uma segunda versão e terceira, quarta. Depois volto para ver o que eu esqueci. Aí o texto vai se delineando como o verdadeiro”.
Relembrando sua trajetória, pela qual o conjunto da obra foi vencedor do Prêmio Machado de Assis 2016, Loyola afirma já ter recusado inúmeras produções: “Eu só aceito escrever livros que não são meus quando realmente são interessantes e me acrescentam algo. A narrativa dos Brennand também nos traz um pouco da história, da economia, da evolução do Brasil. Escrever sobre eles foi como um romance, eu pude colocar um pouco de mim. O livro tem sustentação, não é uma mera empresa que apareceu e fez dinheiro”, declarou.