Pesquisa "Emergência Política Periferias" mapeou 100 iniciativas que reduzem a distância entre o cidadão e o governo e apresentam soluções inovadoras a partir das periferias para os problemas socioeconômicos do País.
A 30 quilômetros do Plano Piloto, região "nobre" de Brasília em que vivem à margem do poder quase meio milhão de pessoas, é editado o Ceilândia em Foco – jornal comunitário com tiragem de 10 mil exemplares mês. Democratizar o acesso à comunicação nas periferias, mostrar a Ceilândia através de notícias mais humanas e construtivas e evidenciar a cidade viva e pulsante com seus projetos sociais, culturais e empreendedores locais são as diretrizes do jornal produzido por moradores e colaboradores da comunidade.
O periódico é uma entre as 100 iniciativas que integra a pesquisa "Emergência Política Periferias", levantamento do Instituto Update, com patrocínio da Fundação Ford e Fundação Tide Setubal, que mapeou inovações políticas nas periferias de 5 regiões metropolitanas do país: Belo Horizonte, Brasília, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.
A pesquisa foi produzida entre fevereiro e agosto deste ano e será lançada na próxima terça-feira, 28 de agosto, durante evento na Galeria Olido, no Centro de São Paulo, às 9h30. "Começamos as entrevistas nos territórios no dia 13 de março, véspera do assassinato de Marielle, fato que, por se tratar de uma liderança representativa do público entrevistado, permeou toda a pesquisa", comenta Beatriz Pedreira, cofundadora e diretora do núcleo de Inteligência do Instituto Update.
No decorrer do estudo, temas críticos para a implementação de políticas públicas de redução das desigualdades e para o desenvolvimento sustentável das periferias urbanas foram abordados. São exemplos a representatividade política, redução das violências, uso de tecnologias, Constituição Federal, democracia, racismo estrutural, machismo na sociedade, acesso a direitos, disputa de narrativas, fake news, entre outros.
Uma perspectiva marcante da pesquisa é a percepção não apenas da necessidade de transformação política do Estado, mas a relevância de fazê-lo conjuntamente com a população das periferias, uma vez que os governos, de forma geral, desconhecem ou desvalorizam a profundidade dos problemas vividos nestes territórios.
Realizado por pesquisadores que atuam nas próprias regiões mapeadas, a iniciativa se divide entre as pautas de Participação Política, Redes de Colaboração, Movimentos Sociais e Culturais, Meio Ambiente, Empreendedorismo Social e Mídia Independente e Alternativa. São realizadas por ONGs, coletivos informais, indivíduos ou estão ligadas à política institucional. E emergem a partir de cinco principais gatilhos: a dor, o mentor, coletivos de cultura, ONGS e políticas sociais.
"Ao optar por uma equipe que tem sua origem nos territórios periféricos e produz comunicação e conhecimento a partir deles, a pesquisa enfatiza o direito que cada um tem de contar e revelar a sua própria história", observa Fernanda Nobre, coordenadora de Comunicação da Fundação Tide Setubal.
Segundo Nobre, a escuta permanente, o diálogo e o fazer com as comunidades são princípios que geram um conjunto de experiências e de conhecimentos determinantes para o exercício da cidadania e estimulam as forças locais para uma atuação mais democrática. "A busca interpretativa é de que os territórios periféricos sejam reconhecidos como ‘cidade’ carregada de memórias, inventividade e potencialidade, distanciando-a meramente de uma perspectiva de fragilidade".
Jessica Cerqueira, pesquisadora do Instituto Update, explica que a partir da gestão das urgências, do direito à existência, memória, ancestralidade, cultura, economia, bem viver e participação, fazedoras e fazedores revelam a emergência de práticas que transformam os territórios periféricos em laboratórios de soluções para os problemas do país.
"Eles buscam, em essência, a garantia de direitos já previstos na Constituição brasileira. E são espaços de criação, experimentação e modelos de ações e iniciativas para reduzir as desigualdades presentes no dia a dia. Uma política feita a partir dos problemas reais e por vozes que foram sistematicamente silenciadas pelo Estado. Se as instituições olhassem para as soluções propostas por essas iniciativas, as políticas públicas teriam muito mais impacto e seriam mais efetivas", avalia.
Os Laboratórios de Direitos foram classificados em:
- Direito à Existência: defender os direitos humanos básicos para garantir a vida. Exemplos: Fala Roça (Rio de Janeiro), Assessoria Popular Maria Felipa (Belo Horizonte), Santuário dos Pajés (Brasília) e Quilombo Manzo (Recife).
- Direito à Memória, Educação e Cultura: defender os direitos conquistados para garantir a dignidade e identidade. Exemplos: Casa Frida (Brasília) e Beth de Oxum (Recife).
- Direito à Economia e Bem Viver: defender o acesso ao capital e recursos naturais para garantir a qualidade de vida. Exemplos: Vela (Rio de Janeiro) Saladorama (Recife), Reciclação (Rio de Janeiro) e Desenrola e Não me Enrola (São Paulo).
- Direito à Participação Social: defender e criar espaços para influenciar políticas públicas, garantir voz nos espaços de decisão e incidência. Exemplos: DUCA (Brasília), Cursinho Popular Transformação (São Paulo), Centro de Comunicação e Juventude (Recife), Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas (São Paulo) e Jovem de Expressão (Brasília).
- Direito à Ocupação do Poder: defender o direito a legislar, ocupar e pautar a política nacional para garantir a continuidade e institucionalidade. Exemplos: Nós, Mulheres da Periferia (São Paulo), Marcelo Rocha (SP), Pretas em Movimento (Belo Horizonte) e Frente Autônoma LGBTQ (Belo Horizonte).
"Os laboratórios são processos contínuos e simultâneos. Quem ocupa os espaços de poder, por exemplo, passa a garantir o direito à existência, como Marielle Franco, que ao se tornar vereadora atuava para que todos os outros direitos fossem garantidos pelo Estado", explica Well Amorim, também pesquisador do Instituto Update.
Confira o relatório e a lista completa das iniciativas mapeadas em: www.emergenciapolitica.org