Jones Albuquerque: “Precisamos modificar nossos hábitos para sobrevivermos às pandemias" - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Jones Albuquerque: “Precisamos modificar nossos hábitos para sobrevivermos às pandemias"

Rafael Dantas

Até pouco tempo atrás, era difícil imaginar que um profissional especializado em computação pudesse atuar na saúde pública. Com o advento da Covid-19, a fusão dessas áreas do conhecimento passou a ser mais compreensível para a população. O pesquisador Jones Albuquerque personifica bem essa “transdisciplinaridade”. Com um vasto currículo que inclui estudos abrangendo tecnologia, matemática e epidemiologia, ele fundou uma startup de sucesso e integrou a missão humanitária do Unicef para o combate à cólera do Malawi (África).

Albuquerque atua no IRRD (Instituto para Redução de Riscos e Desastres de Pernambuco) da UFRPE, e do Lika (Laboratório de Imunopatologia Keizo-Asami), da UFPE, instituições que têm auxiliado Pernambuco a adotar a política de controle da infecção pelo coronavírus. Nesta entrevista a Cláudia Santos, o cientista analisa a evolução da doença no Brasil e no Estado, explica de forma didática o que é a tão falada curva epidêmica e por que é tão difícil o seu “achatamento” e adverte que a humanidade precisa mudar seu comportamento, pois a probabilidade de ocorrer outras epidemias é de assustadores 100%.

Você é formado em computação e atua na área de epidemiologia. Conte-nos um pouco da sua trajetória profissional.
Formado em computação com forte influência matemática. Em 2006 comecei a trabalhar com saúde pública com a pesquisadora Constança Barbosa, da Fiocruz Pernambuco. Depois de vários trabalhos e prêmios por combate à esquistossomose, em 2011 e 2012, fiz um pós-doutoramento em modelagem de sistemas complexos e biológicos com foco em malária no BarcelonaTech da Universitat Politecnica de Catalunya com Daniel Lopez Codina, cuja parceria continua até hoje em Covid-19. Fundei a Epitrack.tech em 2013 com meu sócio Onicio Leal Neto. A startup foi considerada, por várias vezes, como a mais promissora do Brasil e ganhou diversos prêmios além de publicar mais de uma dezena de artigos científicos, pois ela ajudou a Fifa e o Ministério da Saúde durante a Copa do Mundo de 2014
a combater arboviroses (doenças transmitidas por mosquitos), ajudou o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA), o Bolston Children’s Hospital e Governo dos EUA a combater H1N1 com o flunearyou.org, ajudou o Comitê Olímpico Internacional e o Ministério da Saúde a monitorar e controlar epidemias durante a realização dos Jogos Olímpicos RIO 2016. Em 2017 recebemos o prêmio em Dubai pelo Fórum Mundial de Governos como melhor estratégia de combate epidemiológico do mundo. E em 2017 e 2018 faço outro pós-doutoramento, dessa vez em Epidemiologia Computacional e novos Modelos Computacionais para combate a doenças na Medical
School da University College of London (sétima melhor escola de medicina do mundo e top 10 melhor universidade do mundo) com Jim Owen e David Abraham com os quais mantenho parceria até hoje e estes hoje integram a força-tarefa de combate à Covid-19. Em 2019 fui, pelo Unicef, integrar a missão humanitária no combate a cólera no Malawi, na África. Durante o derramamento de óleo nas praias do litoral do Brasil, integrei o comitê de resposta à emergência. Sou professor do Departamento de Estatística e Informática da UFRPE e pesquisador no LIKA-UFPE (Laboratório de Imunopatologia Keizo-Asami) e do IRRD-UFRPE (Instituto para Redução de Riscos e Desastres de
Pernambuco). Em Covid-19 coordenei as ações de resposta em emergência do IRRD-UFRPE e seus parceiros locais, nacionais e internacionais. Além disso, integrei, a convite dos professores José Antonio Aleixo da Silva, presidente da Academia Pernambucana de Ciência e do Ex-Ministro de Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, o Subcomitê de Modelagem para Combate a Covid-19 no Nordeste.

Como é o trabalho realizado no Lika e no IRRD e qual o objetivo da parceria com as secretarias de Saúde do Estado e do Recife?

O Lika e o IRRD integram a força-tarefa de ajuda à Secretaria de Saúde do Estado, do Município do Recife e RMR e da Secretaria de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde. Montamos a plataforma de resposta com diversos parceiros e dentre as ações: fornecemos infraestrutura laboratorial para escalar a capacidade de testagem RT-PCR (teste para Covid-19) do Lacen no Estado. Também prestamos consultoria à comunidades e empresas em biosegurança com a elaboração de guias, protocolos e livros instrutivos. Fornecemos também na plataforma http://www.irrd.org/covid-19/ análise diária de acompanhamento dos dados (matemática, epidemiológica, geoespacial e projeções nas várias cidades do Estado, nos vários estados do País e no mundo) em parceria com a Secretaria de Saúde do Estado e do município.

O que é a curva epidêmica e por que o seu “achatamento” tem sido tão difícil?
Curvas epidêmicas podem representar a quantidade de infectados, óbitos, recuperados, doentes, ou quaisquer fenômenos que se queira monitorar em relação à contaminação de uma população por um agente quer seja infeccioso, quer seja meramente contaminante em relação ao tempo. Espera-se que a curva epidêmica de infectados, por exemplo, após atingir determinada fração da população comece a cair. Esse fenômeno, matematicamente falando, é muito similar ao de uma notícia. Assim, espera-se que uma notícia, ao ser divulgada, se espalhe na população e atinja um máximo de “ouvintes” e depois comece a cair em sua circulação e há pessoas que nunca vão ser “atingidas” pela notícia, por diversos fatores (desconexão midiática, desinteresse, temporalidade). Pois assim é uma epidemia. Achatar a curva, significa, evitar atingir o máximo de pessoas simultaneamente e tornar a  transmissão da doença menos agressiva na população. E, no caso de Covid-19, evitar que os pacientes graves superlotem as unidades de terapia intensiva dos hospitais. Por que é difícil? Porque este é um sistema complexo, como definido na física, temos várias variáveis que não sabemos como se comportam quando juntas: imunologia da
doença, faixas-etárias mais atingidas, assintomáticos, “espalhadores da doença”, comportamento cultural e social das pessoas, aglomerados urbanos não planejados, entre outros vários.

Leia a entrevista completa na Edição 172.2 da Revista Algomais: www.assine.algomais.com

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