Legião Anônima: uma degustação do texto (Por Paulo Caldas) – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Legião Anônima: uma degustação do texto (Por Paulo Caldas)

Rafael Dantas

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Campo fértil à criação artística, Pernambuco sempre se destacou em todas as formas de expressão. No campo da literatura, por exemplo, a cada ano surge uma safra de bons frutos nesta “Roma de bravos guerreiros”: uns amadurecem no pomar da prosa, outros no dos versos, e até aqueles que frutificam dos dois lados, caso do escritor João Paulo Parísio.

Este é um que pratica uma escrita nascida madura. No seu “Legião anônima” (Cepe Editora, 2014), está explícita tal constatação. Como bem observado pelo escritor Raimundo de Moraes, na orelha do livro, “Ao atender o convite de João Paulo Parísio, o leitor vai entrar nessa legião anônima de anjos que rastejam em sarjetas. Mulheres mortas que deslizam num rio igualmente cadáver, outras que se afogam no próprio desamor e homens de barro que podem desmanchar-se no rolar de uma lágrima”.

No texto do livro é visível a destreza de Parísio no manejo de um vocabulário amplo, na aposição exata de cada palavra em seu lugar e até minúcias da técnica ficcional. Quanto ao apelo do conteúdo, recorro ao “Monólogo da camélia”, página 51, conto escolhido para a análise, o autor adere à narrativa na primeira pessoa, o que traz o leitor para o interior da cena, está dito: “toda puta tem algo de sacerdotisa, de sibila, de pitonisa, que as paisanas não têm; menos ainda agora que perderam o fascínio das vestais: a castidade”, e arremata: “é por essas e outras que a nossa classe sobrevive, como certas espécies epidêmicas: a adversidade é o nosso bioma. Somos gratas às moças de família – essas sim,  vias de extinção,” e fecha a ideia: “Somos parte da mesma dieta, mas não nos comemos”.

Mais adiante, de braços com a ironia, a personagem sacramenta. “Bem- aventurado as freiras que nos renegam cheias de inveja e as carolas que despertam a curiosidade sobre nós na cabeça dos meninos tenros, tornando-nos proibidas, irresistíveis ainda que proibitivas”.

“É certo, pois que através de nós a sociedade elimina suas impurezas”…, “Somos a válvula de escape, a abertura do esfíncter”, afirma a personagem. É possível, prazeroso até, citar outros trechos elogiáveis do conto, mas seria maximizar a degustação. Contudo façamos este mimo extra ao leitor: “a nossa dignidade está escrita na testa, com a marca da besta. Por isso os egípcios nos veneravam e os japoneses, tão assépticos na vida e na morte, cultivam camélias”. E finalizando a personagem adverte: “Humanidade devora-me ou eu decifro-te”.

Para não dizer que omitimos pequeninas imperfeições, há uma observação sobre a voz da protagonista, uma vez que ela faz uso dos pronomes oblíquos, refinando o discurso, não obstante ocupar um espaço inferior na estratificação social.
No universo da poesia, Parísio tem publicado “Esculturas fluidas” (Cepe Editora, 2014) com uma primorosa apresentação gráfica, apresentado por Laura Moosburger, professora da USP que se dedica à interface entre a Filosofia, Literatura e Poesia.

 

 

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