Lição da pandemia: olharmos para o coletivo

Por Sílvia Gusmão*

Recentemente presenciei uma conversa sobre o que fazer com as crianças durante as férias, neste tempo de pandemia. Eram pais preocupados com os efeitos dos meses em que seus filhos estavam trancafiados em casa. Um deles sugeriu contratar profissional especializado em atividades recreativas. Alguns consideraram a alternativa atraente. Outros reagiram demonstrando temor da aglomeração. Instaurada a polêmica, alguém sugeriu que cada família decidisse se suas crianças participariam ou não. Naquele momento, indaguei se condutas individualistas, a cargo de cada família, seriam mais adequadas do que o compartilhamento de ações que visassem à coletividade. Lembrei ainda que as crianças podem ficar assintomáticas, mas transmitir o vírus para a família, vizinhos e comunidade. Pode surpreender, mas condutas individualistas não são fatos isolados. Ao contrário, tornam-se cada dia mais comuns na contemporaneidade.

Basta observar restaurantes e bares lotados de adolescentes sem respeito à importância da máscara e do distanciamento social. É compreensível o desconforto que o isolamento produz, como também o dilema dos pais para conter os filhos em casa, privados da rotina da escola e do convívio social. Como também é considerável a tensão acirrada pelo ensino à distância cansativo, exigente e pouco produtivo para muitos estudantes, o que provoca desentendimento entre pais, filhos e escola. Urge identificar alternativas para lidar com as restrições que irão perdurar.

Apesar da perspectiva otimista trazida pela vacina, ainda viveremos algum tempo fazendo uso de máscara e do distanciamento social, dizem os especialistas. Considerado pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, o médico e sociólogo Nicholas Christakis afirma que a pós-pandemia se dará apenas em 2024. Em sua opinião, quando a imunidade de grupo for alcançada, ainda teremos de enfrentar impactos econômico e social trazidos pela pandemia.

Segundo Christakis, epidemias não são novidade na humanidade. Ocorrem a cada 100 anos. São novas e aterrorizantes para quem as vivencia. O vírus da Covid-19 nos aproximou da morte, nos confrontou com nossa fragilidade diante das contingências da vida. Abalou as certezas e a ilusão de que controlamos nosso futuro. Além do tempo de luto e dor pelas perdas constantes de parentes, amigos, colegas de trabalho, empregos, convívio social … enfrentamos um horizonte que não sabemos qual será.

Frente a essa terrível experiência, as pessoas lidam com os recursos psíquicos que dispõem. Alguns sucumbem à angústia e se paralisam. Outros se defendem negando a dimensão letal do vírus. Melhor saída seria reconhecer a vulnerabilidade da condição humana e inventar um saber fazer diante dos percalços para seguir caminhando.

Afora o risco de contrair a doença, morrer ou ficar sequelado, a pandemia impõe a convivência intensa e forçada com a família, fato gerador problemas, mas também de ganhos e aprendizagens. Exercitando a paciência podemos extrair lições e aproveitar esta oportunidade para dar testemunho às crianças e aos adolescentes do valor dos ideais de fraternidade e solidariedade para a vida social na pandemia, e sempre.

*Sílvia Gusmão é psicanalista e sócia da Trajeto Consultoria

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